O título do espectáculo assinado ontem pelo pianista Cristóvão Ferreira no Teatro Micaelense, na segunda de três jornadas de que se faz o PDL Jazz, é revelador: Insular não define apenas o que se relaciona com uma ilha, como a de São Miguel, por exemplo, mas pode, em sentido mais figurado, descrever o que está isolado, separado, falho de comunicação. Ora é para isso que este tipo de iniciativas, como o PDL Jazz, que quer voltar a deixar Ponta Delgada no mapa do jazz, nacional e não só, também serve: para quebrar a insularidade e estabelecer novas vias de comunicação.
No programa deste festival desenhado por Alexandre Pascoal, programador do Micaelense, encontrar o trio de Cristóvão Ferreira entre as propostas internacionais de Yazz Ahmed, que se apresentou no primeiro dia, e de Tord Gustavsen, que hoje mesmo encerrará com o seu trio este ciclo, não é coincidência, antes desígnio. O apoio ao talento local é necessário, bem como a sua exposição a outro tipo de ideias. E o pianista que ontem viajou pelo jazz dos Açores, levando consigo para palco não apenas uma mão-cheia de músicos locais, mas também composições de sua lavra e de outros autores insulares, fez disso mesmo menção quando listou agradecimentos e ressalvou a importância de se apresentar num local como o Micaelense onde, no dia anterior, pôde assistir “a um excelente concerto de uma trompetista”.
Ora, acompanhado por Mike Ross, no contrabaixo, Lázaro Raposo, na bateria, e com a participação de alguns convidados, como os saxofonistas Michael Smith e Carlos Mendes, o trompetista Nuno Alves e o guitarrista Paulo Bettencourt, Cristóvão Ferreira conduziu-nos por hora e meia de escorreito jazz de feições mais tradicionais, oscilando entre três coordenadas principais: o bop de traços clássicos, laivos de uma fusão mais electrificada e bluesy, sobretudo quando assomava aos teclados electrónicos de que dispôs para lá do piano acústico, e algumas colorações latinas, sugeridas nas claves desenhadas no piano e seguidas pelos metais e pelo seguro groove da secção rítmica.
Como, por exemplo, apontado por Yazz Ahmed, percebe-se que os novos caminhos do jazz beneficiam muito mais de um olhar em frente, de novas combinações resultantes de fundas experiências culturais, e que a opção segura de revisitar o passado rapidamente se esvazia de interesse ou pelo menos de real frémito. Num concerto com um título tão sugestivo como Insular, talvez tivesse sido boa ideia sentir de facto os particulares ventos que sopram nestas ilhas, trazendo para dentro da música alguns ecos populares locais, por exemplo, o que poderia ter resultado nalgumas surpresas. Dessa forma, mesmo sem surpreender e optando por reportório que procura harmonizar-se com cânones, e talvez sacrificando um pouco de emoção no altar da técnica, Cristóvão Ferreira não deixou de liderar o ensemble numa viagem prazerosa, beneficiando de uma plateia recheada de amigos e familiares, como o próprio ressalvou, que não regatearam aos músicos os seus justos aplausos no final.
Estabelecidas novas vias de comunicação, através das múltiplas experiências que uma iniciativa destas proporciona, quem sabe o que o futuro poderá trazer? Porque é precisamente disso que um projecto como o PDL Jazz quer tratar: do futuro.