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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 18/01/2025

A estreia a solo de um terço dos ActivaSom.

Paulinho sobre Geirinhas: “Escrevi um EP que tem um peso mas não é para ser triste, é sobretudo um disco sentido”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 18/01/2025

Conhecemo-lo como um terço dos ActivaSom, ao lado dos amigos de infância Tácio e Fokus, grupo que integra o colectivo Sexto Sentido dos maiores representantes da geração intermédia do rap do Porto, onde militam Minus & MRDolly, Johnny Virtus ou os Enigmacru. Agora, Paulinho resolveu iniciar o novo ano de 2025 com o seu primeiro disco a solo.

O EP Geirinhas, composto por sete faixas e escrito e produzido integralmente por si, é uma homenagem ao seu pai, falecido há cerca de 25 anos. Acima de tudo, trata-se de um processo artístico íntimo e individual, de quem esteve a maturar uma série de sentimentos durante anos para agora os purgar num disco que representa, mais do que tudo, a expressão emocional do seu autor. Tudo o resto que poderá vir será por acréscimo.

O rapper e produtor convocou apenas Johnny Virtus (mistura), Beiro (masterização) e Deck97 (artwork) para adornar e concretizar o projecto. Na capa, pode encontrar-se o cartão de visita de Manuel Ribeiro Martins, carpinteiro e marceneiro, o homem que inspirou o disco e que na sua infância em Freamunde era conhecido como Geirinhas

O filho orgulhoso resolveu prestar-lhe um tributo com um disco que, na sua edição física, tem ainda a imagem do rádio que usava na carpintaria e da caixa de jóias da sua esposa. Foi o mote para uma entrevista com Paulinho sobre o seu primeiro disco em nome próprio.



Quando e como é que começaste a pensar neste disco? Já havia ideias com muitos anos, letras ou instrumentais que foste guardando? Qual foi o ponto de partida?

Depois de termos feito o EP 34 com ActivaSom, sempre desejei fazer um EP a solo. Nem era para ser eu a produzir, porque nunca me tinha assumido como produtor até hoje. Na altura seria o Johnny Virtus a produzir. Só que fui fazendo algumas batidas para fazer as rimas e, depois, sim, o Virtus iria fazer os beats finais. Quando começo no processo de produzir e produzir, percebi que fazia sentido aqueles beats ficarem e não termos que adaptar as letras a outros beats. E o projecto começou a criar-se… Começou sem querer, os beats foram-me levando para um certo sítio, comecei a mexer sobretudo na fase da minha vida em que perdi o meu pai este projecto é sobretudo ligado a ele, a principal homenagem é a ele, embora também à minha mãe e aos meus outros familiares. Mas os primeiros dois ou três sons é que começaram a dar essa cor ao projecto. E mantive a mesma linha, tanto nas sonoridades como na envolvência que queria. O título Geirinhas só apareceu quando já tinha quatro ou cinco sons feitos. Não sabia que título dar, queria que tivesse algum secretismo, que não fosse propriamente o nome do meu pai, acho que seria muito tcharan. Ficava mais bonito ser algo mais místico. O meu pai era de Freamunde e era a alcunha que os meus tios diziam que ele tinha na infância, chamavam-lhe Geirinhas. Então pensei que poderia ser esse nome, porque não será rápido chegar lá, mas ao mesmo tempo para mim terá sempre um valor incrível, porque vai-me sempre ligar a ele. E o rap tem muitas vezes estas coisas, de não se perceber tudo logo à partida, e criou um bocado a ideia de todo o EP em si.

E já sabias, a partir do momento em que começaste a pensar que querias ter um disco a solo, que gostavas de homenagear o teu pai e as tuas raízes familiares, que fosse um disco tão pessoal?

