pub

Publicado a: 02/09/2018

A pluralidade de St Germain em pleno Reino Animalia

Publicado a: 02/09/2018

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTOS] Nash Does Work

O verde é a cor que predomina no quadro pintado pelo LISB-ON JARDIM SONORO, este fim-de-semana, no Parque Eduardo VII. Não só no que diz respeito ao cenário idílico do próprio espaço envolvente, digno de uma obra de Claude Lorrain, onde as árvores assumem o principal papel, mas também da missão do próprio evento, que carrega consigo uma importante missão ambiental, ou não fosse esta uma temática cada vez mais urgente nos dias que correm. E não deixa de ser curioso algumas dessas iniciativas virem de eventos de pequena dimensão, quando o exemplo poderia e deveria vir dos seus parceiros de exposição mais alargada.

O encargo ecológico começa logo na chegada ao Main Stage, local onde, por esta altura, actuam João e Pedro Tenreiro. Junto a algumas árvores é-nos possível encontrar sinaléticas que apelam a uma responsabilidade acrescida por parte dos fumadores para que estes não atirem as suas beatas para o chão. Para além dessas placas terem na sua base gigantescos cinzeiros, ainda deixam uma pista para os mais preguiçosos: há cinzeiros portáteis a serem distribuídos gratuitamente no recinto, de forma a que ninguém seja obrigado a sair da pista de dança para apagar o cigarro. Ainda assim, a julgar pela quantidade de beatas que encontramos no chão, ainda há muito que palmilhar nesta temática.

A este ponto poderão juntar-se ainda outros, tais como o já conhecido copo reutilizável, a redução do plástico na zona de restauração e, também importante, a exploração das energias renováveis no palco Carlsberg Hillside Stage, onde foram instalados painéis solares que garantem o funcionamento de algum do equipamento montado, não estando o sistema de som acoplado a esta fonte por questões de potência. Não deixa de ser positiva toda esta aproximação a alternativas sustentáveis, por mais residual que seja e por mais distante que ainda se encontre da perfeição.

 



No Main Stage, a dupla Tenreiro continua a sua viagem por sonoridades funk e sobretudo soul, espelho do programa que Pedro conduz na Antena 3, Poder Soul. Estamos perante dois ávidos coleccionadores de discos de vinil, certamente donos de um respeitável espólio nos meandros da música negra. São vários os curiosos que se mobilizam nas imediações do palco neste final de tarde, alguns sentados na relva circundante, de olhos postos num cenário desenhado à imagem do verdejante espaço (são várias as plantas que abraçam as torres laterais do palco, fundindo-se com o metal das estruturas, quais heras trepadoras a assumirem o seu natural protagonismo), outros a desfrutarem do conforto em camas de rede ou pufes colocados à disposição pelos patrocinadores do evento.

Alcançado o final da sessão familiar dos DJs portugueses, é chegada a hora de Ludovic Navarre, também conhecido como St Germain, assumir as lides do final de tarde. No centro do palco e de olhar fechado na sua maquinaria, colocada sobre uma bancada típica de DJ, secundado por uma banda que se divide entre bateria e percussão, baixo, guitarra eléctrica, instrumentos de corda acústicos (onde podemos encontrar, entre outros, uma kora) e teclas, o músico francês dá início ao concerto com a ligação a África que pauta o seu mais recente álbum, Real Blues (2015), com a faixa-título a ser uma das primeiras a visitar os nossos ouvidos, de forma tímida e algo confusa, numa altura em que os músicos ainda parecem estar a afinar os seus metrónomos internos.

Cabe a “Rose Rouge” a tarefa de acertar a cadência e a dinâmica do colectivo, com a frase “i want you to get together, put your hands together one time” a ser entoada por dezenas. Na versão ao vivo, esta que é a canção-chave de Tourist (2000) e um dos principais passaportes para a sua obra, perde a sua identidade house garantida pelo loop de bombo e tarola, que em palco é substituído por um também ritmado mas menos vigoroso compasso de bateria, mas ganha toda uma vertente jazz, repleta de solos de saxofone de guitarra eléctrica, transportando a música para lá dos limites temporais que lhe conhecemos em disco.

 



Esta é, aliás, uma das grande valências da banda de St Germain no exercício ao vivo: a possibilidade de se desligar das versões originais e partir para outras paisagens complementares. Em “So Flute”, tema onde vemos o homem do sopro, originário da Guadalupe, a trocar o saxofone por uma flauta transversal, é-nos possível testemunhar uma bela introdução em percussão, pelas mãos do homem que também articula a bateria, originário do Brasil, que mais tarde assume a forma de um inspirado solo. Já antes o baixista, originário da Guiana Francesa, havia dado um ar de sua graça, bem como o teclista, da Martinica, o homem da guitarra eléctrica, do Senegal, e o das cordas acústicas, do Mali.

A componente instrumental de St Germain consegue ser tão diversificada quanto as nacionalidades dos músicos que o acompanham. Das sonoridades africanas de “Sittin’ Here” ao blues de “Sure Thing”, passando pela própria textura house que polvilha a sua obra, tudo parece encaixar no imaginário do músico francês, cujo concerto no LISB-ON JARDIM SONORO serviu de ponto final a uma digressão de dois anos e meio, um longo período que o fez rodar o mundo e que certamente lhe terá injectado novas ideias para o trabalhos discográficos que se seguirão. E nada melhor do que um concerto num espaço verde para impulsionar esse regresso à calma, ao estúdio.

O remate da noite foi entregue a Maceo Plex, um dos mais sonantes e respeitados nomes do techno do novo milénio, que, num set de cinco horas, colocou centenas a dançar na plateia do Main Stage, acompanhado de sonoridades que se evidenciaram tudo menos meigas e afáveis, repletos de baixos possantes e sintetizadores desconcertantes. Categoria.

 


pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos