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Fotografia: Pedro Roque
Publicado a: 06/10/2021

Um dia de aventuras sónicas no festival barreirense de música exploratória.

OUT.FEST’21 – 5 de Outubro: o esplendor que se encontra na exploração de ritmos e texturas

Fotografia: Pedro Roque
Publicado a: 06/10/2021

À chegada do Parque Paz e Amizade, no Barreiro, pelas 18 horas, a numerosa multidão localizada à sua entrada fazia-se notar; afinal, todas aquelas pessoas ansiavam pela primeira actuação do dia, a de João Pais Filipe e Manongo Mujica no anfiteatro do Parque. A apresentação ao vivo da colaboração entre estes dois percussionistas surge no âmbito de uma residência do projecto REMAIIN — dedicado à exploração transatlântica de música experimental e do qual o OUT.FEST é entidade parceira –, procurando estabelecer uma ponte musical entre os seus respectivos países de origem: Portugal e Peru. 

O mote de partida foi dado com o romper de um gongo amplificado, friccionado por um arco de violino por parte de Pais Filipe, antecipando a sua passagem para um kit personalizado de percussão onde se manteria praticamente durante todo o concerto. Manongo Mujica, por sua vez, iniciava a sua prestação recorrendo a um conjunto de instrumentos mais exóticos (incluindo dois hang drums, uma mbira, um balafon e diversos chocalhos), contrapondo uma interpretação mais livre perante a já habitual firmeza do minimalismo polirrítmico do português. Este contraste, porém, não poderia ter resultado de melhor forma, mostrando dois mundos singulares unificados de uma forma bastante natural. 

A eventual transição de Mujica para a bateria – primeiro num registo mais textural, para de seguida complementar polirritmicamente a pulsação rígida de João Pais Filipe – adensou cada vez mais o clima sonoro sentido no anfiteatro, e a despedida foi feita através de um autêntico coro drone para três gongos e uma shuruti box que desaguaram num ritmo percussivo gradualmente visceral por parte dos dois músicos. A intensidade sentida no fim da actuação notou-se perfeitamente no fôlego ofegante do percussionista peruano no momento de agradecer ao público e à organização.

A segunda actuação do dia desdobrou-se, na verdade, em três interpretações de peças da série Occam Ocean, da compositora Éliane Radigue, e teve lugar na Igreja de Santa Maria, a partir das 21h30. Ao entrar no local, foi impossível não saltar à vista a autêntica comunhão festivaleira que preenchia a lotação da Igreja; no entanto, a música que nos iria ser apresentada não poderia encontrar melhor tipo de local para ser apreciada na sua plenitude.

Um silêncio rompante por parte do público deu-se com a entrada em palco de Julia Eckhardt, para interpretar Occam IV. A subtileza com que Eckhardt abordou a sua viola de arco no início desta peça foi de tal forma imperceptível que se tornou fácil cair no erro de confundir os sons do seu instrumento com ruídos do exterior. No entanto, a progressão da nota tocada continuamente ao longo da peça afirmou-se à medida que a artista percorreu a sua viola até à extremidade oposta do instrumento, decrescendo ao regressar ao cavalete, e apresentando uma rica exploração de harmónicos pelo caminho. 

Seguiu-se, então, o percussionista Enrico Malatesta para interpretar Occam XXVI, manipulando alternadamente a sonoridade de dois pratos através de técnicas como a abertura e fecho dos mesmos ou a utilização de um arco de violino para os friccionar. Isto resultou na criação de diversos efeitos de reverberação que eventualmente se sobrepuseram ao som dos pratos e que culminaram no ressoar de duas notas em oscilação, cada uma silenciada a seu tempo, findando assim de uma forma sublime.

A última peça, Occam River XXV (em estreia absoluta no festival), para viola de arco e percussão, contou, portanto, com a presença dos dois instrumentistas. Ao contrário da peça para cada solista, aqui encontrou-se uma maior estabilidade a nível de exploração de dinâmicas, deixando que se fosse definindo pela conjugação dos dois instrumentos em simultâneo e produzindo igualmente vibrante a nível textural.

Para além da abordagem estética e da compositora em questão, existiu outro ponto de afinidade a unir as três peças nesta noite: todas foram acolhidas de forma calorosa, como se pôde verificar pelos aplausos entusiásticos do público. É mais do que certo que a música de cariz experimental ainda se mantém viva, refrescante e pronta para ser bem recebida.

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