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Fotografia: Lais Pereira / Circuito
Publicado a: 18/06/2025

Além da odisseia das imagens do som.

Orquestra de Dispositivos Eletrónicos no gnration: como pintar o espaço a muitas mãos

Fotografia: Lais Pereira / Circuito
Publicado a: 18/06/2025

A Orquestra de Dispositivos Eletrónicos (ODE) apresentou-se na noite de 7 de Junho no pátio interior do gnration, na formação de 2025 juntamente com as imagens projectadas idealizadas pelos alunos do Mestrado em Media Arts (MMA) da Universidade do Minho. Dizem alguns do que foram vendo de outras edições da ODE que esta foi uma das mais bem sucedidas. Para isso, contou com 11 músicos dispostos como que em conferência — numa mesa corrida —, virados para a plateia e para Angélica Salvi como regente da orquestra. 

Braga é uma “Cidade Criativa da UNESCO” que desde 2017 está inscrita num programa internacional das que têm na criatividade um foco no desenvolvimento cultural, social e económico. O gnration enquanto instituição é único exemplo em Portugal, desde 2022, a integrar a rede europeia EMAP – European Media Art Platform, que tem como objectivo a promoção e divulgação de novas obras e artistas no domínio das media arts. O programa educativo Circuito tem vinda a reforçar essa missão e é onde esta ODE é um produto efectivo. Nascida no programa educativo Circuito da Braga Media Arts, a ODE tem feito da sua actuação a cada ano um campo de intervenção através da música, tendo-se aberto á comunidade através da chamada a quem dela queira tomar parte. O que começara por ser uma área de actuação social muito focada, nas primeiras edições, logo se demonstrou pertinente numa total abertura e implementação. 

Inês Antunes, João Pedro Gonçalves, Guilherme Maranhão, Francisca Costa, Eduardo Brito, Miguel Duarte, Ivo Amaro, Iván Oliveira, Pedro Portela, Líria Varne e Diogo Costa — como fontes dispostas a emitir som através dos seus múltiplos dispositivos electrónicos. Na direcção de orquestra, Angélica Salvi usou o soundpainting como linguagem multidisciplinar para compor em tempo real a partir das fontes sonoras de cada músico — como havia revelado na entrevista de antevisão. Salvi tem uma silhueta de maestrina clássica, mas a sua acção é verdadeiramente distinta, no modo e numa certa dança. Não havendo partituras entre os músicos, a condução é feita por gestos que respeitam uma sintaxe do soundpaiting e que são respondidos pelo grupo. As construções desenvolvidas a cada gesto constroem frases cujos os elementos designam: quem (todos/alguns dos músicos); o quê (as tonalidades e o tempo de existência); como (quanto ao volume, mais baixo ou alto) e quando (o momento de emissão — o tocar). Os ingredientes e os mecanismos postos em jogo. 

De pronto é numa das quatro fachadas interiores do pátio exterior do edifício do gnration que muita da acção passa a ter lugar. Este antigo quartel da GNR teve uma requalificação arquitectónica e valeu-lhe o “Prémio Nacional de Reabilitação Urbana”, em 2014, na categoria “Melhor Intervenção Com Impacto Social”. Nas palavras do arquitecto José Manuel Araújo, que assina a reabilitação, joga-se com a ideia de ocupação, seja do espaço, como da humanidade pela natureza onde se estabelece “o limite entre uma estrutura existente abandonada e um novo corpo invasor que se apodera do espaço”. O resultado disso mesmo é a cobertura da fachada por uma malha de cubos metálicos interligados, que no início da sua implementação continham plantas e começava a ter lugar essa ideia de cobertura vegetal invasora, que normalmente se associa a um espaço devoluto. Hoje essa leitura apenas pode ser entendida, na prática, no pátio interior do edifício, onde prospera uma ideia de jardim suspenso. Contudo, nessa noite, o video mapping sobre uma das fachadas trouxe de volta em perspectiva essa invasão do edifício — cores, texturas e formas. 

A música progride nessa medida. Parece haver uma condução da ODE nessa narrativa da sucessão das imagens projectadas pelos alunos do primeiro ano do MMA, conduzidas por João Martinho Moura. Revelam-se as partes, individualizam-se sons e entidades. O espaço é colonizado, ora por marmoreados cromáticos ora por efectivas mostras de vidas de insectos e plantas. Dá-se uma evasão espacial e a música transpõem-nos e facilita esse momento — agente invasor na voz de intercomunicador espacial. Desenhos sonoros espaciais em amplos momentos que as janelas pareciam conter e transmitir em piscares e texturas — num dos melhores efeitos cénicos assistidos. Cadência perdurada e novo balancear das imagens. Espaço de transição interior-exterior, do cosmos ao intra-uterino — com vida, numa electrónica a borbulhar. Hipnótica audição do espaço quando um foco parece indicar que se está em órbita com um objecto luminoso. Aterra-se nessa atmosfera melodiosa, por força da linha de baixo eléctrico como dispositivo sonoro mais facilmente identificável entre todos os outros. Nova atmosfera fora do lugar — palavras em catadupa, cíclicas e indecifráveis. Batida perdurada entreposta com latidos electrónicos para uma narrativa visual prolongada como que em desenhos de filigrana invertida. Dos sons nascem correntes, emergem delas vozes narrativas, mas a imagem parece semi-estática, permite-se ser conduzida pela sonoplastia em tempo real, que vai mais longe que isso.

O espaço é varrido de lés-a-lés. Enaltecem-se as figurações base de evasão sobre a fachada. A música ouve-se dramática, até haver nova limpeza do palato aural. A música feita partindo de dispositivos de electrónica pode proporcionar uma réplica sonora do mundo conhecido, bem como dar a ouvir o inexistente e mapear o novo. Em igual medida acontece com os visuais das media arts. Talvez seja esse um dos grandes atractivos destas ferramentas — a plasticidade criativa. Por momentos nada mais se ouve e vê além do que se conhece — os elementos arquitectónicos invasores da fachada e a água por via electrónica. Nisso atinge-se um entrosamento em harmonia. E eis que vem a figura humana, tornada gigante na imagem, a ver tudo, a oscilar e de olhos postos na ODE. 

Certo é que nestes espectáculos vive-se do processo, dos momentos, das entrelinhas num mais que uma narrativa ou percurso. Aqui o importante é estar, seja do lado dos que se apresentam para emitir sons ou imagens, seja no lado dos que as recebem e justificam.


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