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Fotografia: xipipa
Publicado a: 27/03/2020

Uma das produtoras mais fascinantes do panorama português está de volta com um novo EP.

Odete: “A proposta no Water Bender foi criar uma história e usar a música para contá-la”

Fotografia: xipipa
Publicado a: 27/03/2020

Há músicos que a cada novo lançamento aglutinam ideias de trabalhos antecessores. No caminho, os discos trazem e cimentam novos conceitos, técnicas ou estéticas. O trabalho mais recente espera-se que junte sempre os melhores elementos de cada um dos anteriores. Há provas disso mesmo nas obras de James Blake, Bonobo e Tyler, The Creator, dando exemplos mais recentes. A curta, mas já bastante prolífica, discografia de Odete encaixa nessa linha que é caracterizada por uma pesquisa contínua do seu próprio som: Matrafona, Amarração e Water Bender, os seus projectos mais ambiciosos, são todos parte dum percurso sem rupturas, de um assimilar continuo de ideias ao nível da estética da produção e do curiosíssimo e individual trabalho de sampling.

A evolução abrupta na carreira de Odete, apesar de não se reflectir ainda na produtora de maneira clara, fê-la sair de um trabalho rotineiro, para se poder dedicar a tempo inteiro à música – algo que nos confessa criar uma pressão acrescida, vendo-se obrigada a um ritmo de trabalho exaustivo que até tem merecido atenção nos grandes media desta música electrónica mais disruptiva, da Resident Advisor à FACT Magazine, da Hyponik ao Bandcamp Daily. Existe uma atenção crescente à sua música, apesar de Odete não sentir equivalente interesse em solo nacional. Imparável também em remisturas e presenças em diversas compilações, aliada a colectivos como Circa A.D. e já com lançamentos pela naive ou Rotten \ Fresh com a Troublemaker Records, este mais recente Water Bender cimenta a internacionalização da sua música com uma edição pela inglesa New Scenery. Sobre este EP, conta-nos que a sua comunicação é mais para fora e para um consumo mais objectivo e claro, isto em comparação com Matrafona e Amarração, muito mais voltados para o âmago emocional de Odete. Ainda que também vindouro das suas experiências, Water Bender é uma narrativa ficcional dum coração partido, já em retrospectiva, sem arestas por limar. O EP conta a história duma rapariga com poderes mágicos de manipular a água, que se suicida com a fascinante dádiva que recebeu. Odete cria assim o seu registo mais acessível até à data, num excelente trabalho narrativo em que cada música funciona como um capítulo dum filme. Além de ser a sua expressão mais organizada, é também a que sonicamente está melhor conseguida: aglutinando a agressividade visceral e o canto de Amarração aos ritmos, ao sampling e à flauta de Matrafona, Odete eleva a sua produção a um daqueles registos que, embora se trate duma música desafiante, a sua digestão é acessível e cativante – à semelhança de nomes como Burial ou Four Tet que, mesmo num contexto de música electrónica, conseguiram ser recebidos por pessoas fora desta esfera (o mesmo esperamos deste Water Bender). E tudo isto é feito com acesso ao Ableton, ao sampling de gravações de paisagens sonoras, à voz e à flauta transversal. À semelhança do que fazia, por exemplo, Fernando Lopes-Graça, que muito deve à música folclore portuguesa no seu próprio tipo de “sampling”, há aqui uma grande presença de melodias do Norte do país na produção refinada de Odete, que culminam tanto nos temas mais contemplativos e sedosos como “FETIÇO” e “Interlude”, como nas danças frenéticas do primeiro single “O RO” ou no caos possante IDM de “SANGUE”. O lançamento e a sua festa na ZDB estavam inicialmente agendados para esta sexta-feira, dia 27 de Março. Pela situação que vivemos neste momento, o lançamento foi adiantado para o dia 20, há uma semana (dia em que o Bandcamp retirou a sua percentagem em todas as compras realizadas no site, revertendo o valor total para os artistas e editoras), e o evento foi cancelado. Antes de tudo isto, o Rimas e Batidas encontrou-se com Odete na Crew Hassan para conversar sobre Water Bender e sobre o que mudou para a artista neste último ano e meio.

