No seu novo álbum, acabado de editar, Phoenix RDC apresenta-se como o Último Rapper. Mais do que isso, ao longo de 13 faixas e de 45 minutos de música, colabora com os seus “ídolos” num disco marcado por participações.
Chullage, Regula, Sir Scratch, Valete, Carlão ou Tekilla são alguns dos rappers da “velha guarda” que o MC de Vialonga convocou para o álbum, além de rimar por cima de instrumentais de Sam The Kid ou Stereossauro. Mais novos como os Wet Bed Gang ou Nenny, entre outros, também figuram no alinhamento.
Phoenix RDC assume Último Rapper como o seu derradeiro álbum, encarando-o como um projecto que lhe permitiu concretizar as ambições musicais que lhe faltavam. A partir de agora, assegura, pretende continuar a lançar temas soltos e, claro, a dar concertos — até porque não pode “abandonar” a enorme legião de fãs que conquistou ao longo dos anos, que vibra e se identifica intensamente com a sua música. Em entrevista ao Rimas e Batidas, apresenta o novo álbum e reflecte sobre o seu momento artístico.
Porquê Último Rapper? É um statement?
Porque quando comecei e me apaixonei pelo rap, havia o General D, os Black Company, o Boss AC, o Valete, o Sam The Kid, o Regula, o NBC… Todos aqueles artistas que sempre fizeram rap. E, depois de mim, já não veio mais ninguém. Por isso intitulo-me como o “último rapper”. Claro que há artistas a fazer rap, mas digo com expressão, com público, a darem concertos.
E estás a falar de rap-rap, suponho, numa visão mais tradicional.
Rap, rap. Hoje em dia, existe muito trap. Às vezes as pessoas podem pensar: será que ele está a dizer que os outros que fizeram muito pela cultura não são rappers? Não. Eles são grandes rappers e muitos deles são meus ídolos. Mas eu fui o último com expressão. Ainda consigo estar em festivais com a geração mais nova. Sou pedido em faculdades, pelos promotores de eventos. O meu telefone ainda toca. É nesse sentido.
Tendo em conta o que estás a dizer, porque é que escolheste esse título para este álbum? Porque poderias tê-lo escolhido para outro disco, mais cedo. Houve algum motivo para o afirmares agora?
Porque desde que comecei a ter espaço na cultura, sempre tive aquela esperança que poderia existir mais algum rapper. Eu já estou nisto há 10 anos. Já canto há mais de 25, mas estou há 10 anos com mais oportunidades, mais profissional, e ainda não apareceu ninguém. Já não existe aquele amor que antigamente tínhamos, de querermos fazer pela arte e não agradar ao público para ter concertos. Não há mal nisso, mas para a cultura não é bom, e hoje vejo muitos artistas que querem ser famosos e só em último lugar é que querem ser artistas. E o verdadeiro rapper quer ser rapper, ter o melhor conteúdo, o melhor trocadilho, sempre com as palavras, porque o rap é falar. Quando oiço pessoas a dizerem “Phoenix, aquele artista é melhor do que tu”. Eu pergunto: “Porquê?” “Porque ele canta com notas”. Não, então não é rap. Temos que respeitar todos os espaços, mas rap é rap.
Mas obviamente também reconheces talento, qualidade, em pessoas mais novas, até porque também colaboras com esses artistas, não é? Até estão neste disco.
Claro, sempre. Não é isso que está em questão. Porque sempre existiram outros estilos musicais. Mas quando se fala de rap… Porque já me chegaram a dizer: “Olha, o Ivandro é um grande rapper”. Mas não é um rapper. É preto, mas não é rap. Às vezes dá aquela sensação de que, quando um preto abre a boca para fazer música, é porque é rap. Tudo é rap. E não é. Não pode estar nesse pacote. E os festivais, às vezes, quando querem rap, os verdadeiros rappers não vão porque eles dizem: “Já metemos um rapper, entrou aqui o Ivandro.” Entraram vários que estão a cantar e muito bem. Mas eu estou a falar de rap. Não estou a falar de rock. Não estou a falar de fado. Rap.
Mas mesmo nessa categoria não incluis, por exemplo, os Wet Bed Gang, mesmo que tenham outro tipo de sonoridade e abordagem…
Eu tenho que olhar para qual é a música do artista que teve sucesso. Se é uma música muito cantada, porque o público gosta disso e o artista diz “vou fazer com uma batida mais afro, aquela sonoridade mais akizombada que as pessoas consomem mais”. Então, já saíste dessa porta, desta mentalidade que estamos a falar, do rapper que fez rap do início ao fim e funcionou. Como agora o caso do King Bigs, ele veio com rap e funcionou, o público gosta e quem o consome gosta de rap. É um bom exemplo da nova geração de rap, nesse sentido.
