Texto de

Publicado a: 24/09/2018

pub

[TEXTO] Vasco Completo

A electrónica e a ficção científica andaram sempre de mãos dadas e Age Of é um novo capítulo nessa belíssima história. Paradoxalmente, este é dos projectos de Oneohtrix Point Never em que a mão humana e os sons acústicos da “vida real” estão mais presentes. A exploração dos dois mundos, do real e virtual, cada vez mais fundidos um no outro, dá-se pelos vários elementos do novo registo de Daniel Lopatin, desde o visual, ao musical passando ainda pela componente lírica.

O contexto pós-moderno do ser humano, completamente integrado no universo digital da Internet e das conexões virtuais, ocupa o imaginário sonoro de Lopatin. O estilo e estética fragmentados já eram imagem de marca, embora mais agressivos e gritantes, com sintetizadores mais impactantes, grooves e sons mais associados ao techno e ao drum’n’bass. Apesar disso, nota-se uma muito maior e considerada ligação entre faixas, dada tanto pela sonoridade ou pelos motivos melódicos e harmónicos: por exemplo, nota-se isso perfeitamente na passagem de “RayCats” a “Still Stuff That Doesn’t Happen”, em que o ambiente se assemelha.

 



Num registo menos expansivo, talvez também mais ponderado, Oneohtrix soa mais maduro e coeso num espectro – como sempre – sonicamente desfasado, mas com o espírito aglutinador de quem sabe juntar elementos quase contrastantes num mesmo trabalho. O som dum cravo — velho instrumento que representa e identifica uma grande porção do repertório da música barroca –, aqui sintetizado e trabalhado electronicamente, serve como introdução para Age Of. Duas faixas depois, “Manifold” já junta um piano com muitos efeitos a sintetizadores. A importante interacção do suposto calor dos instrumentos acústicos com o aparente frio dos sons criados electrónica/digitalmente compassa fortemente a progressão e a atenção do álbum.

Harmónica e timbricamente encontramos elementos que tanto figuram nalguma da música progressiva dos anos 70, como será o caso dos Genesis ou dos Tangerine Dream, como nalguma música mais synth-based na pop dos anos 80. Assim, Oneohtrix procura-os como tranquilizadores e estabilizadores de harmonia do disco, refinando a produção ao seu estilo, pela síntese sonora agressiva e destruidora, mas também digna de repetidas audições, para uma compreensão total – ou compreensão máxima possível – das várias camadas que constituem a junção esquizofrénica de diferentes instrumentos e efeitos. A Stereogum descreveu este Age Of como um disco espantoso para ouvir com headphones, adequado tanto na busca clínica dos sons que o ouvinte deve fazer para um melhor aproveitamento do disco, como pela temática, centrada neste consumo de dados sentado ao computador, acompanhado pelo scroll das páginas das redes sociais.

 



A grande parte da crítica especializada também se refere a este álbum como o mais pop da sua discografia, provavelmente pelo uso mais recorrente da voz e pela maior abertura de espaço para os sons respirarem. O caos permamente da música de Oneohtrix dá aqui lugar tanto às camas de sintetizadores como às vozes – às naturais e às sintetizadas, opções que podem ocorrer em simultâneo ou separadamente, como podemos notar em “Same”. Ou seja, o mundo caótico de Lopatin mantém-se caótico. Pode é ter ganho uma nova vida… ou ter conseguido objectivamente descobrir o que tem para expressar. A humanidade está extremamente bem representada nessa realização expressiva e também na tensão criada entre a regularidade e a irregularidade rítmica.

James Blake e o seu toque de Midas, bem aplicado nos últimos anos com colaborações e intervenções de luxo no panorama geral da música pop, electrónica, hip-hop ou r&b, marca presença na produção do disco. Ainda digna de relevo é a aparição (não há melhor palavra do que esta para o descrever…) de ANOHNI, com quem Oneohtrix Point Never tem já uma longa relação, tendo colaborado intensivamente na produção de HOPELESSNESS. À lista adicionam-se ainda Prurient, Kelsey Lu e Eli Keszler.

 



O Macbook da capa de Age Of — desenhada por David Rudnick –, que se abre e encandeia a humanidade com a forte luz da Internet esconde a escuridão que vai para o lado de lá, onde o ecrã não é capaz de iluminar. Entre o aberto e o fechado, a luz e a escuridão, o velho e o novo, Lopatin nunca será o tipo de pessoa moderada que vive no equilíbrio entre os dois, por querer ir sempre encontrar os extremos. Talvez seja nessa procura que encontramos constantemente o caos da sua música.

Embora tenha já trabalhado com Iggy Pop, FKA twigs, ou outros nomes anteriormente mencionados, o produtor nunca esteve na estratosfera da indústria musical. A sua visibilidade não define, no entanto, a sua relevância na música electrónica e na produção, que se encontra mais que cimentada. Age Of é “só” mais um passo para a imortalidade.

 


pub

Últimos da categoria: Críticas

RBTV

Últimos artigos