Este último ano e meio, desde o Matrafona até aqui, tem sido de grandes mudanças? Tens sido sempre prolífica na tua produção e tens tido um reconhecimento crescente a olhos vistos — mixes na Resident Advisor na FACT, por aí. Como tem sido? Acho que as grandes mudanças são todas a nível mais da recepção do meu trabalho do que propriamente do trabalho em si. Eu não vejo o meu trabalho a sofrer grandes mudanças desde o Matrafona, acho que a progressão até é bastante lenta. A evolução do trabalho tem uma coisa muito mais orgânica do que a recepção, que é assim meia esquizofrénica (se é que eu posso usar essa palavra), porque é um bocado surpreendente, não estava à espera de nada disto, de repente ter a RA, a Hyponik, a FACT, estes grandes nomes do clubbing em termos de press, literalmente atrás de mim, ou a querer saber o que é que eu estou a fazer. E também muito menos com este novo release do Water Bender. Claro que ainda não sabes tudo o que vai acontecer, mas eu não fazia ideia que havia um interesse destas plataformas e broadcasts em dar espaço para aquilo que eu tenho feito — o que é bom, claro — mas ainda não sinto que se reflicta no que faço, que tenha uma consequência muito directa por exemplo em dinheiro ou… sei que esta palavra [é] um bocado forte, mas em poder, no sentido em que estas plataformas costumam [dar] um poder às pessoas que eu sinto que ainda não tenho — pelo menos neste país. É por isso que eu também digo “esquizofrénico”, porque eu nunca percebo muito bem quais são as mudanças concretas que esta recepção grande do trabalho, esta press toda estão a fazer, ou estão a criar na minha imagem, no meu trabalho, na recepção das coisas. Ainda não percebi, se calhar porque está a acontecer tudo muito rápido, então não tenho tempo para absorver e perceber o que está realmente a mudar, porque eu não sinto nada a mudar na minha vida. Por vezes pode ser mesmo por tudo acontecer no digital. É imprensa, mas se calhar até envias as respostas por mail, vês uma publicação a aparecer e vês as pessoas pôr likes, malta a começar a dizer-te “é muito fixe o que estás a fazer!”. Ou seja, parece que é tudo muito no ar, ao mesmo tempo, apesar de ser uma coisa que é real.  Sim. Eu acho que a mudança que eu realmente sinto, é que eu tenho bastante mais facilidade em ter gigs do que antes tinha e consigo sobreviver só da música — o que é raro. Mas acho que essa é a única mudança que eu sinto. Claro que eu trabalho mesmo muito e é mesmo muito cansativo. Estou sempre speeding up, super stressada, faço tudo e mais alguma coisa. Mas acho que é a única mudança mesmo, esse interesse prolífico que não é só música! Eu sinto que consigo aceder a mais espaços, exposições, performances, porque também tenho mais trabalho a apresentar e sinto que este buzz que há lá fora de Portugal sobre mim acaba por entrar aqui mas ainda não tem força suficiente. Se calhar é um bocadinho como também era com a Príncipe na altura quando começaram a aparecer, também havia um grande interesse lá fora, toda a gente queria saber, e a malta (na altura acho que foi a Pitchfork e a FACT) começou a dar muita atenção e só mais tarde é que ficaram por cá “ahh ok, isto está a ter sucesso lá fora”… Sinto que é um bocadinho a minha história. Ainda que… sei lá, eu lanço as coisas e eu nunca sinto muito impacto aqui, mesmo que tenha gigs em Portugal, mas sinto que as únicas pessoas que me mandam realmente mensagens sobre a minha música, e a única press para além do Rimas e da Threshold – embora isso não sejam bem entrevistas – que me procura para fazer cenas é lá fora, percebes? Eu lanço uma música, lanço coisas, e tenho a FACT a cobrir decentemente a coisa, ou a mandar-me um e-mail. É tipo, uau! Eu adorava que isto também acontecesse com as coisas aqui em Portugal, haver um interesse qualquer… Por exemplo, quando vou lá fora eu tenho condições para ir lá fora, para ir a outros países, e as pessoas recebem-me mesmo bem, estão interessadas em conhecer-me, em conhecer o meu trabalho. Aqui eu