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Fotografia: Ian Witchell
Publicado a: 12/12/2022

Um encontro inevitável.

Panda Bear & Sonic Boom: “Se uma canção é realmente boa, não há maneira de estragá-la e apagar a sua magia”

Fotografia: Ian Witchell
Publicado a: 12/12/2022

A partir de Portugal, a dupla Panda Bear & Sonic Boom fez um dos melhores álbuns do ano para a Stereogum: Reset aparece em 21º lugar na lista da publicação americana, sendo seguido por Mr. Morale & The Big Steppers (de Kendrick Lamar). Em nove faixas, dois “sampladélicos” olham para outras décadas (as de 50, 60, 70 e 80, mais concretamente) e dão-lhes as suas roupagens, as visões de um universo que deixa de ser paralelo e alternativo passando a concreto e real — nem que seja durante cerca de 39 minutos. Não há muito tempo, o Rimas e Batidas foi ter com o duo para perceber o que os une e a ciência (ou a magia; quem sabe se ambos?) para construir um disco que, segundo os dois músicos, tinha mesmo de acontecer.



Quando é que a dinâmica da vossa relação, que era de artista e produtor, se transformou? E o que é que provocou essa mudança?

[Panda Bear] Acho que temos amadurecido juntos, tanto a nível pessoal como a nível musical, desde que começámos a colaborar. Nem foi algo que tenha sido debatido entre nós, simplesmente aconteceu, de forma orgânica e, talvez, lenta. No início eram apenas misturas. Agora temos um disco juntos em que ambos tratámos da produção e ele misturou. Isto era uma coisa meio que inevitável. Ia acontecer em algum ponto das nossas carreiras.

[Sonic Boom] Sem dúvida que foi uma evolução inconsciente. Nós não nos sentámos com o intuito de fazer um álbum, que é o que acontece na maioria dos casos. A coisa foi crescendo, faixa a faixa, até chegar a um ponto em que nos apercebemos de que já não faltava muito até termos um álbum.

Hoje em dia, em termos de estética, os papéis do autor e do produtor são mais difíceis de distinguir, não é?

[Sonic Boom] Sim. Porque os produtores trabalham de diferentes formas, tal como cada músico também tem a sua forma de tocar. Enquanto produtor, todas as pessoas com quem trabalhei eram diferentes. E acho que é assim que deve de ser: eu, como produtor, quero adaptar-me ao projecto e perceber o que os artistas procuram ou em que posso ajudar.

[Panda Bear] Creio que a canção tem de ser o mais importante de tudo. Tem de ser maior que os egos de toda a gente e todos têm de perceber quais os seus papéis. Com isto, quero dizer que, por vezes, temos de nos adaptar a outras posições. Podes não estar habituado a fazê-lo, mas tens de servir a música, em último caso. Esta é a minha opinião. Não digo que isto seja fácil de se fazer. Às vezes até é bastante difícil. Mas este deveria de ser o mantra de todos.

Quando é que a frase “vamos fazer um álbum juntos” surgiu na conversa?

[Panda Bear] Nós nunca falámos sobre isso. Foi do género, “tenho estes loops, diz-me o que achas e vê se te inspiram a fazer alguma coisa”. Eram uns 20 ou 30 loops. Alguns eram loops muito curtos, de dois ou três segundos. Podia ser um sample em repetição durante um determinado período de tempo, que eu presumi que era o período que ele considerava ser o suficiente para escutar aquilo. Também podiam ter uma conclusão, no final, ou algumas mudanças pelo meio. Mas nunca foi essa coisa do “vamos fazer um álbum”. Foi mais um, “queres tentar algo por cima disto?” Assim que fiz uns quatro daqueles, perguntei-lhe, “porque é que não experimentas cantar em alguns deles?” Que foi o que ele fez. A dada altura temos uma sete faixas e “o que é que ainda nos falta para consolidar isto tudo?” Foi nesse momento que sentimos que tínhamos um álbum. Esse só nunca foi o objectivo logo à partida.