Quando pensei em fazer um disco, confesso que não pensei que iria mexer nisto. Porque foi uma fase difícil de superar e pensava que não iria querer mexer nesse baú outra vez. Mas o que se tornou bonito foi, com o passar dos anos e quando volto a mexer nisto, perceber que é isto que faz limpar memórias e realmente purgar, desabafar cá para fora coisas tão pessoais e íntimas, com muitos pormenores. Fez-me bem. O álbum não é para as pessoas ficarem tristes, mas sim para terem uma perspectiva diferente em relação à perda ou a fases da vida mais difíceis em que as pessoas tentam superar. Acho que o EP é um bocado sobre essa superação. Olhar para trás e pensar que estamos cá dois dias e que temos de aproveitar. Se fizermos música, que seja no sentido de nos cativarmos a nós. Muitas vezes procuramos dúvidas em nós e podemos expô-las no rap, que é o que melhor sabemos fazer. E sermos sinceros, porque sinto que muitas vezes a música perde essa credibilidade real, sinto essa falta e foi o que tentei fazer aqui.

E acho que se nota perfeitamente que tem essa autenticidade. Estavas a mencionar o EP de ActivaSom por, na sequência, teres tido vontade de gravar um disco teu. Enquanto rapper, não era uma coisa que antes, à medida que foste começando a fazer rap e a crescer, fosse propriamente uma ambição tua?

Não, inicialmente não. Porque achava que, com ActivaSom, iríamos ter um seguimento de carreira mais certo. Houve uns anos de paragem entre o primeiro EP, que fizemos em 2009, e o 34, que fizemos em 2019. Acabou por se parar um pouco e às vezes ficas meio na dúvida, até que ponto queres fazer, o que é que vais fazer, com que sentido vais fazer… E foi importante para mim fazer agora. Porque, se tentasse fazer este álbum há 10 anos, tenho a certeza absoluta de que não iria ficar metade do que está aqui. No sentido da maturidade, da forma de encarar as coisas… E sinto-me satisfeito por chegar aos 37 anos e olhar para o álbum e pensar: se o tivesse feito aos 27 não iria ter estas características. Sinto que ele está perfeito na minha visão, porque se é para falar de um tema destes, tinha mesmo de ser assim. E não pensava em fazer um álbum meu porque pensava que iria fazer mais álbuns com ActivaSom. No intervalo desses anos pensei que iríamos fazer muito mais música. Antes de 2019, estávamos focados no EP 34 e eu virei-me para eles e disse: “Vamos fazer o EP porque depois quero fazer o meu álbum.” Sempre desejei fazê-lo, só que não sabia com que idade ou quando. Porque é normal, quando se faz um disco em colectivo, pensar interiormente que um dia vamos querer fazer algo a solo. Mas nunca tinha uma perspectiva do que é que queria fazer ou como ou quando. Só quando fiz o 34 é que tive a ideia de: se calhar tenho de trabalhar em algo meu, a solo. Fiz o “Eterno Retorno”, um som, e depois comecei a juntar ideias e a tentar ir construindo o disco.

E o facto de ser um EP e não um álbum foi algo intencional? Ou teve a ver com o número de músicas que acabaste por gostar mais ou que resultaram melhor?

Todo este processo do álbum foi acontecendo, ele foi crescendo. E quando cheguei a uma fase em que tinha os sons quase todos feitos o outro, o “Vou Sempre Amar-te”, foi mesmo o último que fiz senti que não havia muito mais a dizer, que não tinha de me alongar. Poderia fazer um álbum maior, é certo, teria mais tempo… Mas, ao mesmo tempo, o menos pode ser mais. E queria que fosse algo prazeroso de ouvir, por isso é que os sons também tendem a não ser muito compridos e não queria que ele fosse assim tão denso. Poderia ter feito mais quatro ou cinco faixas, até pensei nalgumas participações que depois acabaram por não acontecer… Quando cheguei à fase final, cheguei à conclusão de que poderia atrasar muito o processo, de produzir, de juntar os rappers, fazer-se o rap, gravar… E tinha medo de me cansar de algo tão íntimo e que para mim estava tão bonito. Por duas participações se calhar podia perder mais um ano. Eram para ser dois sons, um com ActivaSom, porque são meus amigos desde a infância. O Tácio era meu vizinho, do mesmo prédio, o meu melhor amigo desde a infância e o Fokus também. E ia ter o Virtus e o Each, porque todos tivemos essa perda parental e perdemo-los cedo. Só ia ter essas participações por causa disso. Mas acabou por não acontecer e eles próprios também mo disseram: “Vais alongar isto mais tempo e pode criar-te essa fase de cansares-te de ouvir o álbum, do disco esmorecer, e como está uma obra tão dedicada e sincera, ter essa abertura era um bocado triste…” Se uma pessoa fala sobre o mundo, sobre as coisas, era capaz de não chatear tanto. Mas como é uma coisa tão pessoal… 

