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Texto: ReB Team
Ilustração: Riça
Publicado a: 18/01/2021

De Odete a YAKUZA.

Os melhores álbuns nacionais de 2020

Texto: ReB Team
Ilustração: Riça
Publicado a: 18/01/2021

Sem a habitual roda-viva de concertos, a música foi, em grande parte, consumida através de sistemas de som que, se cumpriram aquilo que se devia no que toca à responsabilidade comunitária de recolhimento, estavam montados nas vossas respectivas casas.

E o que é que isso significou? Olhando para o quadro geral, o hip hop é a cultura mais representada: de ProfJam & benji price e Silab & Jay Fella a T-Rex, passando por Capicua, nastyfactor, Maudito e 9 Miller, sem esquecer Sam The Kid, DarkSunn & Maria e Keso. Ou Tristany, o mais votado de 2020, que liga as pontes entre estes e, por exemplo, Scúru Fitchádu ou Dino D’Santiago. Daí para Nídia, PEDRO, A.k.Adrix e Pongo vai um pulinho…

B Fachada, Filipe Sambado, Cátia Sá, Odete, YAKUZA, Lina_Raul Refree, HHY & The Kampala Unit, João Pais Filipe e Tó Trips completam este diversificado grupo que pinta um incrível quadro do que foi o panorama musical português num ano cheio de incertezas: há rap para o mainstream e para o underground, há música electrónica da mais avançada, há canção pop a transformar-se à nossa frente e há jazznãojazz em evolução de grupo.

São 26 os trabalhos que compõem esta lista que, ao contrário dos anos anteriores, segue a ordem alfabética e, para premiar o maior número possível de projectos, conta com todos aqueles que receberam dois ou mais votos por parte da equipa ReB*.



[9 Miller] Carne de Cão

“Sabes que essa life é uma bitch“, ouve-se na primeira frase do EP de 9 Miller. Ele que o diga. O rapper da Linha da Azambuja nunca escondeu as suas origens e seu passado na sua música. Em 2020, chegou o primeiro projecto de Mauro Passinhas, Carne De Cão, um primeiro prato (e não mera entrada) de uma refeição que se vai prolongar: agora, em 2021, está para vir o primeiro álbum do “Filho Da Guida”.  

“O cuspir é que é importante”, e essa premissa é palavra de ordem no rap de 9 Miller, que não cospe no prato onde come; apesar da caneta ser a sua arma mais valiosa, o rapper que se destacou na Liga Knockout, justamente pelo pugilismo verbal, subiu ao ringue para se mover pelos quatro cantos. Eles não têm as suas bars, o seu sauce, o seu skill, o seu estilo, o seu flow. É dessa fibra que se fazem os campeões, e é por isso que 9 Miller está agora preparado para combater em qualquer liga ou peso. 

– Paulo Pena



[A.k.Adrix] Código de Barras

Num ano catastrófico para tudo o que esteja relacionado com o mundo dos espectáculos, não nos faltaram pelo menos as bandas sonoras ideais para que pudéssemos imaginar-nos bem no centro de uma pista de dança. A Príncipe, como é já um hábito seu, ofereceu-nos um forte contributo neste capítulo através dos protagonistas do costume, como DJ Lycox, Nídia ou Blacksea Não Maya. Quem também disse “presente” no catálogo da editora lisboeta para 2020 foi A.k.Adrix, anteriormente conhecido como P.Adrix, que esculpiu este manifesto sonoro que encontramos em Código de Barras, um álbum que funde electrónica de vanguarda com o kuduro que se tem vindo a manifestar na era do pós-rave. Em 11 temas, o DJ e produtor sediado em Manchester percorre o concreto que solidifica o lado mais industrial do techno sem nos nunca nos proibir de viajar para outras paragens através do psicadelismo presente nas suas percussões mais tribais.

– Gonçalo Oliveira



[B Fachada] Rapazes e Raposas

Bendito maluco. B Fachada mete tudo aqui dentro: a memória da nossa música popular que aprendeu nos discos do Fausto e do Zeca e que aprofundou a ver O Povo Que Ainda Canta do Tiago Pereira; a África dos discos que os cabo-verdianos gravaram em Lisboa nos anos 80 e 90 com pouco mais do que uma guitarra, um sintetizador e um poço sem fundo de saudades; alguma folk psicadélica para um tempero mais erudito; e um bocadinho de Luís Cília, talvez aprendido nas inusitadas voltas d’A Regra do Fogo. E, além de tudo isso, há que contabilizar também a mordacidade escatológica própria de quem esmiuçou O Discurso Sobre o Filho-da-Puta, a elevada amoralidade que se construiu a custo de muito ler e de muito pensar, a capacidade de trocar as voltas à língua com a elegância de quem parece estar apenas a tropeçar numa ideia feita, como o Sérgio Godinho ensinou.