Mas a maneira como olhas para as gerações que vieram depois de ti deixa-te desiludido quando perspectivas o futuro da cultura hip hop em Portugal? Por os artistas já fazerem outro tipo de som, não valorizarem tanto o skill lírico e a mensagem ou estarem menos ligados à essência do movimento?
Não, eles estão bem. Só que, como estão a cantar com notas, eles têm é que roubar o lugar do Rui Veloso, do Pedro Abrunhosa… E têm que continuar a fazer o que fazem, só que não estão no rap. Porque o trap muda tudo, o BPM é mais acelerado. Não estou a dizer que eles estão mal, quem sou eu? Eles estão a fazer música, estão a fazer pop.
Só não queres juntar as coisas no mesmo campeonato.
Não podem agarrar noutro estilo musical e metê-lo no rap, como se estivesse a tirar o lugar a algo que já existe. Não faz sentido. Eles estão a fazer tudo bem, só que tem de ter outro nome.
Mas não sentes falta, tendo em conta o que estás a dizer, de rappers mais jovens que façam esse rap-rap, no teu entender?
Não, não sinto. Fico eu e os artistas que ainda… os meus ídolos ainda não morreram. Não estão tão activos porque há esta confusão, estão a querer pôr no lugar do rap outros estilos musicais. Mas quando um festival quer meter hip hop ou rap, tem o Sam The Kid, o Valete, o Sir Scratch, o Tekilla, o Chullage, o Regula… Se dissesse que queria que viessem mais, estaria a desvalorizar o que já temos.
Já tens uma discografia longa, com bastantes projectos. Qual foi o ponto de partida para este álbum em específico, que inclui imensos convidados?
Quando eu entrei no rap, era o Lil Phoenix. Depois fiquei Phoenix RDC, de Renascimento das Cinzas. Hoje, sou o cota Phoenix. Os putos chamam-me assim. E com este projecto vim mostrar que não existe idade para fazer arte. E por isso é que trouxe estes ditos cotas, que é para os ouvintes terem um bom som no carro, uma sonoridade mais actual, feita por pessoal nascido nos anos 70 ou 80. Não precisam de ir buscar sons de há 20 anos, ainda se faz. Inovar é essencial, mas para isso não precisamos de destruir. Podem chegar e inovar, mas o original existe sempre. Porque é que o rap agora tem de ter outro BPM e ser diferente? Não, o original também pode existir.
É importante o rap ter essa base?
É como a roupa. Existem calças à boca de sino, skinny jeans, normais, há de tudo. Quem quiser, pode consumir isto, quem não quiser não é obrigado. Porque já ouvi dizerem que o rap antigo parou no tempo. Não, não parou no tempo, ele está mesmo bem. As pessoas é que gostam de outra coisa e querem que fique tudo azul. Mas nem tudo tem de ser azul. Tem de haver todas as cores: azul, amarelo, laranja… Por isso é que bato palmas aos novos que vieram, mas não vieram substituir nada. Vieram fazer o que estão a fazer e bem. E não tem que se comparar Fórmula 1 com WRC.
Como é que foi o processo criativo num disco destes? Foste recolhendo beats e convidando as pessoas que achavas que faziam sentido para encaixarem em cada instrumental?
Não, este álbum foi mais ao contrário, pensei primeiro na velha guarda que queria trazer para o projecto. É um álbum meu com os meus ídolos. Só tem nomes de peso, pilares que carregaram sempre a cultura. E depois foi muito fácil, como são meus ídolos, já bebi da sonoridade deles. Então, sempre que consultava um produtor, pedia para me mostrarem beats e via: “Olha, este aqui tem a cara do Regula, este tem a cara do Chullage.” E foi basicamente isso.
E já tinhas escrito a tua parte dos versos ou construíram juntos em estúdio, percebendo os temas que queriam abordar?
Foi construído em conjunto, gravámos juntos, fomos a estúdio, estivemos a escrever e fizemos acontecer. Foi muito fácil e prático, foi dos projectos mais rápidos de serem feitos. Só a mistura e masterização é que demorou mais tempo, acabei a misturar no Brasil e em Moçambique. Agora, ao trabalhar com pessoas adultas, maduras… A idade conta muito, já não estão com aquele doce de “não vou atender o telefone porque não posso ser fácil”. As crianças ainda fazem muito isso. Acontece muito em Portugal. O artista está no auge e não atende o telefone, não fala com ninguém. Mas basta descer, e todos vão descer, para ficar todo simpático. Mas aí já mostraste que és arrogante, que não vales nada.
