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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/01/2023

Raios e coriscos.

PAPAYA: “O nosso processo é muito imediato, não há muito tempo para fazer second-guessing

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/01/2023

Ricardo Martins, Bráulio Amado e Óscar Silva são um power trio na mais pura acepção da expressão: uma célula criativa de três elementos que investe tudo na força, no poder, e simplesmente ignora tudo o que é supérfluo e não interessa. Riffs, ritmo, força motriz, faíscas, palavras soltas, entrega sem outro compromisso que não seja o que a própria música pede. Sem cedências a ondas ou tendências. Só vertigem. E um pouco de delay de fita.

Em conversa com Ricardo Martins e Óscar Silva antes do último Natal, mergulhou-se nesta sétima aventura dos PAPAYA, numa conversa franca e livre que procurou descodificar o que resultou num inesperado, mas incontornável álbum. Um dos melhores do ano que terminou. Mas isso é sempre verdade com PAPAYA: sempre que fazem barulho, o mundo vibra.



Estava a ouvir o VII e ocorreu-me uma ideia: filme da segunda guerra mundial, há uma missão que o bombardeiro precisa de desempenhar, mas para a cumprir o comandante diz: “Temos de nos livrar de tudo o que é supérfluo.” Eu acho que isto até é uma cena do Pearl Harbor, para aí [risos]. E começam a atirar os bancos para fora, etc. O avião fica com, basicamente, duas asas, os motores e um carradão de bombas. Livram-se de tudo o que é supérfluo. A vossa música faz-me lembrar isso: é nervo, o ritmo reduzido ao essencial, as palavras são quase — nem sei se lhes hei de chamar letras, se palavras de ordem — mas a vossa música soa-me a um bombardeiro a que tiraram a mobília toda…

[Óscar Silva] Só ficaram as bombas [risos].

E só ficaram as bombas.

[Óscar Silva] Bué fixe! Isso é óptimo, meu [risos]. Devias ter dito isso antes de escrevermos a press release [risos]. Eu acho que, se calhar, é por causa desta coisa, de nós…

É depuração absoluta? 

[Ricardo Martins] Normalmente, o Bráulio vem e temos dois dias [para trabalhar juntos]… Agora tivemos três dias!

Wow! Isso é um luxo.

[Ricardo Martins] Pudemos estar os três a compor durante três dias. O nosso processo é muito imediato, não há muito tempo para fazer second-guessing. Também já estamos habituados a fazer isto juntos há muitos anos. Já estou com o Bráulio desde Adorno. Toco com o Óscar desde o secundário. Então é tudo assim, já muito natural. Quando chegamos à conclusão de que, “olha, o ritmo é este”, nunca voltamos para trás para refazer qualquer coisa. É raro. É sempre a somar. Ou está bom ou não está bom. Se estiver bom, fica. Se não está bom, então vamos à procura.

Então é visceral a coisa. Sai mesmo das entranhas.

[Ambos] Sim.

Qual é o plano? Vamos no capítulo Sete / VII. O objectivo é implodir com o Dez / X?

[Ricardo Martins] Não há plano.

[Óscar Silva] É continuar a ser bombardeiro [risos].

[Ricardo Martins] O plano é continuar até não haver um motor.

Até as anti-aéreas vos abaterem?

[Ricardo Martins] É até perdermos um motor qualquer, por alguma razão, e depois deixamos de fazer isso. Mas até lá, acho que estamos a voar. Não custa nada [risos].

[Óscar Silva] Não custa nada e é um prazer — rebentar com cenas, digo [risos].

Vocês, quando começaram, estavam cada um na sua cidade. 

[Ricardo Martins] Ya. Eu estava em Barcelona, o Óscar cá e o Bráulio em Nova Iorque.

Estavam dispersos. E agora estão aqui os dois, mas há uma figura ausente. Que banda é esta? É uma banda que existe quando tem de ser ou quando pode ser?

