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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/02/2022

O poder que há em cada artista.

Poppy Ajudha: “O principal objectivo de qualquer canção é ser capaz de chegar às pessoas”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/02/2022

Poppy Ajudha, cantora e compositora britânica, é uma das vozes mais frescas na música pop nos dias de hoje: o seu pai nasceu em St. Lúcia (Caraíbas) e a sua mãe é do Reino Unido; as suas faixas contam já com mais de 25 milhões de streams; ganhou o Soul Act of the Year na edição de 2019 dos prémios da Jazz FM; além das canções, dá cartas também no mundo da moda, sendo uma das modelos da Nike.

Estivemos à conversa com a artista sobre o início da sua carreira, as suas ideias e convicções, o seu novo álbum (que sai no dia 22 de Abril e que tem, nos créditos, Nubya Garcia) e a sua passagem pelo festival ID_NOLIMITS.



De que maneira é que a música entrou na tua vida? Como é que começaste a fazer música e qual foi a influência que o Paradise Bar teve no teu percurso?

O Paradise Bar era o clube nocturno do meu pai. Vivi sempre entre a casa do meu pai e da minha mãe. O meu pai vivia em cima do bar. Quando não estava em casa, estava no bar com ele. Estive sempre rodeada de música. Em criança, a música ocupava grande parte do meu quotidiano — algo pouco comum visto que não é o lugar típico para uma criança de 10 anos de idade [risos]. Deambulava pelo bar olhando para as pessoas delirantes que o preenchiam. Portanto, sim, a música sempre foi uma grande parte da minha vida. Desde que me lembro sempre quis ser cantora, sempre cantei e escrevi canções. Era inevitável que fosse este o caminho que viria a seguir.

Além de gerir o Paradise Bar, o teu pai também é músico?

Não. Foi DJ quando era jovem. Sempre gostou de música e por isso acabou a gerir um clube nocturno.

Tens alguma formação musical? Estudaste música ou algum instrumento?

Não. Não podia dar-me a esse luxo quando era criança/adolescente. Aprendi sozinha a tocar guitarra e a cantar. Anos depois, quando me tornei profissional, tive aulas de voz porque cometia muitos erros e estava constantemente a prejudicar a minha voz sem saber. Foi um crescimento orgânico, estas aulas foram formas de expressão e terapia pessoal. Foram fundamentais para compreender como me sentia. A criatividade dá-nos esta possibilidade: descobrir e entender o sentido da nossa mente.

A tua música, no meu ponto de vista, é  algo entre o r&b e o jazz. Como é que a defines? Quais são os e as artistas que te inspiram? Quais são as tuas referências musicais?

Acho que não sei definir a minha música. Não acho que se encaixe nas definições comuns dos géneros musicais, julgo mesmo que não é jazz, r&b, pop nem música electrónica: é algo entre tudo isto.

Sobre as minhas referências musicais, ouço música bastante diversificada e é por isso que não sinto que a minha música seja fácil de definir. Sou inspirada pela composição de Amy Winehouse, Kendrick Lamar, SZA… Por aquilo a que se chama “músicas do mundo”… Procuro inspiração em vários tipos de som.

Como é a cena musical de Londres hoje em dia? Quais são os artistas contemporâneos que mais te inspiram e que cenas musicais fora do Reino Unido são referências para ti?

Ouço muita música americana, penso que será porventura aquela que mais influencia o meu som, mas adoro músicos britânicos como Obongjayar e PinkPantheress. Lauryn Hill, Erykah Badu, Khruangbin e Nai Palm são importantes referências para mim. O r&b americano influencia muito a minha música, artistas como a Ravyn Lenae. Escrevem música de corpo e alma sem deixarem de ser modernos e actuais. Ouço também bastante música pop, é sem dúvida uma referência para mim neste momento.

Podes falar um pouco sobre o processo criativo dos teus dois EPs FEMME e Patience? Trabalhaste com os mesmos produtores em ambos?

Não. Há uma panóplia de diferentes produtores em toda a minha música. FEMME foi uma exploração sobre a minha identidade enquanto mulher e pessoa queer. Foi mesmo uma tentativa de compreender quem era e o que queria dizer com a minha música. FEMME foi o ponto de partida deste caminho. Abordei pela primeira vez o feminismo, os e as gays. Patience foi o seguimento desta pesquisa e afirmação. Os objectivos destes EPs foram abordar o tema da masculinidade e escrever canções de reivindicação pessoal. Enaltecer a honestidade e quem somos de modo a que outras pessoas se sintam inspiradas a fazer o mesmo.

Os produtores que escolheste são teus amigos, ou pessoas que contactaste devido ao seu trabalho?

Ambos. No meu primeiro EP foram definitivamente amigos e pessoas a quem naquela altura tinha acesso. À medida que fui evoluindo como artista, fui tendo acesso a artistas e produtores que me inspiram e com os quais acredito ter criado uma espécie de sinergia. Para mim isto é muito importante: faz parte da forma como se desenvolve o meu processo criativo.