sinto que há um certo grau de comodismo, como se já soubessem o que é que eu faço, sabes? Já me conhecem, elas vêem-me na rua tipo, “ah sim, aquela”. É por isso que eu só sinto agora que está a haver um buzz qualquer lá fora, noutros países, mas começo a ter bué gigs aqui [e] as pessoas começam a questionar se sabem realmente o que é que eu estou a fazer. O meio de electrónica por cá é efectivamente muito pequeno. Entras e passado um bocadinho já sabes quem são as pessoas todas que te ouvem, e que falam, … Mesmo em termos de imprensa tens pouca gente que fala atentamente das coisas novas que vão aparecendo. Como dizias a Threshold, que costuma falar, a Cabine, o Rimas (com o que consegue cobrir), mas é efectivamente um meio pequeno, não é? Enquanto que lá fora é uma coisa muito… Eu só acho que o problema de Portugal, o problema que eu sinto aqui é que as pessoas assumem demasiado sobre ti. Assumem que sabem mesmo o que tu fazes. Enquanto quando eu vou para outros países eu sinto que há um interesse genuíno em perceber what the hell am i doing, percebes? Aqui as pessoas vêem-me num line-up, ou vêem que eu apresento coisas e já assumem que sabem o que é que eu sou, cristalizam as pessoas muito rápido, e para mim isso é um problema porque realmente eu sinto que as pessoas são bem mais eclécticas, e os trabalhos que se fazem aqui são bem mais caóticos do que se assume. Claro que há muitas coisas desinteressantes, óbvio, mas acho também que dadas as condições, as pessoas têm muito potencial. A questão é que não se assume esse potencial. Isso é que é triste. Disseste que não sentiste essa grande mudança ainda, ou que se calhar sentiste duma maneira um bocadinho “esquizofrénica”, citando-te, mas, como disseste, agora também já estás só a trabalhar para a música, enquanto na altura em que falei contigo (para o Matrafona) ainda estavas a trabalhar. Isso deve ter sido pelo menos uma grande diferença em termos de conseguir lançar mais coisas, ou de fazer mais música, ou não? Sim, mas também tenho trabalhado o dobro do que trabalhava antes. Ok, não tenho um dayjob, mas eu tenho de fazer tantas coisas para poder ganhar o mínimo, para pagar rendas, contas, vida … Imagina, eu sinto que não posso a recusar todos os gigs ou coisas [que me aparecem], e há coisas que eu não tenho interesse nenhum em fazer, mas que sinto a necessidade [de fazer]. É um certo tipo de precariedade que também me deixa drained emocionalmente e criativamente. Estares continuamente a dar tudo de ti, porque também não queres desvalorizar o trabalho dos outros que te convidam. Mas chega uma altura que… Que queres descansar? Sim. E não é só descansar, é tirar tempo para te inspirares e fazeres as coisas em condições. Fazeres um EP em condições, que é aquela coisa que eu sinto que ainda não estou a conseguir. Eu preciso de um tempo, nem que seja um ano, só a fazer um EP. Passou menos de um ano e lancei três cenas! This is crazy! Estás a perceber o nível de esforço? Eu não paro! É mesmo intenso.  Isso vai um bocadinho de encontro, aliás, a uma pergunta que ia fazer. É essa a razão para ainda não te teres atirado para um álbum?  Claro! Porque estes últimos três maiores lançamentos – tens feito também muitos remixes, faixas soltas –, mas os lançamentos maiores são sempre EPs. Ia perguntar se havia alguma razão para ainda não teres chegado ao álbum. Acho que é mesmo isso. Se é para fazer um álbum, preciso de tirar mesmo tempo. É que cada EP também dá imenso trabalho, e [esses projectos] também requerem um trabalho visual da minha parte para montar shows, para montar vídeos. Por exemplo, o Amarração tinha um vídeo. Só esse vídeo é um trabalho gigante, estás a perceber? E é um vídeo super simples. Agora estou a fazer um vídeo para o Water Bender e ainda dá mais trabalho. Imagina se eu fizesse um álbum, ia ser mesmo desastroso. Eu ia desmaiar a meio, qualquer coisa assim do género. É muito trabalho! Depois as pessoas também põem bué pressão, tem de ser tudo bué perfeito. Também não sei lidar muito bem com esta pressão, então preciso de arranjar formas de trabalhar sob pressão, sobre esta urgência que as pessoas de repente põem. “Lanças isto? Quando é que vais lançar isso? Quando é que vais fazer isso?”