Como descreveste, é um disco teu com os teus ídolos. Com alguns deles já tinhas trabalhado, com outros não. Também havia esse objectivo de quereres colaborar com estas pessoas até ao fim da tua carreira, e de agora ser o momento certo para isso? Foi também nesse sentido de cumprir objectivos?
Também foi, também foi. Eu já posso morrer, já concluí todos os meus objectivos. Estou e vou estar grato para sempre, porque nunca pensei trabalhar com o Boss AC, com o Sam The Kid, o Valete, Chullage, Sir Scratch, Tekilla, Carlão… Eram pessoas que eu via de longe, que eu ouvia na rádio, e foi o maior elogio porque ninguém quer trabalhar com uma pessoa que não vale nada. Só o facto de eles aceitarem a minha colaboração diz muito. Eu já venci na vida. Isto é que me dá felicidade. Não é o dinheiro. O dinheiro facilita comprar qualquer coisa, mas não me dá gosto. A felicidade mesmo vem destas coisas. Podes ter dinheiro, um grande carro, chegares à frente da discoteca e a pessoa vem pelo teu dinheiro. Mas o que dá gosto é ela vir com “este gajo não tem nada para me dar, mas eu quero-o a ele”. Isso é que dá prazer na vida. As facilidades são para as pessoas que não querem ir à luta. Prefiro dar a volta ao circuito do que arranjar um atalho. Porque os altos e baixos daquela volta vão-me fazer crescer. Então, já venci na vida. E não quero cunhas, foi o talento que me fez conectar com outros artistas. Já há muito tempo, há uns 15 anos, eu estava no casino, na minha, e o Sam viu-me: “Meu Phoenix”. E eu não o conhecia. “Tenho acompanhado a tua cena, sabes? O que é que precisas?” E eu fiquei: “O Sam ouviu a minha cena, ele sabe que eu existo.” E aí apercebi-me de que, quando um gajo trabalha e faz as coisas bem feitas… Porque já ouvi muita gente preguiçosa a dizer que é difícil. Mas não é, seja em qualquer área. Se estiveres a servir cafés, ou a fazer entrevistas, se fores fraco não vais a lado nenhum.
É uma questão de mentalidade?
É uma questão de aprender a gostar e pesquisar, querer aprender mais sobre aquilo que fazemos. Porque as pessoas só valorizam aquilo que não têm. E têm que começar a valorizar aquilo que têm. Enquanto não tens a outra coisa que queres, valoriza o que tens.
E essa valorização também é a chave do sucesso e da vitória?
É, e o trabalho. As pessoas ficam parvas e dizem que eu tenho muitos álbuns. E dizem-no como se eu estivesse a sofrer… Não, eu acordo todos os dias, ligo o PC e tento criar. E quando não o faço, o meu dia parece que não começou. Porque é algo que me faz falta, da mesma forma que bebo água e que como. Aquilo dá-me gozo. Eu vou cantar até morrer, mas este é o meu último álbum. Nunca mais vou lançar nenhum.
Porquê?
Quero desfrutar dos meus filhos, quero passear. Já não posso ser tão egoísta quando tenho uma família. Então, em vez de me dedicar a 20 ou a 16 faixas de um álbum, com o pouco tempo que tenho vou-me dedicar a uma só música. E já vou conseguir ter mais tempo para passear no fim-de-semana, para ver os jogos dos meus filhos, porque… eu já venci. Eu sou a pessoa mais feliz deste mundo. No passado, pensava “ah, não consegui arranjar este trabalho, não consegui isto e aquilo”. Hoje, cá de cima, digo que a vida sempre foi fácil para mim.
As portas foram-se abrindo?
Eu entrei por todas as janelas. Tinha aquela mentalidade de “não dar”, mas não, a mim sempre tudo deu. Tudo na vida é mesmo possível. E acho que isto é fácil porque os concorrentes são preguiçosos e fracos. Então temos que aproveitar, porque 90% dos humanos acham que tudo vai dar errado. Nós só temos que aceitar. Se o teu colega está a comer um Bollycao, vais mesmo comer aveia ou uma maçã. Esquece o leite com chocolate, vais beber água. Mas, ya, vou chorar porque na minha infância não tive nada. Não, tiveste. Eu digo aos meus filhos a brincar: “A pobreza salvou-me.” Hoje vejo miúdos com diabetes, que todos os dias compravam gomas. A pobreza salvou-me. Se não houver carne, serei vegan, está tudo bem. Tudo tem solução. Se um dia eu estiver debaixo da ponte, toda a gente vai dizer que sou o mendigo mais feliz. Porque vou mesmo adaptar-me a todas as circunstâncias da vida.