Relativamente a esses loops, existia algum tipo de linha estética transversal a todos eles? E como é que chegaste até eles? São coisas com as quais te cruzas ou existiu uma procura mais activa?

[Sonic Boom] São coisas que vou acumulando só por trabalhar com música. Meto-me a escutar coisas e, por vezes, encontro estes pedaços tão bons, que podem estar no início ou no fim, e que, na maioria dos casos, nem têm nada a ver com o resto da canção. São apenas ideias. Para os temas do disco usámos, principalmente, os inícios desses loops. Na “Save The Last Dance For Me” há uma cena orquestral. Vou encontrando estes pequenos pedaços.

Olhando para os créditos, no Spotify, vi nomes como Doc Pomus ou Mort Shuman. Queriam, de alguma forma, gerar um eco no presente daquilo que foi feito pelos The Wrecking Crew?

[Sonic Boom] Sim. Essa foi umas das coisas. Ouvimos as coisas dos The Everly Brothers, dos The Drifters, e eles tinham os músicos de sessão mais extraordinários. Tenho MP3s disso com pouca qualidade, sacados do YouTube e convertidos. Eu procuro sempre pelos melhores. Inicialmente eram apenas provisórios. Mas as gravações eram tão boas. No final, “isto não está estragado, só tenho de o arranjar”. Nunca tentámos trocá-los por ficheiros áudio de qualidade superior. Há muita magia naquelas gravações e acho que isso traz logo uma boa vibração.

É bonito ver que essas coisas conseguem sobreviver até à conversão digital mais manhosa [risos].

[Panda Bear] É isso que eu sinto em relação às boas canções. Se ela é realmente boa, não há maneira de estragá-la. Consegues, talvez, ofuscar o seu brilho, mas não consegues apagar a sua magia.

Se esses sons soavam bem naqueles pequenos transistores da altura, então soam bem em qualquer outro lado.

[Sonic Boom] Claro. Se soavam bem naqueles transistores merdosos… Eles sabiam o que estavam a fazer, certamente. Temas como o “Save The Last Dance For Me”, que é um standard, praticamente não são conhecidos por ninguém abaixo de uma certa idade. Vem de um período mágico da música, os anos 60, que foi uma altura em que muita coisa aconteceu num curto espaço de tempo.

[Panda Bear] Também há aquela coisa do “menos é mais” na abordagem. Eles não tinham efeitos, certas máquinas de estúdio. Eles tinham, literalmente, de montar os microfones. Os microfones tinham de estar posicionados de forma muito específica. E não há aquela coisa de poderes consertar algo depois da performance. A performance tem de ser perfeita.

E a personalidade do espaço também tem de ser perfeita.

[Panda Bear] Sem qualquer dúvida.

Li uma história engraçada sobre o Rudy Van Gelder. Sempre que ele tinha músicos de jazz a gravar no seu estúdio, em Nova Jérsia, havia uma sessão fotográfica no final. Ele pedia sempre aos fotógrafos para esperarem enquanto ele arrumava os microfones. “Eu não quero revelar os meus segredos.”

[Sonic Boom] As pessoas conseguiam ser mesquinhas a esse ponto. O Joe Meek, por exemplo, também era cheio de segredos. E a maioria das pessoas que fala das técnicas deles, lá por saber quais são, não significa que consigam soar igual a ele. Mas acho que as coisas são melhores como estão agora. A informação é partilhada e as pessoas são muito generosas.



É como se existisse alguma magia em torno disso, não é? Não apenas física e ciência.

[Panda Bear] E existe, de certa maneira. Mas temos de ter os pés assentes no chão. Talvez tivesse que ver com o humor das pessoas naquela altura, se as pessoas se davam bem umas com as outras ou não. Só essas duas coisas já podem influenciar a produzir um resultado e uma energia diferentes. Talvez isso seja a tal magia de que falas.