E gostaste do processo em si de fazeres o disco? Deu-te vontade de o fazeres mais vezes, noutros projectos a solo no futuro?

Sim, muito. Tentei aprender com todos os meus, como é que eles trabalharam os álbuns, para eu tentar arranjar uma maneira diferente de trabalhar. Pensei tudo em processos distintos para não me cansar. Fiz os beats, eram loops pequenos, e comecei a escrever, a criar as temáticas, as pontes, os respiros… Acabei as sete faixas, só depois fiz a pós-produção. Foi tudo step by step e isso fez com que não me cansasse tanto e tivesse vontade de fazer mais, porque não fiz tudo a correr. Porque, muitas vezes, e vi isso no pessoal próximo, estar-se a fazer um som e é logo gravado e pós-produzido… Ao fim de 10 faixas, a pós-produção dessa primeira já pode ter sido feita há um ano. E quando a pessoa acaba a décima faixa, já está cansada da primeira porque perdeu ali muito tempo. Então tentei criar um método diferente. E por isso é que estou muito contente e nada cansado com o álbum. Portanto, estou cheio de vontade de fazer outro. E será mesmo um álbum, com uma linha diferente, porque também quero mostrar versatilidade. Este já mostra um bocadinho, para quem ouvia o meu trabalho em participações ou em ActivaSom, já foge um bocado do registo normal que eu tinha. Mas, futuramente, ainda vai ser outra onda e é isso que quero trabalhar no álbum, ter outra visão e algo mais universal.

E estas nuances distintas de registo que já dá para identificar neste disco foi algo muito natural à medida que foste compondo os instrumentais e a perceber como os querias abordar?

Ouvia o meu estilo de som e gostava de trabalhar outras nuances. Achava que poderia dar mais espaço ao rap para respirar. Muitas vezes sentia saudades de ouvir música com um espaço diferente, de não ser tudo tão seguido como muitas vezes acontecia em ActivaSom ou noutras participações. Queria trabalhar algo mais envolvente, mais emocional… E, depois, na pré-escuta, o Smélio até me disse: “O teu álbum é muito visual, estás a ouvir as músicas e estás a ver.” E foi mesmo isso. Quando escrevi o álbum e fui gravando, as tonalidades saíram-me naturalmente… Tem quebras porque me sentia naquela envolvência. Era como se estivesse naquele momento em que aquilo me aconteceu, de me lembrar de o meu pai falecer, do funeral, do cemitério, de fases em que me sentia sozinho… Quando escrevi, ia muito a esse ponto, tentava mexer mesmo no baú, deslocar-me ao sítio não queria só estar a falar por alto. Daí esta interpretação e abordagem ter sido diferente em relação ao que fui até hoje. Acho que foi muito pôr-me no sítio e o próprio beat ajudava-me a entrar nesse mood.

Suponho que tenha sido um processo emocionalmente difícil mas também imagino que terapêutico.