[Ricardo Martins] Eu acho que, apesar desta distância toda, pelo menos para mim, a banda existe sempre. É daquelas coisas que… Nós estamos sempre a falar uns com os outros, apesar do Bráulio não estar cá.

Têm um grupinho no WhatsApp? Como é que a coisa funciona?

[Ricardo Martins] Sim, temos sempre um grupo em mil plataformas, sempre com um nome parvo qualquer, e estamos lá a falar uns com os outros [risos]. Estamos sempre a falar de música e, este ano, até acedemos aos pedidos do Bráulio, de irmos para estúdio sem ele. Mandava-nos mensagens a dizer: “Epa, vão lá fazer coisas, que eu depois ponho voz”. Nós sempre decidimos fazer tudo juntos, mas este ano gravámos uma malha de maneira diferente — “O Indivíduo é Mau”. Então é isso, estamos juntos e a banda é uma desculpa para estarmos um bocadinho mais juntos ainda. É mais por aí. E é uma desculpa brutal para, quando o Bráulio vem, estarmos juntos.

[Óscar Silva] E é uma desculpa para ele vir, também, porque não é fácil. Ele e o Ricardo são mesmo das pessoas mais criativas — e que precisam de fazer coisas — que eu conheço. Acho que é isso. Não é uma questão de sermos uma “banda quando tem de ser”. Ela tem mesmo de ser. É pena é que só possa ser de vez em quando. Quando é Natal [risos]. Só isso.

“Quando é Natal” é bom. Afinal de contas, o Natal é quando um homem quiser — ou quando três  homens quiserem, neste caso [risos].

[Óscar Silva] Exactamente. Neste caso [risos].

E como é que este disco nasce? Há um momento em que essas mensagens no WhatsApp começam a dizer: “está na hora” ou “olha, estou a pensar ir a Portugal”? Como é que a coisa funciona e vos conduz a esses tais três dias em estúdio, que têm esta conclusão e este resultado?

[Ricardo Martins] Nasce disso que tu disseste agora, do “olha, vou a Portugal nesta altura. Bora lá marcar estúdio.” Basicamente é isso.

[Óscar Silva] Estúdio e restaurante [risos]. 

[Ricardo Martins] Sim. Normalmente há um jantar e depois vamos gravar.

[Óscar Silva] E a partir do momento em que sabemos que o Bráulio vem, começamos a pensar mais a sério no que é que curtíamos de explorar neste disco. Depois começam as mensagens a torto e a direito, temos o tal jantarinho — normalmente um dia antes, para falar mais a sério — e no dia a seguir vamos para estúdio.

E é no estúdio que tudo acontece? Ou seja, não há composição prévia?

[Ricardo Martins] Não. Desta vez houve esse dia, em que fomos os dois fazer aquela malha, “O Indivíduo é Mau”. Mas ela também não existia. Também a fizemos lá. Acho que tínhamos umas coisas que fizemos aqui, na sala de ensaio.

[Óscar Silva] Sim, essa foi um bocadinho mais cuidada.

[Ricardo Martins] Mas, normalmente, não. Nós chegamos, começamos a tocar e, “olha, isso é fixe!” Os últimos discos todos, temos gravado com o Bruno, do estúdio Black Sheep, que também já conhece esta loucura toda e que está sempre pronto. Ele está sempre a gravar. Então estamos lá a tocar, a curtir e a certa altura começa-se a gravar a malha. Normalmente começa com um: “olha, Bruno, vamos fazer um metrónomo desta malha, agora.” E a partir dali estamos a compor, estamos a gravar, sem muitas hesitações. Uma cena que também é muito fixe — e nós tiramos muito prazer disso — é irmos para estúdio experimentar coisas que nunca fizemos e que, se calhar, não podíamos fazer noutras bandas. E usar o estúdio muito como um instrumento: vamos para lá, já a sabermos que queremos explorar, usar as fitas, curtir com pedais e, às vezes, levamos uns brinquedos. Desta vez o Bráulio levou também umas coisas…

[Óscar Silva] É um bocado estúpido e nem sei se devíamos dizer estas coisas.

