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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 14/10/2019

Esta semana, a banda britânica regressa a Portugal para dois concertos em Lisboa e Porto.

Paul Humphreys dos OMD: “Éramos dois gajos da classe trabalhadora sem dinheiro nenhum que queriam ser os Kraftwerk”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 14/10/2019
Começaram, na sua própria óptica, contraculturais e totalmente experimentais até se aperceberem que na realidade faziam pop sintetizado que estava prestes a mudar parte da música electrónica internacional. A celebrar 40 anos de carreira com uma colectânea que reúne os seus maiores êxitos — incluindo uma versão remasterizada do longínquo “Electricity” que passadas quatro décadas voltou ao top inglês –, os Orchestral Manoeuvres In The Dark voltam a Portugal em dose dupla: amanhã, dia 15 de Outubro, na Aula Magna, em Lisboa, e no dia seguinte na Casa da Música, no Porto. Estivemos à conversa com Paul Humphreys, fundador e maquinista desta orquestra negra que tanta alegria deu ao mundo, e que é muito mais do que o super hit “Enola Gay“.

Antes de mais, muitos parabéns pelo 40º aniversário! Obrigado. Na realidade não parece que passaram quarenta anos desde que tocámos pela primeira vez no Eric’s [clube em Liverpool], porque foi apenas um desafio de putos de fazer aquele concerto e parar. Nós começámos por fazer música electrónica com muito pouco equipamento e apoio de quem nos rodeava. Os nossos amigos não gostavam da nossa música e tentavam convencer-nos a parar.  Mas para nós era um hobby e decidimos fazer apenas aquele concerto. O que é certo é que a malta do bar gostou e decidiu organizar um concerto connosco no Factory Club em Manchester. Assim, de um passámos a dois concertos; nesse segundo conhecemos o Tony Wilson — que começaria em breve a Factory Records — a quem demos uma demo em cassete do tema “Electricity”, a ver se ele passava no seu programa de televisão. Passado umas semanas ligou-nos e disse que não conseguia passar a nossa música na televisão, mas queria muito editar-nos. As coisas aconteceram muito rápido desde esse primeiro concerto, que deveria ser único, até um contrato de sete discos com a Virgin. E como era a Liverpool dos 70s? O Simon Reynolds disse que mesmo tendo clubes míticos como o Eric’s ou o Cavern, a cidade nunca viu nascer uma banda propriamente punk. Era mais alternativo do que punk. Uma das coisas maravilhosas do punk foi que vários clubes começaram a abrir no norte de Inglaterra, mas na verdade o Eric’s albergava vários estilos musicais alternativos, que era o que as pessoas da cidade como os Echo & the Bunnymen, Teardrop Explodes, a malta dos Frankie Goes to Hollywood e os Big in Japan ouviam. Todas estas bandas, mesmo não sendo punk, beberam muito da sua ética. Até o nosso “Electricity” era rotulado como “punk em sintetizadores”, o que na verdade até era! É um tema rebelde e eu toco sintetizadores só com dois dedos porque na verdade não sabia tocar. [Risos] Imagino que a cidade vivesse muito na sombra dos Beatles. Sim, bastante. Cada vez que brotava uma banda perguntava-se logo se seriam os próximos Beatles, quando só podem haver uns Beatles. A minha geração não era influenciada pelos Beatles. Gostávamos e respeitávamos o seu valor, mas chateava-nos que cada vez que dizíamos ser de Liverpool a pergunta seguinte tentava alguma espécie de comparação connosco. A proximidade da cidade ao Atlântico era importante? Sim, a cidade era uma cidade moribunda e depressiva, típica de cidade costeira. Hoje, graças à União Europeia — da onde parece que estamos estupidamente a sair — que gastou três milhões na sua requalificação, a cidade é maravilhosa. Mas na altura nas áreas nortenhas do país, as pessoas viravam-se para a música como entretenimento e escape ao governo da Thatcher. E havia rivalidade, mesmo que juvenil, entre as cenas musicais de Liverpool com a Manchester, com a de Sheffield ou Bristol? Provavelmente havia, mas tinha a sua génese no futebol e infiltrou-se na música. O certo é que os OMD nunca foram localmente aceites, porque nós não éramos intrinsecamente de Liverpool, mas sim do outro lado do rio. Para os locais nós não éramos de Liverpool, mesmo estando sempre lá, tendo lá o estúdio, etc. Quando entrámos na Factory de Manchester também não éramos fazíamos parte da “cena de Manchester” porque éramos vistos como de Liverpool. Éramos sempre uns forasteiros [risos]. No que toca a sintetizadores, quais foram os primeiros que compraram? Eu e o Andy éramos dois gajos da classe trabalhadora sem dinheiro nenhum que queriam ser os Kraftwerk com aquela parafernália maquinal incrível, mas perguntávamo-nos como conseguíamos isso sem dinheiro. No início tínhamos apenas um teclados barato e um piano eléctrico. Como os sintetizadores eram muito caros e eu tinha a electrónica como hobby, costumava construir coisas como máquinas de