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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/10/2025

Uma identidade própria com mais de uma década de história em Braga.

Pedro Santos: “Pensamos o Semibreve como um guia de quatro dias para uma fruição artística muito particular”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/10/2025

O Semibreve – Festival de Música Electrónica e Arte Digital prepara-se para o arranque da sua 15ª edição, marca de maturidade clara que traduz também o sucesso de um evento com cada vez maior ressonância internacional. O Rimas e Batidas deu a palavra a Pedro Santos, programador que assumiu funções na edição de 2024 e que agora pensa já o futuro de um festival que conseguiu, ao longo desta década e meia, afirmar uma identidade muito particular.

Será já na próxima quinta-feira, dia 23 de Outubro, que o Semibreve arrancará com um alinhamento diverso que além de música inclui conversas, instalações, sessões de cinema. O programa completo pode ser consultado no site oficial do festival e descarregado no formato de PDF.



Comecemos por uma questão de identidade: quando apresentas o festival a um novo parceiro, agência ou artista, como é que o descreves? O que é o Semibreve?

Do nosso lado, o seu título diz muito, ou até quase tudo: festival de música electrónica e artes digitais. Talvez seja a apresentação mais tradicional e rápida, a gaveta mais ampla onde percebemos imediatamente do que falamos. O resto da descrição é mais demorada e exemplificativa, e tenta explicar como funciona, o seu formato, o ritmo da programação, como é feito para que todos possam ver tudo o que acontece, a beleza dos locais onde acontecem os concertos, a facilidade com que nos deslocamos a pé entre os locais, entre outras coisas. Mesmo olhando de dentro, há uma lista de argumentos e qualidades muito fortes que sentimos quando pensamos no Semibreve. Muito é herdado do retorno que temos do público ao longo de 14 anos, mas igualmente dos tais parceiros, agentes ou artistas. A identidade do festival acaba por construída pela experiência das pessoas que o vivem de perto e muitas vezes somos generosos na sua descrição porque essa generosidade chega-nos do público e artistas.

A edição de 2025 do Semibreve (23 a 26 de Outubro) apresenta um programa diversificado que inclui performances audiovisuais, instalações, clubes e workshops, distribuídos por espaços como o Theatro Circo e o gnration. Que ideia curatorial orientou esta seleção tão abrangente de formatos?

Essa diversificação programática segue o formato que o Semibreve tem desenvolvendo ao longo dos anos. Os concertos são sempre o principal ingrediente destes dias, e a principal razão para o nosso público aparecer, mas desde há muito que quisemos preencher estes dias com outras propostas que enriquecem a oferta do festival. E o mais interessante é criar novos caminhos, novas propostas, novas vozes, paralelos ao programa de concertos, olhando para a realidade de outra forma: através de temas de conversas, de filmes ou instalações, da partilha de experiências com artistas em workshops e masterclasses. E como qualquer conjunto de peças que pertencem a um conjunto, procura-se uma harmonia quando se olha para o todo. Afinal, estamos sempre à espera que o público siga todas as nossas sugestões, e pensamos o Semibreve todos os anos como um guia de quatro dias para uma fruição artística muito particular.

O Semibreve tem-se afirmado como um festival que procura ser ao mesmo tempo desafiante e acessível, conjugando a vanguarda da música electrónica com uma forte ligação à comunidade. Como equilibras essa ambição de experimentação com a possibilidade de atrair e formar novos públicos?

Apesar da tal grande gaveta que falava ser a da música electrónica e das artes digitais, dentro dela há um sem-número de separações, pequenas caixas-surpresa, divisões secretas. Há nisto tudo um universo de música, géneros e sub-géneros, tendências, histórias, história. Seríamos incapazes de não querer ouvir e olhar para tudo, e de querer partilhar tanta coisa. Facilmente se percebe pela história das quinze edições do Semibreve que a arte electrónica escreve-se com nomes e géneros musicais imensamente distantes uns dos outros. Uns mais imediatos, outros mais misteriosos; propostas que parecem encaixar facilmente na noção de beleza que temos, mas também algumas que parecem ásperas à superfície. Qualquer novo visitante verá que existe essa curiosidade do público pelo desconhecido, aceitando com interesse e sentido crítico o que está em palco, e isso, diríamos, é a mais gratificante dádiva que temos. E, por isso, o estímulo para continuar a querer ser amplo, diverso e rico.

O cartaz de 2025 junta nomes consagrados, como µ-Ziq, a artistas emergentes e mais experimentais. Como decides essa combinação entre figuras de referência e novas vozes?

