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Publicado a: 09/02/2016

Pioneiros: Devo, punks com sintetizadores

Publicado a: 09/02/2016

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados

David Bowie, Iggy Pop e Brian Eno foram os primeiros fãs notórios dos Devo, o que não deixa de ser uma curiosa metáfora para o som do grupo de «Mongoloid»: Bowie, o camaleão pop por excelência, Iggy o avô do punk, e Eno, o art-rocker apaixonado pelas possibilidades eletrónicas – todos identificaram no som do quinteto de Akron, Ohio, um rasgo de futuro, onde o apelo pop das canções, a atitude política e confrontacional do punk e a adoção pioneira das possibilidades oferecidas pela tecnologia se combinavam de uma forma profundamente original. Iggy Pop ofereceu-se para produzir o álbum de estreia, contagiando depois os seus companheiros de «exílio» em Berlim: o ex-Stooges tinha acabado de gravar The Idiot e Lust For Life e Bowie já tinha dado os retoques finais em “Heroes” quando, após ver a estreia do grupo ao vivo em Nova Iorque em 1977, declarou: «os Devo são a banda do futuro», descrevendo-os depois como «três Brian Enos e um par de Edgar Froeses», referindo-se ao homem forte dos Tangerine Dream. Compromissos com a sua carreira cinematográfica paralela – filmagens para Just a Gigolo – impediram Bowie de se sentar na cadeira de produtor, papel que foi assumido por Brian Eno que nos últimos meses de 1977 gravou em Colónia a estreia dos Devo em álbum, Q: Are We Not Men? A: We Are Devo.

 

 

O primeiro álbum dos Devo foi editado com carimbo da Warner Bros em 1978, injetando assim a música dos Devo em plena era punk, mas as origens do grupo, no entanto, recuavam aos finais dos anos 60 quando Gerald Casale e Bob Lewis eram estudantes de arte na notória Kent State University. Aí, inflamados certamente pelo espírito libertário e radical do Maio de 68, os futuros membros dos Devo criaram a teoria de «de-evolução», a ideia de que a humanidade teria começado a regredir oferecendo como prova clara os problemas da sociedade americana. Os confrontos entre a Guarda Nacional e os estudantes no campus da Universidade Kent State em 4 de Maio de 1970, que causaram 4 mortos e deixaram mais 9 pessoas feridas, deram razão a Casale e Lewis que decidiram avançar com a formação de um grupo após conhecerem Mark Mothersbaugh. O primeiro concerto dos Devo aconteceu num festival de artes promovido pela Kent State em 1973. Neste período, o line up dos Devo oscilou em torno de Gerald Casale e Mark Mothersbaugh, cristalizando-se depois com a adição de Bob Mathersbaugh (irmão de Mark), Bob Casale (também conhecido por Bob 2, irmão de Gerald) e Alan Myers, que assumiu a função de baterista em 1976, mantendo-a durante a década seguinte.

Curiosamente, o «medium» com que os Devo primeiro se fizeram notar não foi o dos discos, mas o do cinema, sintoma claro das inclinações «arty» do grupo: The Truth About De-Evolution, de 1976, uma curta-metragem de Chuck Statler que funcionava como uma espécie de teledisco duplo para os temas «Secret Agent Man» (versão de um tema popularizado por Johnny Rivers em meados dos anos 60) e «Jocko Homo», ganhou um prémio no festival de Ann Arbor. Isso haveria de conduzir Neil Young a convidar os Devo para participarem no filme Human Highway, rodado em 1977 mas só lançado em 1982. Entretanto, a estreia discográfica do grupo aconteceu em 1976 com o single «Mongoloid» que tinha «Jocko Homo» no lado B. A edição aconteceu na Booji Boy da própria banda. O segundo single, uma versão de «(I Can’t Get No) Satisfaction» dos Rolling Stones aconteceu em 1977, em pleno auge da explosão punk. Nessa altura, os singles dos Devo só se encontravam disponíveis em Inglaterra como importações caras, mas isso não impediu Jon Savage de elogiar a banda, descrevendo a versão do clássico dos Stones como sendo «tocada da maneira que David Bowie gostaria de ter tocado “Let’s Spend The Night Together” em Alladin Sane». A produção «caseira» do grupo nesta época, que incluía muito do material da cassete que atraiu a atenção de Iggy Pop, foi mais tarde reunida em dois volumes da antologia Hardcore Devo, editada originalmente em 1990 e entretanto reeditada em 2013 pela norte-americana Superior Viaduct.

 

 

Be Stiff Ep, editado pela indie britânica Stiff, um dos selos com mais fortes associações ao movimento punk/new wave, reuniu o material dos dois singles da Booji Boy e acrescentou mais uns quantos inéditos e deu finalmente ao grupo exposição em Inglaterra. Em Fevereiro de 1978, o Melody Maker titulava: «We Are Devo. We Are The Next Big Thing»: «Toda a gente diz que estão condenados a serem super-estrelas e há rumores diários de contratos milionários e disputa entre editoras para assegurarem as suas assinaturas», especulava Ian Birch. O futuro do grupo, no entanto, haveria de revelar-se bem diferente.

