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Publicado a: 25/12/2015

Pioneiros: Juan Atkins, o techno rebel

Publicado a: 25/12/2015

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados

 

Quando Alvin Toffler procurou extrair sentido dos rápidos avanços tecnológicos que no final dos anos 60 empurravam o mundo inexoravelmente em direcção à realidade que hoje conhecemos não podia imaginar que o best-seller que lançou em 1970 – “O Choque do Futuro” – teria uma tremenda influência no campo da música: esse livro inspirou uma canção de Curtis Mayfield no álbum Back to The World (1973) que uma década mais tarde seria revisitada por Herbie Hancock e daria título ao álbum Future Shock onde se incluía o mega-hitRockit”. Algures entre a soul clássica de Mayfield, o jazz electrónico de Herbie e a projecção de uma “super sociedade industrial” onde despontaria uma classe de “techno rebels”, segundo as ideias de Toffler, haveria de se situar a visão de Juan Atkins, justamente apontado como o padrinho do techno: “sim, sou um futurista e isso significa, muito simplesmente, fazer coisas que nunca foram feitas antes…”

O homem por trás da “máscara” Model 500 que é também um dos principais ideólogos do techno esteve há alguns anos em Portugal para participar no evento Red Bull Music Academy Taster e proferiu uma palestra perante uma plateia atenta composta por Djs, músicos e produtores oriundos das comunidades electrónica e hip hop. Na arejada sala perto do Chiado, em Lisboa, onde o encontro teve lugar todos sabiam que estavam perante uma lenda: o som criado por Juan Atkins e outros visionários como Derrick May e Kevin Saunderson – a “santíssima trindade” – espalhou-se de Detroit para o mundo para se afirmar como uma língua franca que hoje, de certa forma, domina o planeta. Não mais “uma nação sob a mesma batida”, o mais correcto será agora falar de um planeta a pulsar perante o mesmo groove.

 


 


A história do techno começa na cidade que deu ao mundo a Motown e que serviu de primeiro trampolim a bandas como os Stooges e os MC5, oriundos de pequenas comunidades vizinhas. “Eu cresci durante a época do disco,” referiu Atkins, “e nesse tempo todos os DJs tocavam os mesmos temas e por isso a forma mais rápida para alguém se distinguir era tocar a sua própria música.” A necessidade é sempre mãe da invenção, até na música. Juan Atkins vinha de uma família musical, recebeu a sua primeira guitarra aos 10 anos e formou um gosto eclético a ouvir The Midnight Funk Association, programa em que a enigmática figura de The Electrifying Mojo tocava uma eclética mistura que ia de Jimi Hendrix a Parliament e de J.Geils Band aos B.52’s. “Eu sempre soube que queria fazer música. Tocava guitarra e baixo e bateria e por isso não precisava de depender tanto das máquinas. Em 1981 isso era necessário pois não havia ainda MIDI e os sequenciadores eram muito limitados. As máquinas de uma marca não comunicavam com as de outra marca.” E comunicação é um conceito central na música que Atkins ajudou a inventar.

As primeiras experiências de Juan Atkins com Derrick May eram inocentes mixes criadas com a ajuda do sintetizador Korg MS10 e de gravadores de cassetes que serviam para impressionar Mojo e marcar presença nos seus programas de rádio. As coisas ganharam uma maior seriedade quando Atkins conheceu Rick Davis na faculdade: “ele era um tipo isolado que nunca tocava com ninguém,” recordou Atkins a propósito do seu companheiro nos influentes Cybotron. “Um dia levei-lhe uma demo que criei no meu quarto e ele finalmente convidou-me para ir a casa dele. Quando entrei no seu quarto foi como entrar numa nave espacial – só se viam as luzes dos inúmeros teclados que ele tinha e isso impressionou-me imenso. Eu só tinha o Korg, mas o Rick tinha o Arp Odyssey, o sequenciador da Roland MSQ 100, tudo ligado, com aquelas luzes todas a piscar.” A química foi evidente pois o primeiro tema que criaram, como revelou Juan Atkins, foi “Cosmic Raindance”, uma das faixas de Enter, o mítico álbum de 1983 que colocou Detroit no centro da revolução electrónica cujos efeitos ainda hoje se fazem sentir. “O resto, pode-se dizer, é história,” rematou, com justificada autoridade, Juan Atkins. A terceira faixa criada nessa sessão com Rick Davis levou o título de “Clear”, uma pequena obra-prima cuja longevidade se tornou evidente quando Missy Elliott a usou como base para “Lose Control”.

 


 


Atkins, que mais tarde criaria alter-egos como Model 500 ou Audio Tech e a influente editora Metroplex, fez questão de esclarecer que o impulso para criar música electrónica na Detroit de início dos anos 80 não veio, por simples desconhecimento, dos Kraftwerk, “mas quando os ouvi isso deu-me força, pois percebi que havia mais gente noutro continente a explorar as mesmas ideias.” Como o house de Chicago que encontrou um público na Europa antes de ser “descoberto” no resto dos Estados Unidos, o techno também precisou do trampolim do velho continente para se impor: “com a Europa o que aconteceu é que finalmente começámos a ser pagos pelo nosso trabalho. Não mudou a música, mas permitiu-nos encontrar um mercado. Quando comecei a vir à Europa era engraçado porque podia estar num Pizza Hut e ouvir house e isso seria impossível na América.”

Juan Atkins mantém-se activo até aos dias de hoje. O seu lançamento mais recente em nome próprio data de 2013: Borderland é uma criação conjunta com Moritz Von Oswald (discípulo claro de toda a escola de Detroit e fundador da influente Basic Channel) e foi lançado pela Tresor, a mesma editora que lançou The Berlin Sessions em 2004. Já o seu alter-ego Model 500 tornou-se, nos últimos anos, a designação sob a qual opera um colectivo que além de Atkins inclui, entre outros, os préstimos de Mike Banks, homem dos Underground Resistance. A última criação conjunta desta nova versão de Model 500 data já de 2015, tem por título Digital Solutions (a faixa “Hi Nrg” tem a colaboração de Amp Fiddler) e tem selo da própria Metroplex, etiqueta que completou este ano três décadas de histórica actividade.

 


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