ruído a partir de rádios velhos das minhas tias. Quando os japoneses começaram a fabricar os sintetizadores de baixo custo no fim dos 70s, nós descobrimos o Korg Micro Preset em catálogo por sete libras semanais durante 36 semanas. E foi apenas esse que usámos no primeiro álbum, com a “Messages”; “Enola Gay”, etc. No documentário Synth Britannia, o seu comparsa Andy diz que o público via os sintetizadores como “máquinas que produziam hits só de tocar num botão”. Sim, quem me dera! [Risos] Vocês notavam reacções estranhas dos espectadores a essas máquinas? Sim, porque era um universo novo de sons a que as pessoas não estavam habituadas. As pessoas suspeitam sempre de coisas novas, e realmente houve uma reacção ao que estávamos a fazer, que “aquilo não era música porque não tinha guitarras!”. Até a Musicians Union [organização que representa os músicos britânicos] nos odiava, porque achavam que os nossos sintetizadores estavam a roubar o trabalho dos seus músicos. Li também que vocês tentavam fugir ao estereótipo da atitude macho na música, especialmente a de guitarras, da época. Infelizmente é algo presente desde o rock dos 50s aos 70s até ao grande hair rock dos 80s ou ao grunge dos 90s. Quando começámos nós odiávamos o clichés do rock’n’roll e tentávamos combater esse “dragão”, mas apercebemo-nos que ele não podia ser derrotado, pois cada vez que lhe cortavam a cabeça outra cabeça nascia. [Risos] Falando das capas dos vossos discos, concebidas principalmente pelo artista Pete Saville, eram ideias dele ou trabalhadas em conjunto com a banda? Sempre quisemos que as nossas capas fossem peças de arte que reflectissem a música lá dentro, Não nos interessava ter a nossa cara exposta para sermos famosos. Nós fomos realmente afortunados em trabalhar com o Pete desde os tempos da Factory para o nosso primeiro single. Mesmo depois quando nos mudámos para a Dindisc — subsidiária da Virgin — em Londres, ao entrarmos no pequeno edifício para ter a primeira reunião, quem é que nos abriu a porta? O Pete Saville! Tinha acabado de ser contratado lá como director de arte. [Risos] Nós deixámo-lo fazer o que queria! Uma vez, no meio de uma conversa, ele disse-nos: “Vi há pouco umas imagens de uns Dazzle Ships [técnica de camuflagem de navios usada na Primeira Guerra Mundial], não seria maravilhoso fazer uma capa que remetesse para isso?”. Adorámos a ideia. A capa e o título do disco foram feitos antes da própria música, que acabou por ser uma banda sonora à própria capa. Tendo sido esse o vosso disco com menos sucesso comercial, como vêem hoje em dia as técnicas de gravação — colagens de fita e outras influências da música concreta — que nele usaram? Sempre o fizemos e ainda hoje o fazemos, qualquer coisa que possa ser um som utilizável numa música, usamos. A diferença é que nos primeiros discos faziamo-lo de uma forma analógica e a partir do Dazzle Ships começámos e inserir esses sons num teclado digital e dividir esses sons em notas musicais, e isso abriu-nos muitas portas. Enfim, foi um álbum muito experimental. Mesmo ainda hoje em dia sendo admirado por muitos, matou a nossa carreira! [Risos] Estamos muito orgulhosos dele, mas perdemos 90% do nosso público. A par dos Kraftwerk, vocês são considerados das maiores influências para a música electrónica. Como viram o surgimento da EDM e a cultura das raves que se seguiu? A electrónica continuou bastante forte nos 90s focada na cena de dança. A pop electrónico ficou confinada aos 80s, e a música pop, no seu geral, virou-se para o grunge ou a britpop, e nós — músicos de electrónica — vivemos tempos difíceis. O movimento da EDM conseguiu manter esta música saudável, o que é maravilhoso. Mais valia termos mudado o nosso rumo para esse género, a curtir até ao fim dos 90s quando o pop electrónico voltou a ter expressão [risos]. Por falar em regressos ao passado, como vêem o vosso público hoje: uma mistura entre miúdos apaixonados pela retromania com os mais velhos que querem reviver a sua juventude ou um novo público interessado em descobrir apenas os vossos novos temas? São tempos estranhos, estamos numa espécie de era pós-moderna em que vale tudo. Eu cresci numa época em que a moda era linear e estava muito ligada à música. O tipo de música que ouvias era reflectido na maneira como te vestias ou como te penteavas. No meio disto tudo estão três décadas onde um estilo musical substituiu o outro até chegarmos ao séc.XXI, em que todos os géneros são aceites desde que tenham qualidade. As novas gerações começaram a ouvir todo o tipo de música, e a prova disso são as playlists de Spotify de um adolescente de hoje. Tem música de todo o lado, o que é espectacular! Quando eu e o Andy éramos adolescentes – e isto é provavelmente o porquê de ter feito a música que fizemos — só ouvíamos cinco coisas: Kraftwerk, Neu!, La Dusseldorf, [David] Bowie e Velvet Underground.

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