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Fotografia: Pedro Jafuno
Publicado a: 28/11/2019

Estreia Rimas e Batidas.

Peak Bleak: “Queríamos que este encontro soasse a muito mais que a soma das duas partes”

Fotografia: Pedro Jafuno
Publicado a: 28/11/2019
Aires e Sal Grosso, os dois produtores à frente do Colectivo Casa Amarela e da Combustão Lenta Records, respectivamente, criaram um novo projecto colaborativo, Peak Bleak, resultado de uma amizade que acabou por levá-los até ao Desterro, isto depois de várias colaborações e residências, além do gosto conjunto pela música ambient, por drones e pela exploração do som e das suas possibilidades. A sonoridade fria e etérea constante de Peak Bleak vai de encontro a uma estética kosmische experimental e mais ambiental, com momentos mais serenos e enevoados e outros mais dissonantes ou ruidosos. Numa tentativa de aliar os gostos em comum através do vaporwave e pelo trap – sem sucesso –, a dupla traz uma profunda e modernizada abordagem ambient da influente música exploratória alemã da década de 1970 – e aí conseguiram-no com nota bastante positiva. “O kosmische que 2019 merece”, como se pode ler no press release do lançamento. Com gravações feitas ao longo de três dias, Peak Bleak ainda tem matéria prima para mais EPs, por isso esperam-se novidades para o princípio de 2020. Para breve, há que registar a apresentação ao vivo do EP no dia 6 de Dezembro na 13ª sessão do Zigur nas Damas

Como se deu a ligação para a criação deste projecto?

[Aires] A “semente” para esta colaboração já estava plantada há muito tempo, desde uma residência no festival Museum Festum, em Agosto de 2017. O António alargou o alinhamento de veabis&tubbhead para a presença neste festival e tive a sorte de ser convidado. A residência consistiu em passar horas e horas a tocar num sotão pequeno e febril, foi mesmo o que precisávamos para ganhar confiança uns com os outros. Estava habituado a ensaiar em casa de phones e laptop e estar ali a tocar horas a fio com o pessoal foi uma aprendizagem brutal. A residência correu muito bem, já éramos amigos e ficamos ainda mais próximos, criámos uma cumplicidade muito forte e a conversa de colaborarmos num novo projecto foi surgindo regularmente.

Este projecto foi gravado no Desterro em Julho. O que está por trás deste disco? Foi tudo improvisado ou já iam com ideias pensadas para este trabalho?

[Sal Grosso] Diria que a maior motivação para fazer este disco foi a amizade que há entre mim e o Aires. Apesar de trocarmos e-mails há anos, o clique só aconteceu quando o Aires participou numa noite de Combustão Lenta no Desterro. Apercebemo-nos que havia muitos pontos de ligação entre nós, não só na forma como (ou)víamos e fazíamos música, mas também na forma de estar. A partir daí a coisa aconteceu naturalmente e acabámos por tocar juntos pela primeira algures em 2018 na Pequena Notável. Esse concerto correu bem e, ainda que tivesse demorado o seu tempo, acabou por servir de mote para nos juntarmos no Desterro durante três dias para gravar ininterruptamente. Não tínhamos nada propriamente pensado e levámos instrumentos que nem foram utilizados – mas talvez por ter sido tudo improvisado, as sessões foram todas muito naturais e conseguimos criar algumas horas de material sem grande esforço.

Quão fácil foi definir os papéis que cada um desempenhava neste projecto? 

[Aires] Boa pergunta. Foi fácil no sentido em que não foi muito calculado. As gravações são sessões de 40, 50 minutos cada, e o nosso papel em cada uma não é fixo. Muitas vezes começo nos drones e vou passando para as texturas, enquanto o António começa numa lead e recua até aos drones. Lá está, a ideia genérica era sair do Desterro com um conjunto de singles! Foi só combinar os dias e aparecer, o resto foi surgindo naturalmente, sem qualquer pressão.

Ambos estão ligados à música ambiente, a este lado mais espacial e contemplativo da criação sonora. Este trabalho mais kosmische, com uma sonoridade etérea em alguns momentos, glaciar e mais fria noutros, tem algum precedente? É algo que já queriam explorar há mais tempo? Poderá vir de algumas influências que têm em comum?

[Sal Grosso] É engraçado que perguntes isso, porque a única coisa que definimos no primeiro dia foi que queríamos tentar fazer temas curtos – de três ou quatro minutos. Mantendo esse tom etéreo e quase kosmische, mas aliá-lo a outros géneros e influências que ambos gostássemos, como o vaporwave ou o trap. Claramente não fomos bem sucedidos, mas acabámos por encontrar uma zona de conforto comum ao longo das sessões que, embora não nos tenha permitido chegar a outros géneros, abriu espaço para que se explorassem novas abordagens, técnicas, sons e ideias – talvez a mais notória seja o uso da voz ao longo do disco. Se calhar quem já tiver ouvido Aires ou Sal Grosso vai identificar alguns precedentes sonoros ou até influências daquilo que é a nossa música a solo. Ainda assim sentimos que Peak Bleak é algo novo e refrescante, principalmente para nós. De certa forma queríamos que este encontro soasse a muito mais que a soma das duas partes e achamos que conseguimos.

Há planos para mais projectos com Peak Bleak? Tencionam ampliar este disco para um formato físico ou vídeo ou já fecharam este capítulo?

[Aires] Destes três dias de gravações ficámos com material para uma série de EPs – em princípio serão quatro lançamentos. A ideia é ter pouca distância entre cada lançamento e o próximo deverá estar cá fora no primeiro trimestre de 2020. Ainda não sabemos como fazer em relação aos outros, mas este está cá fora em CD, uma edição muito limitada feita a meias pelas nossas editoras. Estamos ainda a organizar discos de remisturas de cada EP, cada um com curadoria de alguém próximo de nós. Não saímos do Desterro com um punhado de singles rumo ao Alive mas pode ser que nos encontremos todos numa pista escura, algures. O Pedro Jafuno, nosso cúmplice desde o concerto na Pequena Notável, filmou as gravações numa série de planos-sequência incríveis, vamos ter algo cá fora algures nas próximas semanas.

Estando ambos à frente de editoras/colectivos (Combustão Lenta Records e Colectivo Casa Amarela), faz sentido perguntar: como vêem o panorama da música electrónica actual em Portugal?

[Sal Grosso] Focando apenas no output e produção musical, melhor que nunca. E não é só na quantidade: os colectivos, editoras, movimentos, produtores ou bandas a aparecer têm cada vez mais qualidade, sente-se um maior cuidado no que é feito e editado, e diríamos que há cada vez mais atenção e foco numa missão ou mensagem que querem passar – mesmo quando olhamos para a vertente DIY ou para colectivos pequenos. Tudo isto aliado ao surgimento de salas, espaços e promotoras que tentam dar palco a toda a esta gente, faz com que este país seja um lugar cada vez mais entusiasmante para fazer e ouvir música. Claro que estamos a falar de um caminho que vem sendo trilhado e descoberto desde há 30 anos, mas é muito inspirador ver tanta gente a querer dar seguimento a esse caminho e a essa forma de estar e pensar. A ver se acabamos de vez com o elitismo.

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