– Rui Miguel Abreu



[Capicua] Madrepérola

Em 2020, Ana Fernandes não tinha nada a provar. Ao longo dos últimos anos tornou-se num nome mais do que consolidado do hip hop nacional, afirmou-se como a maior rapper feminina portuguesa da história e transcendeu fronteiras, reais e não só, chegando a diferentes públicos. Depois de um disco de remisturas, da colaboração internacional que foi Língua Franca e do projeto infantil Mão Verde, Capicua voltou aos discos originais em nome próprio com Madrepérola. Foi, como muitos outros, um álbum castigado pela pandemia, que não pôde ser celebrado como merecia nas salas de espetáculo. É um trabalho luminoso, mais dançável, com colaborações ambiciosas e de peso e que demonstra a versatilidade e qualidade desta artista de “A” grande. Ao mesmo tempo, representa o culminar ideal de uma década preenchida e cheia de sucessos. Que Capicua tenha a palavra (e o dom da música) por muitos anos.

– Ricardo Farinha



[Cátia Sá] Da Barriga

Cátia Sá escreve letras que jogam com ideias e com palavras, com rimas e subentendidos, com subtil escárnio e lúdico nonsense, e na base instrumental ergue uma fantasia rica de detalhes, com ruídos subtraídos da natureza ou das entranhas da cidade, fragmentos rítmicos que são ecos distantes de tipologias de clube, mas demasiado fragmentados para que se perceba o seu exacto ADN, e um onírico sentido melódico que nos remete para uma certa inocência teen. Só que nada aqui é inocente: na extraordinária “Deusa da Poda”, que parece nascer de um qualquer glitch dentro da mesma máquina que um dia nos deu “Flat Beat”, o pulsar grave sustenta uma espécie de rap irónico em que se afirma que “puta é deusa” que “racha o pau” e “fica inteira”. Podia ser um hino, mas é apenas um deslumbrante pedaço de pop sério apontado não ao futuro, mas ao estranho presente em que vivemos embrenhados.

– Rui Miguel Abreu



[DarkSunn & Maria] Crooked n’ Grinded

A beatologia da Monster Jinx não se faz de devoções cegas ao clássico ou de cedências sem compromisso sério com a modernidade. O que acontece, na verdade, é um contínuo (e hercúleo) equilíbrio entre os dois patamares, mantendo um pé em cada lado com a mente aberta, renovações cirúrgicas do elenco e vontade de criar música que provavelmente não seguirá a tendência mas que nunca deixa de ser pertinente. Em Crooked n’ Grinded, os “geeks do contexto” DarkSunn e Maria transportam esse espírito roxo para a cassete e apresentam-no no seu esplendor máximo: duas gerações de beatmakers podem conviver no mesmo espaço sem colaborarem directamente e mesmo assim criar um projecto sólido que se posiciona entre o hip hop e a música electrónica para descortinar uma das poucas bandas sonoras de 2020 que vos vão fazer realmente viajar sem sair do mesmo sítio.

– Alexandre Ribeiro



[Dino D’Santiago] KRIOLA

Abre com “Morabeza” e fecha com “Morna”, uma moldura que é também um manifesto. Recruta Nelson Freitas, Julinho KSD e Vado Mas Ki Ás para trazerem o balanço afro que as vozes também carregam. Tem produção de Seji, guitarras de Toty Sa’Med e retoques de Branko e PEDRO. Tem ideias de Kalaf e contém uma dedicatória a Luís Giovani Rodrigues. KRIOLA é Dino D’Santiago a fazer cá o que os Sault fizeram no Reino Unido ou o que Kendrick fez na América: a colocar o dedo na ferida, mas para a curar, a denunciar, mas a inspirar a mudança. A dança. E a fazer tudo isso com uma música tão genuinamente moderna, tão livre, tão nossa e ao mesmo tempo tão universal que só pode encher de orgulho quem nela vê um raio de luz para o futuro que ainda é preciso construir, mas que está mesmo ao nosso alcance. KRIOLA é um vislumbre desse futuro.

