Pontos-de-Vista

Gonçalo Oliveira

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Não vale tudo contra a liberdade de expressão.

Perigosos por pensar

Há um novo inimigo à espreita. Quando pensávamos ter já visto tudo em 2020, a notícia do encarceramento de Pablo Hasél, na manhã da passada terça-feira, trouxe à tona um problema que necessita de uma urgente reflexão.

Rapper e activista, Pablo Rivadulla Durón nasceu no ano de 1988 em Lérida, na Catalunha. Na última década, o seu nome tem vindo a ser alvo de várias acusações por parte do governo espanhol, que aponta para os conteúdos não só das suas letras mas também dos seus tweets como ferramentas para injuriar a monarquia e glorificar actos de terrorismo.

Não o vemos nas grandes montras do Spotify ou da Apple Music mas conta com dezenas de projectos editados. Pablo Hasél, o nome que adopta no hip hop, é um MC da esfera underground à antiga, que ainda passa as suas compilações de temas de mão em mão — ou de link em link — e que não está propriamente a olhar para a carreira de músico como a sua principal fonte de rendimento. O seu único propósito parece ser o de tentar que questionemos algumas das coisas que se passam à nossa volta ao invés de assobiarmos para o lado. Artista assumidamente político, com uma enorme carga de protesto, as suas letras pouco mais são do que ecos das manchetes e notícias de rodapé que vamos vendo a passar nos telejornais em horário nobre.



O título desta peça é a frase que dá o arranque a “Peligro”, uma das suas canções mais recentes e que está incluída em ¡HAY QUE PARARLOS!, um projecto que saiu dias antes da sua detenção e que aponta à frágil situação democrática do seu país, que está neste momento em pleno confronto com a liberdade de expressão. E será assim tão perigoso pensar, fomentar o debate e apontar o dedo ao que se passa de errado? Que o rap é uma arma? É sim. Mas vá lá, todos sabemos que é no sentido figurativo…

Como seria se tivessem silenciado Grandmaster Flash após “The Message”? E se as carreiras de todos os N.W.A. não sobrevivessem ao pós-“Fuck The Police”? E se Valete se tornasse num alvo prioritário do FBI quando fez soar o “Fim da Ditadura”? Merece Mike El Nite ser punido na Alemanha por achar que Angela Merkel anda “a dar times” com notas que não são suas? Um pouco mais de seriedade, por favor.

Aquilo que Pablo Hasél escreve não é muito diferente do que nós, jornalistas, muitas vezes fazemos. É constatar factos mas através da música. Numa entrevista que deu dias antes de ser detido pela polícia, o músico e activista falou sobre esta longa caça ao homem que é também um atentado ao direito da liberdade de expressão, da qual retirámos alguns excertos que ajudam a pintar este triste quadro:

“Isto não são delitos de opinião. Eu, se fui condenado à prisão, especialmente esta última condenação, foi por falar sobre factos objectivos e amplamente provados. Já nem é só sobre o tema da monarquia. É, por exemplo, o tema dos assassinatos por parte da polícia, como o de Iñigo Cabacas, em El Tarajal. São as torturas que eu denunciei, em que até o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou o estado espanhol por isso. Eu não estou a opinar. Eu estou a relatar uma realidade. Eu coloco este exemplo, do que se passou durante a Inquisição: antes queimava-te por negares que a Terra é plana e agora prendem-te por contares o que a polícia ou a monarquia estão a fazer ou aquilo que se passa nas prisões.”

“O estado espanhol é muito vingativo. Tenho vindo a levar golpes de todo o tipo nos últimos dez anos. Não apenas com condenações de prisão, porque a repressão vai muito para alem disso. São muitos anos embargado. Eu não posso sequer ter uma conta no banco por devo milhares e milhares de euros em multas, não só por pelas músicas que faço mas também por outro tipo de lutas. Tenho uma grande dificuldade em encontrar outro trabalho à parte do meio artístico por ser conhecido pelo que sou. As pessoas metem o meu nome no Google e, claro, aparece o que aparece e as empresas não têm interesse em contratar-me. E ainda sofro de assédios policiais de todo o tipo, não só eu mas também aqueles que se encontram à minha volta.”

“Mesmo com toda essa pressão, não me conseguiram fazer quebrar. E é isso que os deixa ainda mais irritados. ‘Atacámos-te de todos os lados e ainda não te conseguimos subjugar, então vamos mandar prender-te.’ Mas eu creio que, a esta altura, eles já sabem do facto de que, se me prenderem, eu não vou vacilar. Quanto muito dão-me um castigo ainda maior e que sirva, por um lado, para assustar os outros, mas também para me foderem.”

Em Portugal, nas últimas horas, a Plataforma Liberdade Pablo Hasél tem vindo a ganhar força e lançou uma petição que pede a libertação imediata do rapper e reclama pela ajuda do governo português. Entre os quase 3000 assinantes encontram-se nomes como Capicua, Tristany, Keso, Valete, Vhils, Maze, Xinobi, Rastronaut ou Marta Ren. Não é esta a Europa que queremos e não podemos compactuar com quem quer governar através da opressão.


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