Por favor, digam.

[Óscar Silva] Já há dois ou três discos que tem sido assim: eu acabei por não conseguir levar o meu material, mas há muito material no estúdio; e a cadeia de pedais que eu escolhi para este disco surgiu de eu, ao chegar lá, ver o que havia e o que gostava de experimentar. É dai que vem a sonoridade do disco, pelo menos da minha parte. Às vezes consigo reconhecer os discos assim: “olha, este foi aquele em que eu usei o wah-wah”. Há sempre um novo e eu consigo ver, na minha cabeça, quando usei este ou aquele pedal. E isso é engraçado.

Muito curioso o que tu estás a dizer, porque há dois designers na banda.

[Ricardo Martins] Há três, na verdade!

[Óscar Silva] Mas só dois “a sério”.

Mas é uma banda de designers. Portanto tudo isto é muito desenhado, nesse sentido de que não há um risco a mais que não pertença ali, não é?

[Óscar Silva] Sim. Nesse aspecto, acho que sim.

[Ricardo Martins] Sim, é uma cena muito louca. Imagina, gravamos qualquer coisa e em vez de criarmos outra camada, vamos agarrar naquilo e processar. Portanto, depois de gravarmos durante um dia, se calhar passamos o segundo dia quase todo a tirar a processar ou a destruir as coisas, de alguma forma.

Ou seja, a aplicar filtros e efeitos?

[Ricardo Martins] Sim, sim. Pelo menos nos últimos tempos tem sido muito assim: “Agora vamos passar tudo por fitas, vamos modular em tempo real e vamos brincar um bocadinho com isto.” Nós fazíamos muito isso na voz. Neste disco até fazemos um bocadinho menos. E depois temos estas decisões, que são conscientes. Isto parece assim uma loucura [risos]. Mas nós fazemos isto conscientemente.

É curioso estares a dizer isso, porque eu pensei em dub em vários dos momentos em que estava a ouvir o disco.

[Ricardo Martins] Faz todo o sentido.

Ou seja, há coisas que acontecem na sala de gravação, mas depois o que também acontece na mesa de mistura, a seguir à sala de gravação, também é muito importante. 

[Ricardo Martins] Sim, é mesmo super importante.

[Óscar Silva] Em pouco tempo, o peso de cada uma dessas coisas torna-se um bocado mais perceptível. É o que o Ricardo estava a dizer: tendo esses três dias, às vezes até temos de optar por, no primeiro, só captar, no segundo destruir ou fazer seja o que for e, no terceiro, misturar. Ou seja, todos os três dias têm um grande peso.

[Ricardo Martins] Depois também há uma coisa gira nisto, que é: o Bruno já faz muito parte destas gravações e percebe um bocadinho por onde é que nós estamos a tentar ir. Por exemplo, aconteceu que, nesse dia, ele até dava sugestões, do género, “epá, vocês estão a processar imenso a voz e têm a voz sempre muito modelada. Até me está a soar bem estar um bocadinho menos processada. O que é que vocês acham?” E nós aí também abrimos um bocadinho a conversa sobre isso e acaba por ser fixe.

[Óscar Silva] E pegando no bombardeiro outra vez, há um tempo limite para a gente rebentar aquela merda. Portanto…

“Já só temos combustível para mais 300km! Larga as bombas!”

[Óscar Silva] Fazemos isso ou não? [Risos]

[Ricardo Martins] E há uma cena gira. Como estamos muito à vontade, sentimo-nos muito em casa e não há muito um “a partir desta hora, acabou.” Estamos um bocado na boa. Normalmente acaba pela exaustão de um dos membros nesse. “Epá, estamos muito cansados, vamos para casa” (risos). Normalmente é assim. E também não há a pressão de… Um disco pode ter três malhas, pode ter duas, pode ter sete ou pode ter vinte. Acho que isso também a que aquilo que nós estamos a construir seja um bocado mais livre. 



