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Fotografia: André Delhaye
Publicado a: 16/07/2025

Num trio de possibilidades criativas.

Peter Evans “Extra” no Jazz no Parque’25: no meio do extremo

Fotografia: André Delhaye
Publicado a: 16/07/2025

No fecho da 34ª edição do Jazz no Parque em Serralves serviu-se uma música que, ao ser tocada, define novos campos da existência e pede definição. Uma edição mais do festival indispensável nas linguagens mais criativas da vanguarda do jazz. Como nas três edições anteriores, volta a ser imprescindível a curadoria para a programação do saxofonista e improvisador Rodrigo Amado. Este ano de 2025, houve novamente palco nos dois primeiros fins-de-semana de Julho, entre o Auditório do Museu e o campo de ténis do Parque de Serralves, para sete concertos como mostra de vitalidade e diversidade da linguagem musical que melhor se define pelo esbater dos limites e compartimentos estanques. Num dos mais desafiantes exemplos da presente edição apresentou-se o trio que junta o trompetista Peter Evans ao baixista Petter Eldh e ao baterista Jim Black

Como Extra, Evans, Eldh e Black editaram pela finlandesa We Jazz Records em 2024 um álbum que aponta para um lugar inexistente. Serão até esses os desígnios da música que sobretudo Evans e Eldh vão inscrevendo como mentes inquietas e criativas. Se a Evans se reconhecem muitas facetas inovadoras, citando-se a exemplo as formações Being & Becoming com Joel Ross, Nick Jozwiak e Tyshawn Sorey ou o trio Pulverize the Sound com Tim Dahl e Mike Pride; a Eldh devem ser postos em igual destaque a recente formação ØKSE com Savannah Harris, Mette Rasmussen e Val Jeanty ou a nova vida de Koma Saxo como Post Koma, onde constam as colaborações de músicos escandinavos como Sofia Jernberg, Jonas Kullhammar, Otis Sandsjö, Mikko Innanen, Maciej Obara e Christian Lillinger. E se nisto se apontam para novos rumos das possibilidades mais emergentes no que se pode e deve continuar a chamar de jazz, é pura realidade. Black é uma presença habitual e até bem anterior na música entre os três — como em Azul de Carlos Bica, neste ano a celebrar 30 anos de existência; mas talvez seja em AlasNoAxis, conjuntamente com Chris Speed, Hilmar Jensson e Skúli Sverrisso, que o seu sentido autoral se espelhou como nunca.

Extra é desde logo uma designação bem alcançada, tem força no nome, de raíz que abre para a quantidade de palavras, tais como “extraordinário” ou até mesmo “extravagante”, como descritores. Trata-se de uma música imaginada por Evans, mas de pronto se entende como impraticável sem Eldh e até Black. Talvez seja mais em Eldh que se encontram fundações do tempo e do ritmo que propiciam a aparente amálgama sonora que surge inscrita neste Extra de Evans. O concerto começa por desenhar uma atmosfera de ecos permanentes de trompete, traz a referência ao grafismo que Matti Nives usou na capa do álbum sobre uma fotografia de Evans, em estúdio, no disparo oportuno de Inês Mineiro Abreu. É esse eco, essa reverberação até mais por conta duma tripla força criativa que acontece. Evans tem, como ainda recentemente se descreveu ao dispor de Ambrose Akinmusire, dois pontos de captação: uma via directa e outra com efeitos. Ambas plenamente utilizadas concerto adiante, que se implanta em suite, sem pausas ou momentos desligados.

Eldh emprega desde início o baixo eléctrico, mantendo o contrabaixo aos seus pés. Faz-se ambivalente, entre as cordas e os dispositivos de manipulação de sons pré-gravados com as MPC. Se nos disparos é solar e airoso, nos tons graves do tempo torna-se denso e soturno. Dessa faceta dupla serve-se uma mestiçagem sonora que permite imaginar uma dança impossível de levar a efeito. E os ritmos sugeridos por Black enfatizam mais essa ideia, assumem-se numa paleta permanente de possibilidades. Momento há em que seria desejável permanecer por mais tempo num modo, aguentar a esteira e perdurar num só. Contudo, o constante caldeirar de ideias nem permite ganhar consciência do que poderá efectivamente trazer mais ascensão ao conjunto. Um contraponto exploratório face ao registo deixado em disco. Aqui, no palco, serve-se experimentação sobre o processo criativo, como uma bancada de ferramentas operando sem ter em vista um esboço prévio.

A meio, Eldh ocupa-se do contrabaixo e traz um sentido orgânico ao todo. Evans demonstra-se mais melódico e menos textural, e Black devolve mais estabilidade nas sincopes que permitem fluir sem tantos redemoinhos. Aqui não há temas predefinidos, mas soa perto duma visão revelada, conjugando “Freaks” e “In See” do álbum. Por momentos, a música permite sorver as ramagens e copas das frondosas árvores. Para, em seguida e até final, se voltar ao campo de batalha sonora — expressão empregue no melhor dos sentidos. Evans decompõe, toca sem bocal, vocifera em sopros, torna o seu sopro contundente. Eldh contrapõe em linha de baixo, desde onde surgem mais abusivas texturas. Quando Black prescinde das baquetas e opera as electrónicas contidas num ecrã, fica-se ao sabor do devaneio electroacústico, onde cabe a Evans fazer a ligação ao espaço sonoro visível até ao boom final. 

Vendo de perto esta música a ter lugar, fica-se até mais distante da concreta existência — surge em paradoxo. Extra, como álbum, ouve-se em modo comensurável, ao passo que, em palco, permite-se a certa altura remeter para o meio do extremo — ser descomunal. Escutou-se em grande medida como um extra dentro de Extra.


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