Dois anos de carreira não chegam para definir o futuro mas no caso de Pa Salieu já nos dá uma ideia bastante clara do patamar ao qual a nova voz da cena urbana britânica quer chegar.
“Já sou um homem grande”, diz-nos o artista que nasceu em Slough, Berkshire, numa breve troca de impressões antes da entrevista concedida ao ReB através do Zoom. O nome, Pa Salieu, herdou de um tio, mas este não é o único elo de ligação entre o jovem de 22 anos e o passado da sua família, originária da Gâmbia. Ainda em criança, Pa passou vários anos a viver com a avó naquele país do continente africano e isso nota-se no seu sotaque, uma das características que rapidamente se destacam na sua música. E embora tenha uma tia que é cantora de folk, o fascínio pelo som já lhe surgiu “tarde”, numa das suas viagens, quando entrou pela primeira vez num estúdio e percebeu as maravilhas que de lá podem surgir para os nossos ouvidos.
A partir de 2018, a fama tem-lhe chegado através do circuito do trap e do drill, os géneros que conotaram os primeiros momentos da sua trajectória e que o levaram à Mixtape Madness, o canal onde alguns dos seus primeiros videoclipes se encontram e que lhe deu um enorme destaque num longo ensaio de apresentação. Dessas amostras de talento em bruto surge o convite para ingressar na Warner Music, a editora pela qual tem lançado os seus mais recentes sucessos, como “Frontline” ou “My Family”, e onde já demonstra uma maior maturidade no que toca à estética que quer para a sua discografia, algo já bastante patente em “B***K“, tema no qual recupera alguma da herança cultural que absorveu dos locais que viram nascer os seus antepassados.
Ontem, Pa Salieu deu um pequeno concerto para o YouTube e editou “Block Boy” como forma de festejar o anúncio daquela que será a sua primeira mixtape. Send Them To Coventry vê a luz do dia a 13 de Novembro e vai englobar 15 faixas e será um projecto despido de géneros por parte de um jovem ambicioso que não quer confinado a uma só caixa.
Já fazes música há um par de anos. Como é que tudo começou?
Numa das minhas viagens tive a oportunidade de ir a um estúdio. Apaixonei-me pelo espaço [risos]. Não era um estúdio muito bom mas eu apaixonei-me pela facilidade com que consegues passar as tuas palavras para um software. Depois, quando ouves, notas aquele sentimento, a vibe, sabes? Adoro isso.
Mas antes de teres visitado esse estúdio já tinhas ponderado fazer música? Já tinhas tido a ideia de escrever rimas, por exemplo?
Eu anotava alguns dos meus sentimentos e pensamentos, aquilo que eu vejo. Tirava algumas notas. Mas ainda não era música. Isso só veio depois dessa primeira sessão [de estúdio].
És aquele tipo de pessoa que se deixa guiar pelo instrumental ou as músicas partem primeiro da tua cabeça com base nas letras?
Comigo é estranho. Eu ouço o beat. Ouço-o dentro da minha cabeça. Não sei. Eles metem o beat a tocar e eu desenho um flow na minha cabeça. Nem sei bem como o faço. Deixo-me levar pelo que ouço. É uma coisa espiritual.
És muito versátil dentro de todo esse processo. Já te ouvimos a cantar trap, drill, cenas mais orientadas para o afroswing. Como é que te descreverias neste momento enquanto artista? Presumo que o termo “rapper” já soe algo limitado para alguém tão expansivo como tu.
Não tenho um género. Não me vou colocar dentro de uma caixa. Tipo, eu sei aquilo que vejo e aquilo que quero fazer passar cá para fora. Se a minha voz é um instrumento porque é que eu deveria limitar-me a um género? Não faz sentido. Eu até posso lançar [música] e não bater. Aliás, até é melhor eu ter esta variedade de flows. Isso significa que diferentes tipos de audiências vão chegar até mim. Elas vão dar a oportunidade de ouvir. A música é uma cena… Tu se quiseres podes só sentir a vibe ou, então, podes prestar-lhe mais atenção. Eu só quero garantir que toda a gente possa sentir a vibe, se quiser, ou tentar ouvir mais atentamente para perceber de onde é que eu venho. Isto é música, é expressão. Não pode ser limitado.
Falas na tua voz enquanto instrumento. Imaginas-te também a dividir estúdios e palcos com outros instrumentistas ou segues aquele formato mais tradicional do hip hop, composto só por voz e beat?