Talvez já tenha respondido um pouco a esta questão. Tudo faz parte da música: os consagrados e a sua história com os novos nomes. Tudo faz parte dessa linha contínua. Aliás, tem sido muito interessante ver como, muitas vezes, esses encontros se dão no próprio festival, com o deslumbramento de novos artistas ao partilharem o cartaz e o tempo fora do palco com as algumas das referências históricas que têm. E também devo dizer que o inverso acontece, quando artistas mais velhos gostam dos autores de novas linguagens. Essa conversa e admiração bi-direcional é fantástica. É nesse preciso momento em que se percebe que tudo faz parte do mesmo. Não existe concretamente um plano de mistura no programa para que exista um equilíbrio. De certo modo, é uma intuição ir avançando por múltiplos percursos e hipóteses. E depois há bonitos “acidentes”, quando uma das propostas é, justamente, o encontro entre a Suzanne Ciani e Actress: duas gerações de tempos muitos diferentes a dialogarem entre si. O que se pretende destes encontros é justamente o vislumbre de novas ideias.

A relação com a cidade é central no festival, que utiliza espaços emblemáticos e não convencionais de Braga, incluindo capelas e edifícios patrimoniais. De que forma sentes que estes lugares moldam a experiência do público e dos artistas?

O papel da cidade de Braga é absolutamente fundamental. E esta seria uma resposta muito demorada, porque teríamos de olhar para o ano zero do festival, para o panorama da cidade, da região e até do país. Avançando 15 edições e é claro para o público, e para a equipa do festival, a importância da cidade na vida do Semibreve. A arquitectura, as pessoas, as ruas, o seu centro, a sua dimensão, a sua história, e até a sua dinâmica turística ou o modo como o Outono se começa a instalar. O festival não acontece numa redoma ou laboratório: Braga representa a comunidade que o sustenta. Há, claro, um impacto muito grande do belíssimo Theatro Circo nos nossos espectáculos, mas os tais locais exteriores são tão ou mais importantes porque se ligam com a cidade. Algumas das igrejas sempre tiveram música nestes séculos todos, e o Semibreve perpetua essa ligação afectiva. Não porque são apenas espaços de comunidade e de escuta, mas porque o culto religioso é indissociável de Braga, e o Semibreve quer pertencer o mais possível à sua cidade. Depois, diferentes espaços informam as experiências de modo diferente, e também por isso interessa-nos ampliar a riqueza das apresentações. Esse debate é muito interessante e intenso entre nós, porque são todos espaços com um carácter muito forte, que mudam completamente a nossa fruição de um concerto. Para quem conhece bem o festival, basta imaginar como seria tudo diferente se se escolhessem salas diferentes para os mesmos espectáculos. É um exercício mental interessante. Portanto, diríamos que, a cada ano, o Semibreve que vemos é uma das suas múltiplas permutações, e o que fazemos é tentar escolher a melhor.

Pensando no futuro próximo: como gostarias de ver crescer o Semibreve?

É uma óptima pergunta porque também aqui precisaria de uma longa resposta. É um tópico de discussão muito valioso — mais ainda nos dias de hoje. O sucesso empurra-nos sempre para a concretização de um qualquer crescimento. Mas nem sempre isso é interessante ou sequer mensurável. O crescimento, possivelmente, está a dar-se todos os anos ao fazermos melhor algumas coisas. Está a dar-se nos bastidores, ao estarmos em rede com outros festivais e instituições da Europa — o Semibreve está, neste momento, em duas redes cooperantes: Re-Imagine Europe e TIMES —, o que nos ajuda a aprender e também a partilhar conhecimento e experiências. Sejam parceiros maiores ou menores, à mesa somos todos iguais, com as mesmas dúvidas e as mesmas certezas. A escala das propostas pouco interessa. Um dos projectos do ano passado que apresentámos — Chris Watson com Izabela Dłużyk — fizemo-lo com o Sónar, Berlin Atonal e Unsound, e em teoria talvez esteja bem mais próximo da nossa escala do que qualquer um deles. Crescer, neste caso em concreto, teve mais a ver com a possibilidade de pensar bem num projecto e dar-lhe as condições necessárias para ser bem executado — e, já agora, podemos ver um documentário desta colaboração durante o festival, na zet gallery. E uma das coisas mais certas deste mundo é que todos gostaríamos de ter mais meios: isto é tão válido para o mais pequeno dos festivais, como para o maior. Não fugimos a isso, claro, mas não creio que estejamos a falar em escala, porque tal como referi, o Semibreve é um festival em Braga, de Braga, e esse contexto é determinante para tudo. Se queremos pertencer, se queremos que as pessoas pertençam, temos de compreender o local onde estamos.


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