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Publicado a: 19/09/2018

Omar Souleyman: da Síria, com amor

Publicado a: 19/09/2018

[TEXTO] Vera Brito [FOTO] Hisham Bharoocha

Permitam-nos o trocadilho fácil que fizemos, no título deste texto, ao disco To Syria, With Love, para vos introduzir o seu autor: Omar Souleyman. A imagem que pretendemos é simples: dizer-vos que da Síria não nos chegam apenas notícias das atrocidades lá cometidas diariamente há quase uma década, numa torrente tal, que já nos tornou imunes ao seu horror. Da Síria chegam-nos também canções de amor, de um povo que desde sempre soube espantar a dor com música alegre e festiva — o dabke, dança arábica do folclore da região Levante do Médio Oriente, é hoje mundialmente reconhecido muito graças a artistas como Omar Souleyman que, ao adicionar-lhe uma pitada kitsch de electrónica, conseguiu conquistar o ocidente.

O cantor sírio, estabelecido na Turquia, é elogiado nos circuitos musicais mais eclécticos: Björk, Damon Albarn, Gilles Peterson, Kieran Hebden (Four Tet) são apenas alguns dos nomes mais sonantes no seu currículo. Tem feito correr muita tinta numa série de prestigiadas publicações, como a Pitchfork, a Rolling Stone ou The Guardian. Tem actuado nos mais emblemáticos festivais de música: SXSW, Bonnaroo ou Glastonbury, destacando-se sempre como o artista mais exótico de qualquer alinhamento (por cá também já passou diversas vezes, a primeira em Paredes de Coura e daqui a alguns dias regressa para o Festival Iminente).

 



Omar Souleyman não reúne consenso em toda a crítica, e as palavras mais dissonantes parecem vir sobretudo de conterrâneos seus, que não vêem com bons olhos, ou melhor dizendo, não ouvem com agrado, a forma que consideram grosseira, pouco séria, desrespeitosa até para alguns, com que o cantor desafiou reinventar a música popular síria, introduzindo-lhe elementos de uma amálgama de influências turcas, curdas e iraquianas, recorrendo no início a recursos tão simples como baratos teclados Casio para construir ritmos acelerados que fazem da sua música uma festa desregrada — uma espécie de dabke em ácidos.

Visto como uma coqueluche arábica apadrinhada pelo mundo ocidental, cumprindo rigorosamente o estereótipo da jelaba e do keffiyeh enfaixado na cabeça, bigode farto e óculos de sol à matador, Omar Souleyman não poderia parecer estar menos interessado em fazer música dita “séria” ou a tal world music, essa gaveta muito prática que serve para arrumar toda a música que nos soa um tanto mais exótica ou desconhecida. Pelo menos é a impressão que nos fica de algumas declarações suas lidas em entrevistas, nas quais se refere ao seu percurso e processo de criação musical, com a mesma naturalidade e despretensão como se fosse apenas ainda o famoso artista de casamentos sírios, do início da sua carreira. E quando há umas linhas atrás escrevemos música “séria” é porque se há quem leve bem a sério o seu trabalho é Omar Souleyman (mesmo que não se leve tanto a si mesmo, pelo menos o sucesso não parece ter-lhe subido à cabeça) ou não teria para lá de 500 discos de concertos seus, entre todas as outras conquistas que já referirmos. Resultado de uma ética de trabalho irrepreensível, da qual poucos artistas se poderão orgulhar de possuir.

No entanto, convém não confundir este seu sentido prático da vida, com falta de ambição artística. Percebe-se no seu último disco uma maior atenção à produção e arranjos mais refinados em comparação a trabalhos anteriores. To Syria, With Love, desprovido de qualquer intenção política, é uma sentida prova de amor ao seu país natal, ondas de afecto enviadas pelo cantor que certamente não terá desejo maior do que o de voltar a encontrar uma Síria pacificada, onde não seria difícil até de o imaginar novamente no palco de um casamento qualquer. Não estará seguramente nas mãos de Omar Souleyman conseguir sozinho algo que é uma responsabilidade humanitária global, e não somos também entendidos em etimologia, mas não deixa de ser curioso o seguinte facto que encontrámos, após uma rápida pesquisa na Internet, sobre a origem do seu sobrenome singular: Souleyman — uma possível transliteração do nome Suleiman — significa “homem da paz”.

 


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