Está de novo baseado no Porto, Pedro Ricardo, jovem talento que inspirou chavões como “segredo bem guardado” quando lançou Soprem Bons Ventos na britânica Soundway, em 2023. Agora, a música que criou num laptop e em modo solitário merece expansão orgânica nas mãos de um trio em que Ricardo assume guitarra acústica e baixo eléctrico (bem como processamento de efeitos e um controlador digital com que esculpe algumas batidas e sequências) e se faz acompanhar por Pablo Rizo, nos teclados, e Marco Duarte, na bateria, dois amigos com quem se cruzou quando ainda andava a descobrir o mundo.
Bem, na verdade, escutando a música que os três apresentaram no passado domingo, 22 de Setembro, em mais uma jornada da edição de 2024 do sempre interessante Festival Jazz ao Centro, que se espalha pela cidade de Coimbra, pode dizer-se que Pedro Ricardo continua profundamente embrenhado nessa missão de descoberta. Interessa-lhe, por exemplo, o que se pode descobrir de novo na repetição. É interessante que o seu trio retenha, em tempo real, algum do carácter circular da música que criou originalmente de forma electrónica. A ideia de loop sustenta quase sempre o arranque das suas peças, antes da abordagem em espiral conduzir a crescendos mais libertários onde cada um dos músicos se pode espraiar.
Pablo Rizo é um teclista mais do que competente, com um sentido rítmico muito interessante e uma capacidade de colorir o espaço harmónico bem pronunciada, percebedo-se que tem os ouvidos bem oleados pela produção contemporânea. Marco Duarte, por outro lado, é um baterista que entende que o groove requer minúcia e precisão, que não teme a insistência em padrões que nos fazem abanar a cabeça, mas que também é perfeitamente capaz de se abstrair quando a oportunidade se apresenta. Claro que é ele a base granítica sobre a qual todo o edifício musical depois assenta. E Pedro Ricardo é a cola que une aqueles dois elementos: da sua guitarra acústica nascem figuras simples, mas de grande beleza melódica, modos inspirados na folk universal, mas também em temas populares que podem ser da tradição portuguesa. Mas é no baixo eléctrico que mais se solta, sempre em perfeita simbiose com o companheiro da bateria, deixando ampla base para que os teclados de Rizo descolem, ora em modo Rhodes, ora em modo Hammond ou Moog, mas sempre com pertinente classe e ácido carácter lúdico.
O concerto aconteceu no espaço do Parque Verde e a temperatura outonal, menos compatível com as vestimentas veraneantes, exigiu alguma paciência e dedicação ao público, mas o som que vinha do palco, bem quente, ajudou a manter focada a atenção das muitas dezenas que ali se deslocaram. Veio do frio, este groove, e parece ter trazido consigo essa frescura. É tempo dele. Nada que não se resolva com um bom casaco.