… Tenham calma! Eu faço, o quê, música há dois anos…? Gente… Porque é que está tanta gente a exigir-me tanta coisa?! Isto não é normal. Pois, e com o álbum parece que a malta dá sempre essa pressão acrescida, como dizes, tem de ser ainda mais perfeito! Na verdade, o Water Bender e o Amarração podiam até ser considerados álbuns. E mesmo em termos de tempo. Mesmo tendo os remixes todos, o Amarração já tinha 40 minutos e só de faixas tuas deviam ser 25, se bem me recordo (estou a dizer mais ou menos de memória), mas também era o tempo “aceitável” para o que é um álbum. Sim. O Water Bender tem meia hora. Let’s see. Eu também não crio essas hierarquias de EPs e álbuns. Para mim, cada release é uma história. Eu dou o nome de EP porque para mim é aquilo que é mais imediato, sabes? É como dizeres exposição ou instalação. Tu podes fazer uma exposição a solo numa galeria e tem um peso. Se disser que tudo aquilo é só uma instalação, parece que as pessoas retiram uma certa credibilidade. Até pode ter 50 desenhos, mas eu digo que é uma instalação. E acho que é um bocado o que eu faço com os EPs. Até podiam ser considerados álbuns, mas eu não quero que eles o sejam. Também para retirar o peso que as pessoas dão ao meu trabalho – ou a exigência que estão a dar –, não acho que faça sentido. Sim, as pessoas continuam (no geral) a descredibilizar um bocado o EP também porque a nível histórico, num contexto pop/rock, lançavam os EPs como promoção do álbum. Estou a a supor, mas na electrónica continua a ser uma coisa que é muito usada e parece que só se leva a sério se for um álbum… Se quiserem chamar álbuns aos meus releases, estão [à vontade], força nisso! Eu não me podia estar mais a cagar, honestamente. [Risos] Tu estiveste mais activa durante estes meses que seguiram o Amarração em lançamentos mais pequenos, com vários remixes e entradas em compilações. Foi libertador lançar nesse tipo de formato? Exactamente por causa dessa pressão, também… Acho que foi libertador no sentido em que eu pude conceber cada track de compilação como uma história única — uma sonoridade única. Enquanto que a minha preocupação nos EPs, é criar uma coerência entre todas as tracks, de forma que façam com que tu queiras ouvir do início ao fim duma única vez, porque te propõe uma coisa única. E só as tracks no conjunto é que fazem sentido. Por exemplo, no Amarração eu não sinto que as tracks sozinhas façam sentido algum. Ainda que as pessoas possam ouvir, para mim aquilo é uma única coisa, até podia ser uma track única. No Water Bender é a mesma coisa, eu compus aquilo como uma história única — faço selecção de samples ou componho as melodias e tento repeti-las nas faixas, tento fazer fazer harmonias e outras coisas que se vão repetindo ao longo das músicas, para que haja uma coerência sonora qualquer que te faça entrar num [determinado] universo. Os remixes são outra coisa e acho libertador fazer estas tracks isoladas, no sentido em que não tenho a pressão de compor um mundo tão detalhado como é num EP. É uma proposta mais imediata. Não quero dizer efémera, mas… imediata é a palavra certa. Além disso, lançaste uma boa quantidade de mixes e de gravações de DJ sets. O que te tem entusiasmado ouvir mais recentemente? Uh, tenho de vir aqui ao telemóvel, pode ser? Então, há uma compositora que eu tenho ouvido que é a Kaija Saariaho, que ela tem estas composições para violino bué tolas, ela pega nos violinos e faz umas cenas [esquisitas] [imita o som dum violino]. As minhas referências musicais antes da electrónica, para além do pop, eram muito orquestrais, tipo bandas sonoras de jogos, composições orquestrais que tinha ouvido quando tirei formação musical. Então, para mim é importante, de alguma maneira, manter essa relação, essas referências, mas tentar perceber como é que elas