Digital

Ojerime

Bad Influence

NEVER SEVEN / 2022

Texto de Shirley Van-Dúnem

Publicado a: 25/11/2022

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Se há magia na qual vale a pena acreditar é a da escrita. Move mundos e fundos numa incessante busca para permitir a quem dela faz uso ser tão livre quanto possa. A história que vos vou contar tem tanto de ficção como de realidade – depende do quanto queremos acreditar.

Uma mulher saída de um breakdown acorda desamparada numa ilha habitada somente por pressões que lhe são exteriores. Expulsa de si mesma só lhe resta sentar-se com quem foi (B4 I Breakdown), quem é (Bad Influence) e quem virá a ser. Assim o fez. Do vazio aparece uma figura que a aconselha a sair da ilha para que consiga ver a ilha. Diz-lhe, confiante, que não nos vemos se não sairmos de nós e desaparece. Acreditariam se vos dissesse que o nome da mulher é Ojerime e o nome da figura misteriosa é José Saramago?

O passado recebeu uma ordem de despejo emocional da vida de Ojerime, tinham assuntos pendentes que a estavam a impedir de avançar. O aviso à navegação deve ser feito: é provável que ao longo de Bad Influence nos vejamos submersos em muitos dos seus sentimentos – isto é causa-consequência de se ouvir um álbum que retrata muitas das mazelas deixadas pelo amor como companhia e, às vezes, ausência.



Com o carinho do r&b dos anos 90, regressa a um dos poucos sítios no qual foi feliz: a música. Em “Nothing” e “Often Enough” (a título de curiosidade: o instrumental desta faixa tem o mesmo sample de “IMORTAIS“), Ojerime fala-nos do fundo do poço num tom em crescendo através de um reverb que usa para que as notas que voltam a embater em si a consigam ajudar a compreender o que representou na vida de alguém; hi-hats e um riff de guitarra conferem a estrutura ao sofrimento sobre o qual ela desaba. Em “Alarming” tenta alcançar um meta-amor, reflectindo sobre os altos e baixos, que não só teima em escapar-lhe como se revela traiçoeiro pelo caminho. Usa 808s para fazer das tripas coração, mesmo que isso implicasse perder-se a si no percurso e pagar na mesma moeda, rumo a seguir em frente. O cupido finalmente dispara na direcção certa com a melodia adocicada e sonhadora de “Jetset” e “All I Do”, que se deitam sobre sons ambiente. Equipara-se à sensação de nos atirarmos sem medo do sítio onde possamos cair, um espaço seguro de neblina que não assusta, mas antes alicia com segundas vozes que enfatizam promessas de autoconfiança e sentimentos nunca antes sentidos. “Mantra” soa ao momento em que Iman Europe se mascara de voz interior de Ojerime, uma que pretende funcionar como força interna que a quer impedir de voltar a velhos hábitos, um recado ao qual ela pode recorrer sempre que se esquecer de quem é. Mas Ojerime não ouve e prossegue, “i don’t know what you’re looking for/ is it me?/ i hope so”.

Em “Local”, com a colaboração de Jesse James Solomon, o Sul de Londres é o ninho no qual os dois cantores assentam a sua visão de um amor no qual podem acreditar, uma esperança geográfica que, para eles, faz mais sentido existir naquele sítio. “Keep It Lo”, com um sample de um beat de Project Pat produzido por Mura Masa, encontra Ojerime no estágio final do seu processo de humanização, a apropriar-se do autocolante de má influência que lhe quiseram colar e a provar que rótulos não a limitam, pega neles e faz com eles o que quer. (Re)toma as rédeas da sua vida e faz xeque-mate ao que já passou.

Todo o álbum se baseia numa perspectiva Donnie Darkiana em que toda a forma de destruição é, simultaneamente, uma forma de criação. Ojerime responde à pergunta: o que se faz com as ruínas do que fomos?


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