Disseste numa outra entrevista que as tuas letras falam da tua experiência pessoal, de “coisas que afectam muitas mulheres jovens ao nível do racismo, de classe, de género, de sexualidade e da pressão constante para provar o seu valor”. Isto é muito claro em canções como “Change Your Mind”, “Weakness” ou “The Man You Aim To Be”. Na música “London’s Burning” abordas também questões coloniais. Como vives todas estas questões na tua vida? Como é que elas influenciam a tua música? Achas que a arte e a música em particular têm um papel importante na mudança de mentalidades conservadoras? Que a arte tem um papel ético e que os artistas devem ser também activistas políticos?

Sim. No meu ponto de vista, a arte permite-nos um novo olhar para o mundo. Um olhar de desconstrução do mesmo, de como o mundo nos é apresentado através da educação ou da autoridade do Estado. A arte deve ser subversiva. A criatividade permite expandir as nossas experiências e a música não é excepção. Enquanto mulher e pessoa queer, a política interfere directamente com a minha vida em todos os níveis. A opressão que eu e todas as mulheres no mundo vivemos é uma experiência quotidiana e por isso é me difícil não escrever canções que tocam estes assuntos. Ambiciono inspirar outros e outras para que haja uma verdadeiramente mudança, para que se abram cada vez mais lugares de fala. Uma canção escrita é, em última instância, a expressão daquilo que nos vai na alma e, assim sendo, julgo que os artistas têm a responsabilidade de falar sobre estes temas.

Quais são as tuas principais referências sobre o feminismo?

Angela Davis, Judith Butler, Chimamanda… Tantas mulheres. É curioso porque a minha guitarrista [Raquel Martins] é portuguesa e tem 22 anos. Na minha banda todas somos mulheres. Falamos muito sobre feminismo, género e a pressão que as mulheres sofrem na sociedade. A cultura portuguesa, na perspectiva da minha guitarrista, sempre foi bastante conservadora e tradicional no que toca à visão que os homens têm do que deve ser uma mulher. É por isso muito interessante falar com ela sobre estes temas. É interessante perceber em que lugar estão estas questões consoante as diferentes geografias e culturas porque estes dois factores definem a forma como percepcionamos as nossas identidades. Estou entusiasmada por tocar pela primeira vez em Portugal e para sentir como é que a minha música é recebida uma vez que procura subverter os estereótipos de género.

Senti que nas tuas últimas faixas, “London’s Burning” e “Holiday from Reality”, é notório a influência da bass music, nomeadamente do trip-hop e do breakbeat. Estou certo?

Sim, há sem dúvida um feeling breakbeat e sombrio. Depende sempre do que a música está a pedir, daquilo que é necessário para contar a história da canção. Na minha opinião, os e as artistas não se devem restringir a géneros musicais porque inevitavelmente esse bloqueio irá afectar a forma como se conta a narrativa da música. O principal objectivo de qualquer canção é ser capaz de chegar às pessoas. Devemos ser honestas com as nossas emoções quando escrevemos canções. A minha música é feita neste sentido e este álbum, The Power In Us, atravessa definitivamente vários géneros musicais: faz o que é necessário para contar a história das suas canção.

Quem são os produtores do teu novo álbum The Power In Us?

Joel Compass, Wesley Singerman, Taylor Dexter, Karma Kid e Wynne Bennett.

No dia 26 de Fevereiro vais actuar no festival ID_NOLIMITS em Cascais ao lado de nomes como Branko, DJ Adamm, CKTRL e Major League DJz. Conheces os artistas portugueses que acabei de mencionar?

Não sabia que o Branko era português! Adoro o seu trabalho. São vários os artistas extraordinários que vão tocar no festival. Será muito especial!

Tens uma grande digressão pela frente. Vais tocar na Alemanha, Bélgica, França, Holanda e várias cidades do Reino Unido. Interessa-te mais actuar ao vivo, ou preferes produzir música em estúdio? Como é a tua relação com o palco?

Adoro actuar ao vivo! Um artista não existe sem o seu público. É muito importante para nós [artistas] sentirmos a maneira como as pessoas recebem a nossa música. A pandemia mostrou-nos o quão fundamental são os eventos de música ao vivo. Sentir a vibração das pessoas é especial, não pode ser de outra maneira! Adoro gravar em estúdio, mas estou constantemente a pensar em como é que essa mesma música irá soar em palco. Sou apaixonada por ambas as vertentes, contudo, o que gosto mesmo é de actuar ao vivo.

O que podemos esperar do teu próximo álbum? Será muito diferente daquilo que já ouvimos?

Há músicas que são bastante diferentes, porém, os temas de apelo a uma mudança social, saúde mental e feminismo estão presentes. Estou realmente entusiasmada em deixar que as pessoas entrem nos meus pensamentos e emoções e em perceber a sua reacção.


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