Vamos ouvir isto em palco em breve?

[Ricardo Martins] Esperamos sempre que sim. Há um plano louco, que esperamos que aconteça, e que, se calhar, implica irmos visitar o Bráulio.

Ou seja, a apresentação vai ser em Nova Iorque.

[Ricardo Martins] Não sei se lhe podemos chamar apresentação, mas há o plano de irmos para lá fazer barulho.

Quando?

[Ricardo Martins] Não sabemos, começámos agora com essa ideia.

Porque — e agora puxando pelo lado do design — eu comprei dois ou três daqueles livros que o Bráulio edita. Tenho-os na prateleira. E quando folheio aqueles livros, com os projetos que ele foi criando, em muitos dos casos eu fico a pensar assim: “Isto é fixe na página de um livro, para se guardar numa estante, mas adorava ter visto isto colado numa parede algures.” E acontece-me a mesma coisa ao ouvir este disco, do género: “Ya, ‘tá fixe aqui, mas gramava ver isto num palco.” 

[Ricardo Martins] Num mundo ideal, nós fazíamos tour todos os anos. Aliás, nós começámos a banda com uma tour. Isto vinha um bocadinho na ressaca de Adorno, que era uma banda onde nós tocávamos os três, com mais dois amigos. Nós gravámos este disco logo como desculpa para ir em tour. E foi o que aconteceu. E foi uma tour incrível! Foi das mais incríveis que fizemos!

[Óscar Silva] Infelizmente né? Porque se fosse uma merda, era mais fácil.

[Ricardo Martins] Foi muito fixe e ficámos sempre naquela de, “agora vamos em tour outra vez, todos os anos, com esta banda”. Mas percebemos muito rapidamente que tínhamos de optar entre gravar ou dar concertos.

Os Beatles a dada altura também decidiram que não tocavam mais ao vivo e só gravavam discos.

[Ricardo Martins] Sim. Pois [risos].

Não sei se já ouviram falar dessa banda [risos)…

[Ricardo Martins] Ouvi umas cenas. Acho que há um documentário ou dois a falar sobre eles [risos].

[Óscar Silva] Foram descobertos aí há pouco tempo [risos]. E os discos que eles fizeram sem andar a tocar ao vivo não são nada maus. É verdade.

[Ricardo Martins] E têm uma coisa muito boa, que é a experimentação, a disrupção.

É precisamente isso: a mesa de mistura também representou um papel nesses discos.

[Ricardo Martins] E eu não sei se não haverá uma correlação entre tu estares a compor não para tocar ao vivo, mas para editar só, para estar gravado. Porque há coisas que nós fazemos neste disco que, ao vivo, eu não faço a mínima ideia de como fazer.

Será a mesa de mistura o vosso palco? O palco principal de PAPAYA?

[Ricardo Martins] Pelo menos para já, acho que tem de ser.

E por outro lado, vocês que são designers habituados a aplicar as vossas visões a coisas que depois têm uma tradução física, onde  é que está o vinil deste projeto?

[Ricardo Martins] Pois, isso temos de falar com o pessoal da Revolve. Há desejos de lançar. Nós começámos mesmo pelo vinil, na altura pela Adágio, o segundo pela Revolve, depois tivemos a tape e agora temos estado a lançar mais digital. Acho que a explicação aí também é: se tu não tocas ao vivo, acaba por ser uma banda difícil de justificar no que toca a fazer um investimento para fazer um vinil. 

Temos o caso dos SAULT, que ainda não deram um único concerto e já vão com mais de dez discos todos lançados em vinil. Aproveitem a inspiração.