– Rui Miguel Abreu



[Filipe Sambado] Revezo

Em Revezo, vemos Filipe Sambado em grande forma, ostentando uma fusão do passado com o presente sem ofuscar a sua escrita musical característica. Ouvimo-lo mais maduro, com composições musicais que demonstram uma maior complexidade, seja nas bonitas vozes que o circundam na potente abertura “Tusa Mole” ou na assombrosa tranquilidade de “No Leito”. Esta evolução é conseguida através de uma viagem no tempo: ao longo do álbum ouvimos elementos tradicionais replicados neste contexto moderno — o adufe que parece ouvir-se em “Jóia da Rotina” aliado a um instrumental electrónico com uma ginga viciante, o contagiante vira de “Gerbera Amarela do Sul” — mostrando a digna homenagem de Sambado aos que vieram antes dele. É também da nostalgia que vive a música, mas é preciso saber conjugá-la com a novidade, e Revezo mostra exactamente esse equilíbrio. 

– Miguel Santos



[HHY & The Kampala Unit] Lithium Blast

Uma explosão de lítio não será certamente algo a que queiramos assistir, ainda menos quando há sinais de que extrações de minérios contendo este elemento possam vir a acontecer em Portugal. Mas explosões como as protagonizadas pelos HHY & The Kampala Unit — grupo que junta Jonathan Saldanha e xs ugandesxs Florence Lugemwa e Omutaba — neste Lithium Blast são claramente bem-vindas, não fossem uma autêntica emissão de energia vinda do mais profundo dos espaços que nos encerram – o interior da terra e o espaço sideral. Isto porque falamos de música tão ritualesca e primitiva como futurista e visionária, música tanto para a alma – medicinal, curandeira e xamânica — como para o corpo – dançável e enérgica. São camadas percussivas que se desenham como fractais se tratassem, formando uma mescla electroacústica de texturas e ritmos cósmicos.

– João Morado



[João Pais Filipe] Sun Oddly Quiet

Ao desenhar um álbum instrumental, João Pais Filipe aumenta as probabilidades da sua proposta (que contou ao ReB em Julho de 2020): “Quero que a minha música seja universal”. Depois, cada um que tire a sua própria ilação do seu último disco, um conjunto de quatro peças onde o músico do Porto pontifica com címbalos e gongos. Mais do que identificar nele propriedades terapêuticas ou a simples delícia da percussão, há que reconhecer em Sun Oddly Quiet um triunfo de autor. “Quatro cenas: investigação, combate, labuta e catarse. (…) Um desafio possível: tentar ajustar a batida cardíaca à de João Pais Filipe.”

– Pedro João Santos



[Keso] Sinceramente Porto

A massificação do hip hop traz-nos novos praticantes desta cultura a cada dia que passa e os holofotes parecem já nem ter tempo de ir fazendo desvios para outras zonas que não a de Lisboa e sua periferia, salvo alguns casos pontuais. Mas o Porto, que tanto acompanha este nosso movimento desde o berço, nunca baixou os braços e continua a ver nascer artistas com  as credenciais necessárias para vingar no meio. Naquela que é a grande edição do ano da Paga-lhe o Quarto, Keso veste a pele de produtor — ou de olheiro, se preferirem – e acolhe alguns desse nomes que têm vindo a reclamar alguma da atenção que outros têm a mais. $TAG ONE, Pibxis, Riça, QVXNO, Lazy ou Smélio são rostos que surgem no meio de lendas e veteranos, de Ace, Fidbek e Mundo Segundo a Rato54, Berna ou Deau, numa compilação que celebra o rap com pronúncia do norte em quase 30 faixas. Momento alto de Sinceramente Porto? Johnny Virtus a partir o beat de “Bai Lá” ao meio. Fácil.

– Gonçalo Oliveira



[Lina_Raül Refree] Lina_Raül Refree

Experimentar com o fado não é incomodo, nem novidade. Por várias vezes já ouvimos exercícios de novas ideias e combinações com o género e, inclusive, tal como este, com a introdução de elementos eletrónicos na composição. No entanto, poucas apresentam a mesma frescura, eficiência e satisfação que Lina Raül Refree conseguiram imprimir nesta dúzia de clássicos que trabalharam. É perceptível todo o respeito que a fadista e o produtor espanhol tiveram para com os originais, conseguindo fazê-lo com a irreverência e a inspiração suficiente para dizerem “não” à tradição, sem o fazer ao fado. Substituíram as guitarras por uma panóplia de máquinas e um piano e com isso criaram cinematográficas composições que não se traduzem em perda da identidade, da tristeza ou da emoção. Muito pelo contrário.

