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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 26/04/2023

Art pop de veia jazzística.

Orca: “O processo de escrita das canções, para mim, é muito emocional”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 26/04/2023

Para os mais atentos à cena musical portuguesa, o nome de Leonor Cabrita – que é como quem diz, Orca – terá suscitado algum entusiasmo em 2022. 

Os seus dois primeiros singles – “Ainda Queremos Ser Pessoas” e “Gorgulho” – e o facto de ter escrito “Turn Off”, o banger de hyperpimba de Sreya, revelavam “uma mente bastante criativa e com uma notável capacidade de fazer fulminantes e cativantes canções”, escrevia José Duarte no Espalha-Factos ao nomeá-la como uma das artistas revelação de 2022 no universo da música portuguesa.

Agora, no final de março, Orca trouxe-nos o seu longa-duração de estreia, Paisagem Trânsito – uma edição Facada Records, a nova editora de Yaw Tembe –, um disco onde o seu ímpeto criativo cresceu para além dos singles. Refinou-se, expandiu-se, ganhou (ainda mais) detalhe, tudo conjugado em canções recheadas de sentimento, onde o amor pelo outro e o pensamento coletivo surgem como recheio a esta art pop de veia jazzística.

Paisagem Trânsito é já um dos discos mais catitas deste ano de 2023 e amanhã, 27 de abril, irá ser apresentado ao público no B.Leza, em Lisboa, em formato banda. Antes deste concerto imperdível, o Rimas e Batidas trocou algumas notas via e-mail com Leonor sobre o universo em redor deste seu disco de estreia.



Quando começaste a trabalhar no teu disco de estreia?

A canção mais antiga que acabou por ficar no álbum é do início de 2021 (“Não Naufragues em Mim”), mas acho que o processo começou antes disso. No início de 2020 comprei uma interface e um teclado MIDI e, devido ao isolamento, de repente tive tempo para me dedicar a experimentar coisas. Já tinha escrito uma ou outra coisa, mas nessa altura comecei a escrever canções umas atrás das outras (muitas estão na gaveta e, dessas, poucas talvez ainda recupere no futuro). No entanto, sentia que a minha música era um bocado estranha, não sei bem explicar porquê. Sempre me senti desenquadrada no geral, suponho que seja insegurança, sei lá. Quando estudava na escola do Hot Clube a minha professora de piano, que era a Margarida Campelo, uma vez num exame disse-me que eu tocava como se estivesse a pedir desculpa por terem que me ouvir. Ela se calhar nem se lembra disso, mas aquilo marcou-me muito porque era verdade. No entanto, parecia que não me conseguia libertar daquilo! Depois houve um momento, perto do verão de 2021, que meio que decidi deixar de tentar enquadrar-me e esforcei-me por aceitar e assumir a minha estranheza e, no fundo, ser só honesta comigo mesma e fazer aquilo que queria fazer. Acho que foi aí que o disco começou a parecer uma possibilidade real – porque estava só a fazer o que sentia, sem pensar se me enquadrava ou não, se as pessoas iam gostar ou não.

As canções incluídas neste Paisagem Trânsito são canções recheada de detalhes e que foram construídas com vários músicos. Como funcionou o processo de composição do álbum?

