Sala cheia no Museu da Tapeçaria para o último solo de contrabaixo do Portalegre JazzFest, desta vez com o lendário Michael Formanek. Perguntamo-nos se há mais gente porque é sábado ou se é pelo Formanek. O músico norte-americano mudou-se para Portugal há uns anos e por cá tem desfrutado da boa vida que a região do Oeste lhe oferece. Formanek pintou umas telas nos últimos meses e usou-as como pauta para o concerto da tarde do dia 12 de Abril. São telas abstratas e com significados algo místicos. Começa o solo de forma segura mas agarra imediatamente quem o ouve. Ele nunca é passivo, nem quando toca com outros, quanto mais a solo. É ousado e tem um estilo bastante próprio. No ano passado vimo-lo em duo com Tim Berne no Causa Efeito e notava-se o modo como a sua linguagem liga naturalmente com quem o acompanha. Gostamos do modo como ele evita o óbvio assim como, sendo incisivo, nos remete para paisagens desafiantes. Ou serão telas? Consoante o tema, alterna entre dois contrabaixos, com ou sem arco, sempre com uma linguagem subversiva, evoluindo entre o simples e o complexo, entre o desafiante e o ambiental. Num outro tema parece-nos iconograficamente oriental. Aqui é astuto, ali parece uma locomotiva, há algo melancólico, depois mais alegre. Num outro quadro, Formanek faz o seu contrabaixo soar a guitarra elétrica e leva-nos a algo folk ou rock, num momento de técnica notável, percebemos que estamos perante um instrumentista virtuoso. Quase uma hora depois, Formanek termina como um relógio, certinho. Estamos de papo cheio.
No CAEP atuou o pianista Craig Taborn com o saxofone de Chris Potter. Tendo atuado em várias formações ao longo dos últimos 20 anos, Potter e Taborn vão encerrar esta noite a digressão europeia. São ambos músicos extraordinários com um currículo impressionante quer como líderes, quer com sidemen, pelo que as expectativas eram bastante altas. E não desiludiram. Ao longo da noite desfilaram toda a sua mestria, tocaram temas de ambos e alguns standards que fizeram as delícias do público. A versão de “Ida Lupino” de Carla Bley foi particularmente inspirada e percebe-se de modo claro que estamos na presença de dois colossos. A certa altura ocorre-nos que é como ver um jogo da Premier League, onde não só os atletas são magníficos, como o próprio jogo nos parece um desporto diferente, tal é a mestria. As mãos de Taborn voam intencionalmente e o sopro de Potter é duma delicadeza rara, mantendo ambos um padrão elevadíssimo ao longo de hora e meia. É obra. Na improvisação tudo aqui parece simples, depois complica-se, depois solta-se, depois arrepia um pouco e quando se (re)volta ao tema já é um doce. Mais uma volta? Claro, dizemos nós. Já cá fora, ouvimos de passagem: “Isto é O jazz!” E não há como discordar.
Eve Risser é uma jovem pianista notável no novo jazz europeu. Atuando num piano vertical preparado, nos Claustros do Convento de Santa Clara, Eve traz na bagagem o álbum Après Un Rêve, editado pela Clean Feed em 2019. A inspiração é não só a composição de Gabriel Fauré em 1870 mas também o poema que a acompanha com o mesmo nome. Risser transforma e atualiza de forma transgressora e com uma linguagem muito própria. Toca de modo divertido, fazendo-nos mexer o corpo. E se uma caixa presa ao piano vertical por uma corda que nos soa a tarola já nos faz bater o pé, quando a sua perna direita começa a bater num bombo como se fosse uma drum machine só nos apetece dançar. E não é para menos, com batidas por minuto bem acima dos 120, Risser deita-nos num techno progressivo, em que as suas mãos pintam ritmos contagiantes. E aquela mão esquerda faz dos graves um power bass, remetendo-nos para um drum and bass desconstruído, tudo muito marado e estranhamente mecânico. Adoramos! Seria até IDM, fosse aquele bombo a tal drum machine e aquela mão um baixo. Assim é mais ainda: é uma linguagem própria que ela domina e que tanto nos remete para o free jazz como para a musique concrète, acabando tudo num club com Aphex Twin a pôr música. Confusos? Deixem-se levar. Eve Risser desafia o público a levantar-se e dançar e a malta alinha. É uma festa despretensiosa e inteligente, um local onde convergem headbangers e eruditos, um ponto onde convergem gerações e estilos. Não é fácil descrever esta música mas é injusto para Eve que nos afundemos em referências. Esta experiência é para ser vivida, mais que lida ou até mesmo ouvida.
E porque ontem, dia 13, não pudemos assistir ao último concerto do Portalegre JazzFest, com Emma Smith Quartet, resta-nos agradecer pelo modo como fomos recebidos, pelo ambiente descontraído e, mais importante, pelos concertos magníficos.