Mas qual é o plano? Continuar a lançar músicas e a actuar, porque também é preciso?
Actuar forever, não por ser preciso.
É porque gostas mesmo.
Porque eu canto para a minha plateia. Pessoas que têm tatuagens minhas, que me dizem que mudei a vida delas, como é que não vou cantar para essas pessoas que saem de casa em dias de chuva torrencial e estão lá? Não vou cantar porque só estão 10 pessoas à frente? Não, é a mesma coisa que cantar para 20 mil. São 10 pessoas que me amam como se fôssemos família, que saíram de casa, pagaram o transporte, compraram o bilhete com o dinheiro deles… Vão receber o mesmo concerto. E quem não gosta de mim, mais vale nem aparecer, nem quero uma plateia cheia. Claro que para o organizador do evento é importante e, se fizer depois uma sondagem, vai ver que a casa não encheu e não me vai voltar a chamar. Mas está tudo bem, ainda existe o McDonald’s e ainda existem ruas para varrer. Vou ser bué feliz.
E não vais ter saudades de fazer um álbum?
Não, porque é a mesma coisa. No fundo, é como se fosse um álbum faseado. E vou tratar esse meu filho com mais amor. Se tens 10 filhos, não vais conseguir dar o mesmo amor a cada um como se tivesses só um filho. Porque são muitos, já não vais conseguir comprar a bicicleta, se calhar vais comprar um chupa-chupa a cada. Aqui, tudo vai estar canalizado para uma só faixa de cada vez: as punchlines, os trocadilhos… Por isso, será sempre uma música rica.
Estás satisfeito com a tua discografia, mas sentes que ainda te falta abordar temas em concreto?
Eu não posso abandonar quem precisa da minha ajuda. E se eu sou o conselheiro, se mudo vidas e transformo pessoas… Eu vou continuar a fazê-lo. Porque o coração dos ouvintes ainda bate por mim. E dá-me gozo mesmo. Gostaste desta, então toma lá esta. No “Última Noite”, digo que “condeno Deus porque ele roubou-me a mãe”. E há pessoas que tatuam em relação ao avô ou ao filho.
Identificam-se e adaptam à sua vida.
Adaptam, e são portugueses, cabo-verdianos, guineenses, chineses… Estes são a minha família. Vou respeitar estes fãs para o resto da minha vida. Este álbum ainda não saiu [a entrevista foi feita no dia antes do lançamento, a 16 de Outubro] e tenho sido o artista com mais pre-saves nos últimos tempos.
Como disseste há bocado, quando referiste os teus 10 anos de carreira mais profissionalizada, e não desmerecendo o percurso anterior, mas deve ser um desafio extra alcançar estes palcos grandes e conseguir essa maior relevância e amplitude numa idade mais madura. No teu caso, não foi um impedimento para teres um público jovem.
Sim, tenho muitos miúdos a ouvir-me. Se te mostrar o meu gráfico no Spotify, sou mais ouvido dos 25 aos 34 anos, e também sou muito ouvido entre os 18 e os 24. Antes dos 18 estão ainda numa fase de música plástica, mas depois entram para a faculdade e atingem alguma maturidade, começam a ouvir temas como o “Dureza” ou o “Última Noite”. Eu tenho temas que transformam as pessoas, que as fazem chorar, que falam de sentimentos. Nesta área sou o melhor. Nos meus concertos, as pessoas choram, dos 18 aos 65 anos. Tenho quase 30% de ouvintes femininas, eu não esperava ter tantas mulheres no meu concerto. E estou nas maiores playlists, a crescer nas plataformas.
Como é que se explica este sucesso nesta fase?
O meu produto é bem feito, é bonito. Olha a mensagem que escrevi no “Última Noite” para a minha mãe: “Sempre disseste larga o business, jovem / Mas eu era puto e os putos não ouvem / Tava numa fase que só causava desordem / E só lidava com gente que os bófias se envolvem / Faltava à escola e queria ser gangster for life / As minhas aulas era com castanho e com white / Fumava ganzas, com outros bairros era só fight / Tava numas andanças / Que facilmente qualquer um cai”. Quem é que não se vai identificar com isto? O produto está bem feito. E tem ficado melhor naturalmente. Eu acredito muito na regra das 10.000 horas para seres verdadeiramente bom nalguma coisa. É trabalho.