Acima de tudo, sinto que foi um processo bonito. Estás a mexer em algo que te magoou, é óbvio, mas ao mesmo tempo, como tenho um som para a minha mãe, “Que o Dia Acabe”, que é uma homenagem mesmo à grande pessoa que é, há muitas nuances que me fizeram querer criar uma boa homenagem… Acima de tudo, fecho o disco a sentir-me orgulhoso em todos os aspectos. Desde as letras aos beats, da mistura à masterização… Porque foi eternizar um capítulo. Lá está, e se tivesse feito o disco com 27 anos, acho que teria sido um disco muito mais frio, mais em baixo… Com esta idade escrevi um EP que tem esse peso mas não é para ser triste, é sobretudo um disco sentido. A minha mãe disse-me que estava muito orgulhosa. Mesmo que ela não perceba muito de rap, do que ouviu disse que estava muito bonito e se calhar para mim essa é a maior prenda de todas, é a melhor ouvinte. 

Sentes que é um disco que tem essa identidade e herança da escola tradicional do rap portuense?

Fiz este disco muito a expressar-me sem medo do que os outros possam pensar. É fazeres ao teu gosto… Não sei se isso simboliza só o Norte, acho que pode simbolizar muita gente, mas sinto isso com este disco. Não há pudores, é nu e cru. Quis realizar-me a mim e, se depois puder agradar aos outros, perfeito.

Para perceber um pouco melhor esse contexto, como disseste cresceste com o Tácio e o Fokus, com quem depois criaste os ActivaSom. Como é que depois se juntaram ao resto do pessoal da crew Sexto Sentido? Foi através da escola?

O Fokus andava com o Each e o Chek na escola, era amigo deles. Eu e o Tácio também ficámos a conhecê-los e dávamo-nos bem, mas não havia essa ligação de Sexto Sentido. A primeira ligação que há é num concerto nos Carvalhos, que penso que à última da hora os Enigmacru não puderam ir e perguntaram se nós podíamos ir. A festa era do Minus, ia apresentar a mixtape Control que era feita com o Virtus e o Xina. Fizemos a nossa apresentação e todos gostámos bastante do trabalho uns dos outros, ficámos a dar-nos super bem. Daí, o Minus e o Virtus alugam uma casa em Cedofeita e começámos todos a parar nessa casa. Como nos começámos a dar cada vez melhor, a partilhar música, acabámos por criar Sexto Sentido e o nome sexto vinha da casa, do sexto andar. E foi essa fase que nos uniu, cresceu nessa casa em Cedofeita e acho que foi a melhor coisa que nos aconteceu a todos, foi o que nos fez a todos crescer enquanto rappers. Porque sempre fomos críticos uns com os outros e, ao mesmo tempo, a partilha que havia mudou-nos bastante para melhor. Era quase um culto. Juntávamo-nos, ouvíamos beats, trocávamos ideias. Foi muito bom. E a união continua.

E o primeiro EP de ActivaSom já é um resultado dessas sinergias entre Sexto Sentido?

Nós já tínhamos algumas coisas adiantadas antes, porque antes do EP já dávamos concertos e tínhamos os sons. Não estavam finalizados, mas estavam escritos e íamos tocando. Aliás, quando tocámos nos Carvalhos já foram os sons do EP. Mas depois é que o gravámos com o Poeta de Rua e o lançámos.

E, enquanto ActivaSom, não têm estado a trabalhar juntos em música nova?

De momento, ainda não. Acabámos um som agora que talvez iremos lançar em conjunto com Enigmacru, mas ainda está numa fase muito inicial. Agora, sobre um EP ou um álbum… Para já não. O Tácio lançou o álbum dele, eu lancei agora o meu… A porta nunca se fechou, porque nunca dissemos que ActivaSom não fazia mais nada, mas o Fokus também está com outros projectos de vida. Então, em vez de nos estarmos a massacrar a tentar fazer algo, demos espaço para respirar, cada um pôde fazer o seu álbum a solo e depois, daí… Também é bom não saturar e dar espaço, e quando se voltar voltar com mais vontade ou dinamismo, se voltarmos a fazer música. Porque forçar só para fazer se calhar só nos ia criar mais frustração. E estas experiências permitem-nos pensar noutras linhas ou trabalhar as músicas noutro estilo, com uma abertura diferente. Espero que volte a acontecer, mas para já não está pensado.


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