foram guardadas dentro de mim. Para mim há uma dimensão muito tola de experimentação com os instrumentos mais clássicos, tipo o violino, a flauta (que eu toco também no Water Bender e noutras tracks), e tentar ouvi-las e repeti-las nos mixes. Tenho ouvido também o Stockhausen, o Xenákis,… Ou seja, tens estado muito mais ligada a esse lado da música erudita. Acusmática, electroacústica… Sim, acho que é mais aquilo que eu tenho ouvido, só porque também estou um bocado saturada de um certo tipo de electrónica. Eu adoro música electrónica, eu faço música electrónica [risos], mas acho que para mim chegou a um ponto em que estou no SoundCloud a ouvir músicas e tudo me soa ao mesmo. Também sinto que só ouço as músicas das pessoas que eu conheço, de alguma maneira – tipo da Stasya, do Herlander, do DRVGジラ, do Swan Palace, do FARWARMTH, a NESS… – porque no fundo a informação é tanta, eu ouço tantas coisas para tocar (por exemplo, para fazer DJ sets); a uma certa altura tu já não ouves nada, tu passas pelas coisas. Quando quero ouvir profundamente uma coisa, a minha primeira escolha são as pessoas que me são próximas ou, então, estas coisas mais experimentais ou mais antigas dos anos 1960, 1970, uma Derbyshire ou uma coisa assim do género. Ou até a Diana Policarpo, uma pessoa que tenho descoberto recentemente e gosto bué. São coisas que, a mim, me deixam mais tranquila, também na minha própria experimentação, e deixam-me segura de não ter que fazer música clubby ou música para agradar a um certo tipo de crowd. Porque há coisas tão – vou usar outra vez a palavra [risos] – esquizofrénicas, há coisas tão tolas que o facto de eu ouvi-las e, de alguma maneira, acumulá-las enquanto referências dá uma certa liberdade de compor. Acho que é isso que eu tenho ouvido recentemente, essas coisas. Às vezes nem sei o nome dos compositores, fuck it. No fundo é o que me deixa mais feliz lately.

Como se deu a tua relação agora com a New Scenery e como te propuseram a ideia para lançar o Water Bender? Eles mandaram-me uma mensagem a perguntar se eu queria lançar com eles. Isso foi logo a seguir ao Amarração e eu estava um bocado overwhelmed: “não sei se quero fazer outro EP, não sei se tenho ideias…”. Mas, no fundo, eu sinto que o Water Bender continua na experimentação de Amarração e do Matrafona e sinto que é a culminação certa dos dois releases. De alguma maneira sinto que culminou ali aquilo que eu comecei no Matrafona e continuei no Amarração, sabes? Porque foi tudo no mesmo ano, então não parei de experimentar as mesmas coisas. Se eu pudesse eliminar os outros releases, eliminava e deixava só o Water Bender [risos], porque sinto que está lá tudo aquilo que eu tentei fazer nos outros dois. A minha relação com eles foi pretty much isso. Eles convidaram-me, depois convidaram-me para ir a Londres tocar com eles e nós mantivemos esta relação muito próxima. Depois eu convidei uma das pessoas, a Jasper Jarvis, da New Scenery, para vir tocar à Circa, então sempre mantivemos uma relação de apoio mútuo e eles estão a trabalhar imenso para o Water Bender. Eu não me importava que fosse só um release, whatever, lança-se assim, mas eles queriam mesmo fazer este trabalho decentemente, e reach out às plataformas – a RA, a FACT, a Hyponik, whatever – e conseguir que ele tivesse uma força qualquer em termos de press, que eu não me importo que não tenha. Depois disso, os nossos laços ainda ficaram mais estreitos porque realmente fico mesmo muito agradecida por eles terem feito todo este trabalho. Acho que são pessoas com quem eu quero continuar a colaborar. Também gosto do trabalho das pessoas que lá estão, são pessoas mesmo hard workers e respeito muito o trabalho de alguém que se esforça. By the way, não elimines os outros trabalhos, especialmente o Matrafona, por favor [risos].  