– Luís Carvalho



[Maudito] Troca Tintas

A reinvenção será talvez das tarefas mais árduas para um artista. Maudito passou no teste com distinção: largou o nome Weis, deixou-se embalar por uma nova sonoridade que lhe permitisse manter a sua identidade ao nível da escrita e foi conquistado novamente o seu espaço, single a single, até desaguar em Troca Tintas, o trabalho de estreia com o novo heterónimo. Ao seu lado esteve Beiro, um dos casos mais promissores entre a nova vaga da produção nacional e dono de uma linguagem musical muito própria. No microfone, Maudito manteve a fasquia elevada, a fazer justiça ao registo com que se apresentou em projectos como Preso a Ideias Soltas, Palavras Atropeladas e Agora ou Nunca, munido das suas habituais punchlines e jogos fonéticos, com espaço de manobra suficiente para se arriscar a pisar até novos territórios, mais cantados, como acontece em “Isso É Comigo” e “Incompatíveis”. Em suma, “agora é Maudito: novo nome, mesmo hábito.”

– Gonçalo Oliveira



[nastyfactor] A Vida dos Felizes

Muitas vezes não é fácil para um artista distanciar-se do grupo onde cresceu e encontrar uma voz a solo — e desbravar um percurso de forma individual. Depois de um tímido primeiro projeto nesse sentido, o EP Adrenalina, nastyfactor afirma-se, pelo menos artisticamente, com A Vida dos Felizes. Produtor e rapper, António Silva abriu-se ao mundo neste álbum, o trabalho em que se expõe mais, tanto no conteúdo como na forma, já que vagueia por várias sonoridades, embora mantendo uma mesma linha. O resultado é um trabalho coeso, um retrato íntimo da sua mente, dos demónios que a assombram mas também das ambições e dos objetivos assertivos. Este pode muito bem ser o princípio do resto da vida de nastyfactor — o que seria uma óptima notícia.

– Ricardo Farinha



[Nídia] Não Fales Nela Que a Mentes

Que Nídia É Má, Nídia É Fudida já sabíamos. Aliás, se porventura dúvidas a esse respeito ainda existissem, foram implacavelmente dissipadas em Não Fales Nela Que a Mentes, álbum em que a portuguesa reafirmou a sua posição no escol da produção mundial. Com uma abordagem polida, mas desprovida de excessivos artífices sonoros, Nídia apresentou um trabalho de uma simplicidade paradoxalmente complexa: simples pela elementaridade das bases nas quais se assenta, complexo pelos padrões e enredos que constrói, não fossem as batidas de Não Fales Nela Que a Mentes profundamente inquietantes, desconcertantes, introspectivas e polirrítimicas. Pena não ter havido oportunidade de estrear esta pérola nas pistas de dança.

– João Morado



[Odete] Water Bender

Nos últimos anos, Odete tem construído uma carreira musical que encontra poucos paralelos no circuito português. Os seus maiores trabalhos discográficos, Matrafona, Amarração e este Water Bender, constituem uma linha continuada na pesquisa sonora da sua identidade, que tem arestas pouco definidas dentro duma electrónica que é expansiva, experimental, mas também melódica, emocional e dançada. Nessa mesma linha — naquele que é o primeiro trabalho de Odete que não é autobiográfico, e que explora a história duma heroína que usa os seus superpoderes para se suicidar depois de um desgosto — é também o seu projecto mais memorável. Além da procura por samples bem fora da caixa, as melodias tradicionais, a sua voz (que cresce a cada registo) e o seu processamento, são tudo partes do que tornam Odete cada vez mais… Odete. Não precisamos de referências para falar da sua música: a artista está a desenhar o seu percurso com um lápis que é só seu.