Duty Now For The Future, álbum de 1979, sucedeu ao primeiro álbum que, muito por mérito das regravações operadas por Brian Eno dos singles «(I Can’t Get No) Satisfaction» e «Mongoloid», tinha conseguido furar o Top 20 britânico. O segundo álbum dos Devo, porém, estabeleceu o tom para a carreira futura: era mais experimental do que o primeiro, com menos material obviamente pop, mais eletrónico. Ainda assim, o tempo transformou-o numa peça de culto, com fãs notórios como Henry Rollins que em 1994 o reeditou pela primeira vez em CD na América. A única visita dos Devo a Portugal aconteceu em Outubro de 1979, a propósito da edição local de Duty Now For The Future (ver caixa).

Por esta altura, os gestos dos Devo assumiam sempre uma dimensão política de feroz crítica à mesma América que os tinha gerado. Entre outras coisas, os Devo filiaram-se na Igreja do Subgénio, uma organização criada por Ivan Stang e que se destinava, prioritariamente, a parodiar os extremistas religiosos americanos, tele-evangelistas e seitas do género. Nesse âmbito, os elementos dos Devo chegaram a abrir concertos disfarçados como um grupo cristão de «soft-rock» chamado Dove (The Band Of Love), papel que depois levaram ao cinema na comédia Pray TV.

O apelo da eletrónica tornou-se ainda mais evidente em Freedom of Choice, o álbum de 1980 que incluía o hit «Whip It» com que os Devo conseguiram furar o Top 40 norte-americano. O disco contou com a produção do veterano Robert Margouleff, homem por trás dos pioneiros da eletrónica Tonto’s Expanding Head Band que trabalhou nalguns dos mais importantes álbuns de Stevie Wonder na década de 70.

 

https://www.youtube.com/watch?v=25MQM8XaYwU

 

Em 1981 os Devo lançaram o álbum New Traditionalists, apresentando um novo visual inspirado nas fardas dos escuteiros rematado com uma peruca de plástico moldada a partir do famoso corte de cabelo de John F. Kennedy. A contínua provocação dos Devo a partir de símbolos da identidade americana indicava claramente que este não era um grupo new wave apostado simplesmente em criar êxitos e ascender à primeira divisão da pop, algo que se poderia dizer de contemporâneos como os Blondie ou os B-52’s. «Through Being Cool» era uma crítica clara aos que tomavam a música do grupo só pela rama do que se escutava na rádio não procurando entender todo o pacote conceptual e ideológico que a rodeava. O disco, de tons mais cinzentos e mais complexo, parecia fugir deliberadamente à possibilidade dos Devo se tornarem uma máquina pop bem oleada.

O programa ideológico dos Devo valeu-lhes acusações de panfletarismo «fascizante» de alguns quadrantes da crítica, enquanto outros tomavam o ângulo do humor sempre abraçado pelo grupo como pretexto para os apelidar como «palhaços». Oh, No! It’s Devo, de acordo com Gerard Casale, foi por isso mesmo concebido como uma resposta à crítica: «Palhaços fascistas? Bem, essa foi a ideia para o álbum Oh, No! It’s Devo», explicou o músico ao Express Milwaukee em 2010. E para provar que não estavam para facilitismos, os Devo usaram a música de recorte quase totalmente eletrónico como veículo para mensagens de pendor político: «I Desire», por exemplo, socorria-se de um poema de John Hinckley Jr, o homem que tentou assassinar Ronald Reagan…

Os Devo só lançaram mais dois álbuns nos anos 1980 – Shout (84) e Total Devo (88) – e a discografia completa-se com uma única entrada na década de 1990 – Smooth Noodle Maps (90) – e o inevitável álbum do regresso – Something For Everybody, lançado já em 2010. Entretanto, Alan Myers faleceu em Junho do ano passado e Bob Casale em Fevereiro último, desaparecendo assim parte importante do line up clássico dos Devo que gravou as mais significativas entradas na sua influente discografia.

 

 

Devo em Portugal

«Confirma-se», escrevia-se no semanário Sete de 10 de Outubro de 1979, «os Devo (…) deslocam-se a Portugal na sua máxima força, mas não serão ouvidos a não ser em disco ou em entrevistas. Com efeito, a controversa formação norte-americana estará esta semana em Lisboa para apresentar a edição portuguesa do seu último registo, Duty Now For The Future, estando preparado um encontro coletivo com os jornalistas num dos hotéis da capital». A notícia do Sete adiantava ainda que o grupo só concederia duas entrevistas individuais: ao Rock Em Stock, programa de Luís Filipe Barros na Rádio Comercial, e ao Rotação de António Sérgio, na Renascença. Luís Filipe Barros recorda bem a ocasião: «o grupo apareceu lá na Sampaio e Pina todo fardado com aqueles fatos que pareciam de amianto. E depois quando saíram para a rua havia alguns milhares de pessoas à espera deles. Nunca tinha visto nada assim», recorda o radialista.

 

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