Eu trabalho com uma banda. Isso é que é música. Eu sei que faço parte desta geração moderna em que já não existem muitas bandas. Mas isso é que é a essência da música. Não existem regras e eu não tenho um só género. Por isso eu posso fazê-lo, por não me estar a colar apenas ao rap. Se tu pensares apenas em ser rapper, a tua mente não vai fazer nada para além de rap. Respeito todos os meus amigos que apenas fazem rap, até porque foi daí que eu vim, das rimas e das melodias. Eu quero usar a minha voz da maneira devida. Isto é algo que Deus me deu. Até porque eu nunca tinha feito música. Eu nem sei de onde é que isto veio. Mas fiquei crente. Se me deram este talento, eu vou usá-lo.
Neste curto espaço de tempo passaste rapidamente de fenómeno local a promessa à escala nacional, sendo que agora até estás ligado à Warner Music. Como é que tudo aconteceu?
Eles descobriram os meus freestyles em vídeo, os da Next Up?, para a Mixtape Madness. Depois. eu andei por Londres a trabalhar com produtores. Na minha primeira reunião com eles, eu apenas disse: “estou aqui pela cultura. Este sou eu”. E eles entenderam a ideia. É difícil fazer as pessoas perceberem de onde vens, a tua cultura e aquilo que estás a tentar fazer. Mas desde essa primeira reunião, tudo aquilo que nós falámos mantém-se. Eu vejo isso. É exactamente como nós discutimos. A cena está trancada. Sabes que há pessoas que vão tentar mudar-te com isto e aquilo. Eu vejo tudo isso. Isto é uma jornada. Agora sinto-me confortável e estou focado em trabalhar.
Li algo recentemente que me deixou bastante curioso: tu estiveste em estúdio com a FKA twigs.
Ela veio falar comigo e eu senti a energia dela [risos]. Boas energias. Ela é como uma irmã. É gente boa.
Ajudaste-a num projecto dela ou também colaboraram para algum lançamento teu?
Trabalhámos para um projecto dela e também para um projecto meu. Ela deu-me conselhos.
Antes disso já tinhas visto a tua música ser revisitada pelo Kwes Darko e pelo Yussef Dayes. Como é que eles surgem em cena?
O Kwes é meu “irmão”. É família. Ele foi um dos primeiros produtores que eu conheci quando assinei [pela Warner]. Foi logo no dia em que assinei que o conheci. Ele é muito boa pessoa e desde então que temos estado ligados. Ele tem-me aconselhado desde aí. É o meu irmão mais velho. E o Yussef Dayes conheci uns três ou quatro meses depois disso. Foi numa sessão. Ele é baterista e todos os sons importam. Não existe discriminação em torno de nenhum instrumento. Só me faz sentido assim. A música fala por si e a vibe dele e do Kwes é diferente.
Então, o Yussef Dayes foi músico de sessão para o teu projecto e foi daí que surgiu a ideia de ele remisturar o “Frontline”?
Sim. Foi isso.
Ele é um monstro do jazz!
É um monstro, sem dúvida. Mas um monstro humilde! Ele é muito humilde. As coisas têm-me corrido bem, sabes? Tenho conhecido gente com energias muito boas. Tu podes misturar-te e ir ao encontro das pessoas erradas mas isso não me aconteceu. Tenho-me mantido isolado. Acho que a energia funciona como um íman. As boas energias vão sempre aparecer. É isso que procuro. Vejo como as coisas estão a correr e estou entusiasmado com o meu crescimento. Se eu só faço música há dois anos, quero ver como é que as coisas vão crescer mais adiante. Estou entusiasmado para aprender mais.
Falando dessa ideia de magnetismo, há alguém que gostasses de conseguir atrair mas que ainda não tenha acontecido?
Tudo se baseia nas energias. Mas eu quero colaborar com pessoas diferentes, não apenas em Inglaterra. Nem apenas na América. Diferentes tipos de artistas. Isto é música e não existem regras. Quero colaborar, se puder… Não. Eu hei-de conseguir ir buscar beats a diferentes países. Eu quero trabalhar com alguém do Brasil, de Portugal, da Suécia, de França, Itália, Jamaica, Trinidad e Tobago, Gâmbia, Nigéria… É para isso que eu estou virado. Esta cena da música é muito maior do que parece ser. Quero conectar-me e estou entusiasmado para explorar outros sons. Até hei-de aprender a fazer os meus próprios beats um dia destes [risos].
É algo que já tentaste fazer?
Uma vez só. Eu co-produzi uma vez com o meu mano Jam. Ficou aceitável o meu primeiro beat. Quase uma porcaria [risos]. Mas eu também não conseguia rimar naquele tipo de beat.
Até agora ainda só tivemos singles da tua parte. Já pensas num projecto de estreia? Há por aí algum EP, mixtape ou álbum a caminho?
Tenho uma mixtape que vai sair muito, muito, muito em breve.