– Vasco Completo



[PEDRO] Da Linha

Quantos pés dançaram ao som de “Madrugada” ou da fenomenal “Calores” durante este ano? Infelizmente, menos do que esses dois club bangers de PEDRO mereciam. O artista da Damaia lançou Da Linha no início de 2020, um álbum pronto para as pistas de dança num ano em que os subwoofers estiveram em silêncio. Mas este período atípico não tira valor à estreia de um dos principais artistas da Enchufada. As colaborações são diversas e vão desde nomes nacionais como Pedro Mafama e Branko a talento além-fronteiras como Magugu ou Bryte, artistas que contribuem para um álbum de temas curtos e incisivos que vão directos ao assunto. Ainda que não seja o apogeu musical de PEDRO, garante que vamos bater o pé enquanto esperamos. 

– Miguel Santos



[Pongo] UWA

Se Baia foi o primeiro manifesto de PongoUwa é uma ponte para o tipicamente pomposo “primeiro álbum”. Ao primeiro EP bastava que fosse suficiente para desafiar o epíteto de “cantora do ‘Wegue Wegue’” (que nunca pode sacudir, por boa razão) — foi antes o novo kuduro a chegar a ponto-pérola. O sucessor Uwa aguça o apetite, como um abalo tectónico por direito próprio. Jogam batidas transcendentes contra melodias saudosas, para uma autobiografia em construção, cuspida com a ferocidade de quem ainda tem tudo por viver e cantar. E se “Canto” pode ser o momento mais descartável da sua carreira, a faixa-título será mais difícil de destronar do topo do seu repertório: a “drena” incontida, convertida em sinal eletrónico, avassalador. A este ponto, não há sismógrafo com cabedal para medir Pongo.

– Pedro João Santos



[ProfJam & benji price] SYSTEM

O fim da Think Music marcou a agenda de 2020, mas a editora não se despediu em baixo, muito pelo contrário: o sistema montado pelos dois principais responsáveis pelo seu sucesso, ProfJam & benji price, só tornou ainda mais evidente a distância que separa este rap que não se coíbe de ser descaradamente orelhudo (não abdicando da preocupação com a rima que não cai no lugar mais óbvio) e que se coloca ombro a ombro com a mais refinada produção internacional do resto. A cereja no topo do bolo? A apresentação do álbum numa das mais importantes salas do país. SYSTEM de luxo.

– Alexandre Ribeiro



[Sam The Kid] Caixa de Ritmos

Nem só de más notícias se fez 2020. Sam The Kid voltou aos discos, e depois da compilação Mechelas, em 2018, e do projecto Classe Crua dividido com Beware Jack, em 2019, Samuel Mira editou novo trabalho a solo, e abriu um novo capítulo nas batidas (18 anos após o lançamento de Beats Vol.1: Amor, cujo segundo volume estará para breve – assim esperamos). 

Caixa De Ritmos é, no fundo, uma compilação também – de beats guardados (e alguns emprestados, a Bondage aka Este Senhor, por exemplo) ao longo dos anos. E quando eles vêem a luz do dia, pela janela do quarto mágico, perguntamo-nos: como é que estiveram tanto tempo escondidos? A resposta é fácil: o autor dos mesmos é Sam The Kid, e no sétimo céu jazem mil batidas; nunca se sabe quais é que vão ser ressuscitadas. Para já, ficou em cima da mesa a possibilidade de uma Caixa De Ritmos todos os anos. Façamos figas a essa promessa. E um obrigado especial pela “Bons Bocados”, Samuel.  

Paulo Pena



[Scúru Fitchádu] Un Kuza Runhu

Na lista de artistas portugueses mais singulares e originais, Scúru Fitchádu tem de estar entre os principais nomes. O projeto de Marcus Veiga, que mistura as raízes do funaná com texturas obscuras do hardcore e punk rock, é música de identidade que vem do âmago, com mensagens urgentes e viscerais, que merecia muito mais reconhecimento — até internacional — embora possa ser exigente para muitos ouvidos. Isso não é acidental: o ruído e o experimentalismo estão bem presentes. Mas são ingredientes essenciais para objectos com a crueza de Un Kuza Runhu, o disco lançado o ano passado, que foi mais um passo sólido e de qualidade nesta caminhada. Scúru Fitchádu é mais do que música, é activismo sonoro, que por ventura nunca foi tão importante.

– Ricardo Farinha



[Silab & Jay Fella] Ed Harris Tape

O rap da margem sul do Tejo tem outro peso, outro flavour, outros contornos. Do outro lado da ponte (para quem da Ribeira das Naus vê Cacilhas), respira-se hip hop num ecossistema à parte. Silab e Jay Fella germinaram nessa selva onde duplas como Sanryse e Bambino (In3gah, em 2020), a título de exemplo, já reinavam, em terras de Cristo Rei há uns bons anos. Mas há novos pretendentes nessa linhagem, que já haviam dado ares da sua graça real, sobretudo, em várias participações. 