Quando já tinha algumas canções mais ou menos fechadas, convidei o António Rebelo (que toca guitarra no disco) para me ajudar a pensar os arranjos. Ele vinha ter a minha casa, para aí uma vez por semana, e pensávamos as linhas de guitarra, piano, baixo, sopros, mil coros, etc. em conjunto e gravávamos tudo. Entre encontros com ele, escrevia mais canções, depois mostrava-lhe, íamos adicionando canções novas e excluindo outras, e enfim, o disco foi começando a aparecer aos poucos. No fim de 2021, tinha o disco fechado (achava eu) e comecei a convidar malta para tocar. O meu plano era fazer uns ensaios e gravar no início de 2022. Entre a malta que convidei estava o Bá Álvares que ouviu as canções e disse-me: “Podemos gravar agora e vai ficar um disco fixe ou então podemos trabalhar mais um bocadinho nisto e vai ficar mesmo bué fixe”. E como “mesmo bué fixe” é mais fixe que só “fixe”, ficámos quase mais um ano a trabalhar nas canções, desta vez com os ouvidos frescos do Bá. Entretanto, surgiram canções novas que entraram, outras que saíram, e acabámos por gravar só em dezembro. A maioria da composição e dos arranjos foi criada em casa no computador com o António e, mais tarde, com o Bá. Mas, claro, o solo de trompete na “Se o Tempo” foi improvisado pelo Yaw Tembe, e algumas linhas de saxofone também foram improvisadas pelo Francisco Menezes (no final da “Desgosto Universal” e na “Sonhei”). No caso das linhas de bateria, pensámos em conjunto com o Miguel Sobral Curado, canção a canção. O resto estava praticamente tudo escrito à priori. Agora que estamos a ensaiar para fazer concertos tem sido diferente, acho que há muito mais liberdade para cada um experimentar coisas e fazer aquilo que sente procurando sempre servir as canções.

Não incluíste os teus dois primeiros singles, “Gorgulho” e “Ainda Queremos Ser Pessoas”, neste teu disco de estreia. Por que razão isso ocorreu?

Isso, na verdade, foi uma opção mais técnica que outra coisa. Os dois primeiros singles foram gravados numa lógica do it yourself com as condições que tínhamos: micros emprestados, sala de ensaios e pouca experiência a captar e misturar. No caso do disco tivemos muito mais condições para fazer as coisas. Candidatei-me e consegui o apoio financeiro da Fundação GDA para edição fonográfica, o que significou que gravámos com qualidade, num estúdio a sério, com o Eduardo Vinhas a captar e a misturar. Ou seja, a qualidade de som estava mesmo muito distante dos singles e não me apetecia nem gravar os singles outra vez, nem fazer uma nova mistura, nem pô-los lá no meio com um som muito diferente. Além disso, fazer um primeiro disco com 15 faixas se calhar seria demasiado!

Editaste este Paisagem Trânsito na Facada Records, a nova editora do Yaw Tembe, que também participa na “Se o Tempo”. Como nasceu a tua relação com ele?

Conheci o Yaw através do Bá Alvares, que toca com ele em Zarabatana. No verão do ano passado, participei numa residência artística de improvisação livre com ele, os outros zarabatanos e a chica e, apesar de me sentir um bocado fora de pé no que toca a improvisação livre, foi muito bom. Por essa altura, fizemos um jantar de escuta de demos em que lhe mostrámos o álbum todo e o convidámos para tocar na “Se o Tempo”. Ele aceitou e mais tarde, quando ouviu as gravações finais, convidou para lançar pela Facada, e não foi preciso pensar muito para dizer que sim.

Em 2022, escreveste a letra para a “Turn Off” da Sreya. Que diferença encontras entre quando escreves para ti e quando escreves para outros?

Não encontro grandes diferenças até porque quando escrevi a “Turn Off” não me passava pela cabeça que a Sreya a iria gravar. Escrevi essa canção para aí em 2017, na altura dos Santos, e tinha um plano vago, que nunca se concretizou, de fazer uma banda de pimba feminista com a minha amiga Mariana Correia. Mas para fazer uma banda à partida precisaríamos de mais que uma canção! Por isso aquilo ficou na gaveta e depois acabei por dá-la à Sreya – e acho que ficou muito bem entregue. Na verdade, tenho mais uma ou outra canção que não se enquadra muito na minha cena, sobretudo ao nível de letra, mas nunca escrevi nada a pensar numa pessoa específica, portanto acho que a diferença entre escrever para mim ou para outra pessoa está no resultado e não no processo.

Pelas letras da tua música, pareces ser uma pessoa que olha muito para o ideal coletivo como um objetivo. Esse teu lado é algo que surge deliberadamente nas músicas ou é algo que surge de um lugar quase inconsciente e inato? 