[Sonic Boom] Eu acho que existe magia quando consegues fazer qualquer coisa com os microfones que te vai levar a experimentar aquilo mais vezes. Sentes aquele, “ah! É isto mesmo!”

Vocês escolheram uma data muito específica da história da música para servir de base para o vosso projecto. Será uma espécie de comentário ao actual estado em que a música se encontra?

[Sonic Boom] Aconteceu por acaso. Aqueles loops tinham todo o tipo de coisas. Também dos anos 70 e 80.

[Panda Bear] Aconteceu que tudo o que eu escolhi vinha da mesma era.

[Sonic Boom] A verdade é que muita coisa aconteceu naquela era. Desde os anos 50 até ao final dos anos 70, especialmente.

Qual é o vosso plano agora? Vão andar com este trabalho em digressão?

[Panda Bear] Um bocado. Uma semana aqui e ali. Não serão digressões super longas. Queremos ir a determinados locais, mas tudo em viagens curtas, de preferência.

Li recentemente o anúncio feito pelos Animal Collective e não posso deixar de te perguntar: está a tornar-se cada vez mais difícil ocupar um certo lugar na música quando não se é uma Taylor Swift ou um Drake? Sentes que vocês ainda têm uma voz e um público mundial que vos quer ver, mas que se está a tornar impossível de o fazer?

[Panda Bear] Está a ficar mais difícil, sim. Ou está a ficar mais difícil tendo em conta a forma como nós queremos fazer as coisas em Animal Collective. Umas das razões pelas quais optámos por aquela formação foi por ser fácil, móvel e barata, de modo a que não tivéssemos de recusar oportunidades para tocar. E, também, pelo lado ecológico e ambiental que isso acarreta. Não queríamos ter montes de gente a voar nem uma equipa demasiado extensa. Em Animal Collective tentámos sempre fazer tudo à menor escala possível. Durante muito tempo tivemos dificuldades em actuar pela Europa, do ponto-de-vista económico. Diria que durante uns 10 anos. Acho que a cena do COVID e do Brexit desajustaram as coisas o suficiente para que se tornasse quase impossível de fazermos um espectáculo como queremos. Parte disso tem a ver com o facto de nos termos habituado a fazer grandes produções ao vivo. Nós falamos disto uns com os outros: nenhum de nós quer largar esse lado das apresentações ao vivo.

Falas dos visuais, dos cenários e por aí?

[Panda Bear] Sim. Todas essas coisas. São cenas mesmo muito caras.

E vocês tentam fazer tudo isso caber numa pequena mala de viagem.

[Panda Bear] É quase isso.

[Sonic Boom] A nossa ideia com os visuais era a de montar algo que fosse fácil de usar. Ter algo que possa ser como um acrescento ao que já existe nas salas. E isso significa que também temos de ser selectivos no que toca à escolha dos espaços onde vamos tocar. Há que ver se eles têm tudo aquilo que é necessário. Quanto menos equipamentos precisarmos de levar, melhor.

Estar em Portugal ajuda ou dificulta em toda essa logística?

[Sonic Boom] Lisboa tem uma óptima ligação com a Europa. E mesmo para a América, consegues voar para umas quantas cidades. Eu não sinto qualquer dificuldade acrescida por estar a viver aqui.

Aqui estamos nós na Padaria do Povo e vocês não podiam estar tão integrados como agora. Sentem que este disco teria sido diferente se fosse feito noutro lado qualquer?

[Sonic Boom] Acho que soaria diferente. Seja qual for o chapéu que estás a usar — o de produtor, o de editor, o de compositor, o de misturador… — tudo será influenciado pelas vibrações do que te rodeia. Se tu gostas do sítio onde estás, isso vai sentir-se na música. Tal como se viveres frustado num outro sítio qualquer, isso vai reflectir-se na música que fazes.

Já fizeste mais trabalhos por cá além deste? Sei que estiveste a produzir no Namouche.

[Sonic Boom] Fiz este disco com o Noah. Fiz outro com Iceage. As pessoas adoram vir cá trabalhar [risos].


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