[Ricardo Martins] Miguel, se estás a ler isto… [Risos]

Digam-me uma coisa: olhando para o mais vasto panorama da música portuguesa e no dia em que o vosso sétimo volume sair em vinil, qual é o sítio mais correto para o arrumar? O que é que vocês entendem, olhando para o panorama presente da música portuguesa, como sendo os vossos pares? Aquelas bandas, projetos ou artistas com os quais vocês sentem algum tipo de afinidade.

[Ricardo Martins] Acho que a maneira mais simples de falar sobre isso é, se calhar, recorrendo a gente de quem nós gostamos, malta que sentimos que faz parte do mesmo universo, não tanto musical mas mais das pessoas, mesmo.

Universo filosófico, ético, artístico… Ok.  Mas quem? Ainda não me disseram um único nome. Parecem políticos!

[Ricardo Martins] Dentro do universo da própria Revolve, o Chinaskee, com quem nós tocámos no último concerto, fará todo o sentido, até pela energia que as malhas têm. Os GUME, por exemplo. À partida, é sempre daquelas questões difíceis, estão tantos nomes na minha cabeça neste momento que é complicado. Mas diria GUME, Chinaskee ou os Unsafe Space Garden.

Há um momento em que o disco fica terminado, o processo criativo tem um ponto final e que vocês se tornam ouvintes das vossas próprias criações. Como é que lidam com isso e o que é que sentem ao assumir essa posição passiva de fazer play e simplesmente recostarem-se e estarem a ouvir?

[Óscar Silva] Para mim, é uma coisa que não faço com muitos outros projetos em que estou — acho que quase nenhum — como faço com PAPAYA. Porque, lá está, é tão “aquele momento”. Tu passaste ali aqueles três dias, gravaste aquela cena, misturaste, saiu cá para fora e depois não dás aquele seguimento, dos concertos de apresentação, do tocares a torto e a direito. Consigo agarrar-me muito mais aos discos e visitá-los. Até os consigo, de alguma forma, curtir mais.

Vocês são fãs de vocês próprios?

[Óscar Silva] Sou muito fã!

[Ricardo Martins] Eu sou fã da banda, mas, acima de tudo, sou fã deles os dois [risos]. E a cena fixe é, imagina, eu às vezes não sei o que é que gravei! É bué fixe. Eu passo muito tempo a fazer barulho, que não [soa a] bateria, e às vezes eu nem sei se fui eu que fiz aquilo ou não. Há uns ruídos e, “se calhar é modulado, se calhar é uma fita de uma coisa qualquer que se trabalhou, se calhar é uma cadeia de pedais.” Eu já não sei bem. Às vezes é fácil de identificar. Outras vezes, como é um bocado misterioso, tu vais ouvir e começas a topar pormenores novos. Eu também ouço muito mais esta banda do que outras onde estou.

[Óscar Silva] É a questão do afastamento. O afastamento físico existe e, depois, acabas por te afastar um bocado mais daquilo que fizeste. Porque está feito e pusemos um ponto final naquilo. Não sei. Ouço realmente com outros ouvidos. Dá-me uma cena diferente.

[Ricardo Martins] E porque também há muitas surpresas. Desta vez o Bráulio trouxe letras, o que não é muito comum.

Mas estavam em posters incrivelmente desenhados ou estavam no iPhone?

[Ricardo Martins] Estavam no iPhone, claramente. Estavam nas notas do iPhone.

[Óscar Silva] E é designer o gajo!

Bráulio, estás a falhar! Uma palavra para ti: serigrafia.

[Ricardo Martins] Muita bom [risos]. Ele mostrou-nos aquilo dois dias ou três antes, lemos, conversamos um bocadinho sobre aquilo, mas está tudo ok. Mas só lá é que tu percebes o que é que ele está a imaginar a nível de voz. E nós também gostamos de lançar desafios uns aos outros. O Bráulio até é quem costuma fazer mais isso.

[Óscar Silva] Disseste mais, ou demais? Não percebi.