Ed Harris Tape é obra do mais denso que se pode imaginar. A tensão e a explosão das batidas cruzadas com o groove e a destreza, a flexibilidade, das rimas compõem um disco revestido de múltiplas camadas que se vão revelando com sucessivas audições.  

Deve ser uma maçada ser a salada do ano passado. Não é o caso aqui. Esta salada tem temperos que a conservarão por muitos anos. Não só é um dos discos do ano, mas adiantamo-lo já como um dos discos hip hop da década que ainda agora começou – é essa a nossa aposta. Jogo feito, nada mais. 

– Paulo Pena



[Tó Trips] Surdina

A guitarra define um ponto de partida na criação de Tó Trips, o que não significa que estabeleça um meio e um fim para o que constitui o seu imaginário sonoro, que aqui abraça um piano (num exercício semiótico com a velhice) e um contrabaixo (num tango jazzístico que remete para algum trabalho seu no famoso duo Dead Combo). Em Surdina, foi esse imaginário que deu vida acústica a uma história, contada visualmente por Rodrigo Areias, através das palavras de Valter Hugo Mãe, que traça uma linha muito fina entre a melancolia e a comédia. Essa ambiguidade em que este álbum habita dá o tom para aquele que é possivelmente o trabalho mais marcante de António Antunes a solo, colocando-o, uma vez mais, lado a lado com os grandes guitarristas portugueses da sua geração.

– Vasco Completo



[Tristany] Meia Riba Kalxa

Não haverá disco tão corajoso como este nos últimos anos do rap tuga, mas também não haverá disco tão liberto dos cânones desse mesmo rap tuga quanto este. E é dessa coragem de ser livre, com a meia por cima das calças, que trata este registo. E sim, falamos de um “record” no sentido americano do termo, de um registo, de um precioso documento que vai guardar para o futuro um dos mais agudos retratos destes tempos. “Tirantes” dói no seu rigor marcial distorcido, “Acliclas” é uma lição feita com mais dor, com a constatação da nobreza que existe nos olhares de quem não aceita a condição em que é nascidx e tem o desplante, a ousadia de sonhar. Não quero acreditar que haja quem sobreviva a “Meninu k brincava com bunekas” sem largar uma lágrima, quem consiga ouvir “Mo Kassula” e não pense imediatamente “poeta” ou quem chegue às duas partes de “Verde” que encerram esta viagem e não queira dar um abraço sentido a Tristany.

– Rui Miguel Abreu



[T-Rex] Gota D’Espaço

Ano de afirmação para T-Rex. Não lhe bastou deslumbrar e roubar os holofotes em temas com FRANKIEONTHEGUITAR, MOBBERRS, 9 Miller, Calema, D.A.M.A, Biya ou Paulelson: Gota D’Espaço, o seu mais recente projecto, afasta a palavra “underrated” da conversa e coloca-o na lista de vozes mais entusiasmantes do cenário popular (e actual) da música portuguesa, ligando os pontos entre Sintra, ASTROWORLD e Angola. Um vislumbre de um astro que tem tudo para marcar uma era.

– Alexandre Ribeiro



[YAKUZA] AILERON

No mapa das edições nacionais de 2020, uma nova rota notabilizou-se aos nossos olhos. Traçado por vários projetos, este é um entusiasmante novo caminho sonoro que veio para ficar e tem com um dos seus principais condutores, os excitantes YAKUZA. Trio que em AILERON, a sua estreia, produz um sofisticado e electrizante jazz que não o é (ou não é isso que o define). Este jazz é camaleónico, sabe disfarçar-se de música electrónica, de hip hop, de fusão, mas sem se esconder neles. Mistura-os com as suas bases e, com isto, nasce um álbum dançável, alegre e contemplativo. Uma celebração de música e divertimento que se nos dá a ouvir tão rápido com um belo swing, como a melodia da “Gypsy Women”.  

– Luís Carvalho


*Quem votou: Alexandre Ribeiro, Paulo Pena, Miguel Santos, Luís Carvalho, João Morado, Fábio Nóbrega, Gonçalo Oliveira, Vasco Completo, Pedro João Santos, Ricardo Farinha e Rui Miguel Abreu.

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