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Leonel Santos (JazzLogical)

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Uma vida que se mistura com a história do jazz português.

Paulo Gil (1937-2022)

Quando recebi a notícia foi como se um raio me fulminasse. Olhei o telemóvel e reli a notícia e não acreditei. Sabia que tinha que ser verdade, pela fonte, um amigo próximo do Paulo Gil, mas não podia ser. 

Eu tinha estado a falar com ele, na semana passada, mais de três quartos de hora, e o Paulo era um bom conversador, e tinha estado com ele no Hot também, uns dias antes. Mas não era bem isso: é que de certa forma, na minha cabeça, o Paulo Gil, o jazz e o Hot Clube eram a mesma coisa, são a mesma coisa ainda. 

Conheci o Paulo Gil nos anos 70 quando comecei a ir ao Hot, e ele falava alto e tocava bateria. Tocava no Plexus, ou com o Manuel Guerreiro, o Courinha, o Xico Xavier, o Celso de Carvalho e muitos outros; e depois nunca mais deixei de o ver: de cada vez que ia ao Hot, o Paulo Gil estava lá.

Depois fui-o encontrando noutros sítios, como não? – O Paulo Gil foi promotor na Valentim de Carvalho e produziu discos, compôs música para filmes, escreveu para o Diário de Lisboa, a Flama, o Século Ilustrado e outros, fez rádio e televisão: O Som da Surpresa, fez produção de concertos e festivais (Seixal, Oeiras, Figueira da Foz…), e ainda há menos de um mês trouxe Wayne Escoffery ao Hot e a Oeiras. 

Paulo Gil fez-se sócio do Hot Clube em 1955 pela mão de Luiz Villas-Boas e foi membro de várias direcções do clube, tendo acompanhado a transição do Hot nos atribulados anos 70, e da mesma forma a irrupção da nova geração dos últimos 10 anos. Vangloriava-se de que a maior parte dos seus amigos tinha entre 20 e 30 anos de idade, e entre eles se contavam muitos desses novos músicos, que com incontida emoção tinha visto surgir e crescer e que com paixão e orgulho aplaudia.

No Hot era sempre o primeiro a chegar e sentava-se sempre no mesmo lugar, à frente do palco, sempre rodeado de amigos e sempre interpelando os músicos no palco, com toda a autoridade e desplante que os mais de 60 anos de jazz lhe autorizavam. 84 anos de vida e 67 anos de associado do Hot, mais precisamente, o que fazia dele o mais antigo sócio do Hot vivo, como alardeava. 

Há pessoas que nos habituamos a encontrar ao longo dos anos e que acreditamos que são eternas. Bonacheirão, sorridente, vaidoso, entusiasmado, era o Paulo Gil. Quando comecei a ir ao Hot o Paulo Gil já lá estava, e quando voltar ao Hot, esta ou a próxima semana, vou olhar para o lugar dele à espera de o ver.

O funeral de Paulo Gil está marcado para hoje, sexta-feira, no cemitério do Alto de São João, em Lisboa, pelas 17h30, com velório na Capela a partir das 14h00.


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