Sim, olho para o ideal coletivo como um objetivo, sem dúvida. Acho que nada, e a música não é exceção, pode separar-se da forma de viver, sentir e pensar o mundo e as pessoas. Não sei se isso quer dizer que é inconsciente, diria que há coisas que não são inconscientes e outras que são. Há várias camadas, às vezes estou a cantar as canções e apercebo-me de significados que nunca me tinha apercebido. Isso, na verdade, é um bocado creepy. Às vezes nós fingimos inconscientemente que não estamos a ver as coisas a acontecer à nossa frente. E é curioso ir ler coisas que escrevemos em determinadas alturas e perceber que sabíamos muito mais sobre aquele momento presente do que na altura achávamos que sabíamos. O processo de escrita de canções, para mim, é muito emocional – às vezes é uma forma de purga de coisas que me consomem, outras vezes é uma forma de encontrar algum apaziguamento. Mas acho que é quase sempre uma espécie de resistência. A sociedade diz-nos constantemente que estamos a competir uns contra os outros, que temos que estar sempre atentos porque há alguém ao virar da esquina que nos quer lixar. E isso faz com que estejamos sempre alerta e à defesa! Além disso, temos que ser os melhores, os mais competentes, os mais produtivos – não podemos descansar se não alguém vai ultrapassar-nos, não podemos parar, não podemos chorar as nossas dores, não podemos demonstrar vulnerabilidade nem fraqueza… e é isto em relação a tudo: ao trabalho, ao amor, às relações entre as pessoas. Mas pá, que seca!! Para mim, o ideal coletivo significa as pessoas unirem-se e resistirem a isto tudo – estando juntas e ajudando-se mutuamente. Acho que isto tudo estará, de alguma forma, presente nas canções, mas não acho que seja inato – lá está, é um processo interno de resistência. Sinto que não dá para separar aquilo que é inato nas pessoas daquilo que é uma construção social e, nesse sentido, se calhar seria mais “inato” o individualismo porque é isso que esta sociedade nos ensina.

Quando estava a ouvir o teu disco de estreia, pela correlação entre o jazz e a pop e uma conjugação entre um estilo de escrita entre cantautor e canção de protesto, veio-me à cabeça o EP de estreia da chica, Cada Qual no seu Buraco. Encontras algum paralelo entre o teu registo de estreia e o curta-duração da chica?

É engraçado dizeres isso. Quando conheci a música da chica, a maioria das canções do Paisagem Trânsito já estavam escritas, mas percebo o paralelismo. Entretanto, ficámos amigas e diria que a ligação entre o trabalho dela e o meu, mais que musical, está na forma semelhante de ver o mundo e pensar a vida e isso reflete-se no conteúdo das canções.

Vais apresentar o teu disco de estreia no próximo dia 27 no B.Leza, em Lisboa. Que tens preparado para tornar esse concerto extra especial?

Pois é, que medo! Está marcado, portanto, vai ter que acontecer, mas confesso que estou um bocado nervosa com isso. Quando comecei a pensar em gravar um disco, não pensei de todo em como seria tocar as canções ao vivo, mas, com o tempo, o entusiasmo com o trabalho foi crescendo e a vontade de fazer concertos surgiu. Nessa altura, sentei-me com a malta e decidimos pensar como é que íamos fazer isto. A situação cultural é tão precária em Portugal que ter uma banda com sete pessoas é uma ideia um bocado absurda. Mas toda a gente estava entusiasmada e então decidimos montar um concerto ambicioso com banda completa! E é isso, vamos fazer um concerto com quase toda a gente que participou no disco. Vou tocar o disco e os singles lançados o ano passado, acompanhada pela Catarina Branco, a Ana Lua Caiano, o Francisco Menezes, o Francisco Braga (que vai substituir o António porque ele mudou-se para o Porto), o Bá Alvares e o Miguel Sobral Curado. Vamos ainda ter como convidado o Samuel Pacheco para uma canção. Antes do nosso concerto, haverá ainda um set de abertura do Miguel de Miguel que vai tocar algumas das suas canções, e depois do nosso concerto teremos um DJ set com o DJ Orgalorg (aka Norberto Lobo a passar som).

Vai ser uma noite de celebração e, espero, uma desculpa para juntar pessoas bonitas e continuar a luta.


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