[Ricardo Martins] Mais e demais, o que também é fixe [risos]. Mas às vezes é tipo, ”olha, vai lá para dentro.” E lá diz não sei o quê. Imagina que diz “inserir aqui voz meio robot fora de tempo” ou assim uma coisa que seja impossível de passar para som. Dão-te uma imagem e é isso que tu vais fazer lá para dentro.

[Óscar Silva] Dizes “ok”.

[Ricardo Martins] Aqui diz-se sempre “ok”. E tu vais para lá e até resulta. Se não resultar tanto, também é fixe. 

O erro é uma parte importante do processo criativo.

[Ricardo Martins] Bué importante.

E para terminar: qual foi a playlist que vos acompanhou nisto? O que é que vocês andam a ouvir quando estão a criar este tipo de coisas? Eu não acredito na criação em vácuo. Eu acho que nós estamos sempre a receber estímulos. 

[Ricardo Martins] Pá, nós estamos sempre a ouvir música e sempre a trocar música uns com os outros.

E o que é que vos entusiasmou nestes últimos tempos? 

[Óscar Silva] Por acaso, na altura em que fizemos este disco, lembro-me que andávamos a ouvir bué Beak> e que trouxemos bastante Beak> para o disco.

[Ricardo Martins] E eu acho que a malha que fomos gravar os dois, sozinhos, ainda vem um bocado na ressaca disso.

Beak> de Geoff Barrow? Adoro isso.

[Óscar Silva] Grande boss.

[Ricardo Martins] É incrível. Também tem um bocado essa coisa do estúdio como instrumento.

[Óscar Silva] Não sei se sou mais fã de Beak> ou do gajo, porque ele é fera. Depois temos umas coisas que nos acompanham desde sempre, que são sempre inspirações. Vamos buscar sempre os Devo, vamos sempre buscar os Ex Models.

Eu acho que vocês são a primeira banda portuguesa que eu ouço mencionar Devo!

[Ricardo Martins] Melhor banda de sempre! Somos todos muito fãs. A certa altura, o Bráulio desenhou os uniformes para nós termos, mas em PAPAYA.

[Óscar Silva] Naquela de “vamos tocar todos assim, vamos usar isto”. Não eram chapéus, mas era uma coisa diferente assim só para dar um twist.

[Ricardo Martins] Pode ser que aconteça, um dia. Mas depois também tem a ver com outras coisas, como Man or Astro-man?. Para este disco, em particular, ouvimos muitas bandas sonoras. Fomos falando sobre isso, mas não tenho a certeza que tenha ajudado em qualquer coisa no disco.

Houve alguma maquineta, efeito ou ferramenta que tenham usado neste disco e que nunca tinha entrado no arsenal em nenhum dos projetos anteriores?

[Ricardo Martins] O synth modular, acho que foi a primeira vez nesta banda.

ADDAC System ou outra coisa qualquer?

[Ricardo Martins] Um Eurorack e a bateria toda a passar… Uso uns sensores em algumas peles a passar para esse Eurorack. De resto, é um bocadinho o habitual. Mil cadeias de pedais, muitas fitas…

Que delays estão a usar? Copycat? Space Echo?

[Ricardo Martins] Exactamente. Usámos um Copycat. Mas uma versão alemã de um Copycat, uma coisa licenciada. Tentámos usar um Space Echo, mas estragámo-lo nos primeiros minutos.

[Óscar Silva] E aquilo estava a soar incrível.

[Ricardo Martins] Às vezes usamos, em paralelo, dois delays de fita, que têm pequenas oscilações e tu ganhas coisas daí. Estávamos a curtir isso. Mas o Dynacore encostou logo à box no primeiro dia e não pegou, teve logo stresses. E depois ainda houve um Space Echo que durou dois minutos. Isso vai acontecendo neste tipo de material, porque são frágeis e, se calhar, também são coisas que não são usadas com muita frequência.


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