Também é o meu preferido, i must say. Amarração é aquela experiência necessária para sobreviver a um breakup, mas o Matrafona é um projecto conceptual, mesmo. Espero que gostes do Water Bender. É mais Matrafona do que Amarração. Senti isso mesmo na faixa, a única que ouvi que é a … A pior [risos]. É mesmo a pior, eu não sei porque é que eles escolheram aquilo [risos]. O single é sempre a pior, diz-se [risos]. Mas sim, por acaso também senti essa proximidade ao Matrafona. A sério?! Pelo menos fiquei um bocadinho com essa sensação. Mas lá está, também ouvi só essa faixa. Tu mudaste também um bocadinho mais em termos da produção? Ou seja, começaste a usar mais hardware, sintetizadores, outras máquinas ou o computador continua a ser o teu instrumento? As minhas [ferramentas] principais foram um gravador (o Zoom), a flauta transversal, que está em todo o lado menos na “O RO”, e a minha voz. São as coisas principais e bué gravações de melodias do Norte de Portugal. O “O RO” é basicamente um take electrónico de uma lullaby do Minho chamada “Ó Ró Ró”. Depois convidei só a BLEID para mexer um bocado no sample e estar ali a brincar. Mas basicamente, para mim, é mais uma exploração de gravador, voz e flauta. É por isso que eu digo que se aproxima mais do Matrafona porque o Matrafona também teve esta coisa de pegar num gravador e estar a gravar cenas, mais do que o Amarração que são mais samples pré-gravados. E tem mais a tua voz também. Ya. Por isso é que eu acho que, de alguma maneira, o Water Bender aproxima-se do Matrafona, nem que seja uma versão completamente diferente, mas aproxima-se nesse sentido de exploração fora do computador. Mesmo das melodias, que foram compostas pela flauta, e o gravador, de ir à procura de sons. Enquanto a Amarração era mesmo esta coisa de “eu quero estes sons, tipo facas”, ainda que também hajam facas e coisas assim no Water Bender, “quero facas, coisas a cortar”, percebes? Para compor essa fantasia figurativa. Enquanto aqui sinto que há mais uma exploração sonora que se aproxima daquilo que eu comecei a fazer no início do ano passado. Tudo no computador na mesma, mas fui fora do computador buscar as coisas e depois processo-as dentro. Pergunto porque temos muito a tendência hoje em dia de começar a fazer as cenas só no computador, uma cena muito mais DIY, e o que acontece com a malta que começa a crescer, a ter mais atenção ou começa a conseguir ganhar da música, passa a ir mais para o lado dos sintetizadores ou de hardwares. Não tenho interesse. Nem interesse, nem vontade, nem curiosidade mesmo.  Por alguma razão? Primeiro é muito caro. Prefiro gastar dinheiro noutras coisas. Consigo reproduzir tudo no computador, tudo aquilo que eles fazem nos synths, lamento, é possível fazer com o computador. Não há nada analógico que não seja possível fazer em digital, na minha cabeça, naquilo que eu já estudei sobre o assunto. Portanto, prefiro ir mais a fundo no computador. Sinto que abre mais possibilidades do que uma máquina analógica. A possibilidade dos plugins é infinita. É diferente se for um instrumento. Tu gravas uma coisa que passas para o computador. Agora, criares melodias num synth… mais vale criares melodias tipo computador [risos]. Alguém algum dia tem que vir ter comigo e explicar-me realmente qual é o valor, porque é que gastam tanto dinheiro. É que é mesmo caro. Eu tentei, houve uma altura que eu pensei: vou comprar um sampler, drum machines. Eu cheguei à loja: carissímo! Fuck it! No meu computador, eu consigo fazer tudo. Não vale a pena estar a sustentar uma economia e uma indústria de música que não me apoia a mim. O Ableton ainda por cima foi-me dado de graça pela Ableton.  Isso é o topo, não é?  Mas fui eu que pedi. Disse-lhes tipo: não tenho dinheiro. Mandei bué cenas sobre mim e eles: “Ok, we want you to you keep doing music, so we’ll send you Ableton for free“. Fiquei mesmo, “uau”! Se eu mandasse isto à Yamaha ou à Korg para ter um sintetizador, eles nunca me dariam um sintetizador de graça. Estás a perceber a diferença? Portanto porque é que eu iria ter um sintetizador quando tenho o Ableton supporting my work? Ableton forever. Sobre o Water Bender, o que está por trás do disco? Por trás do Water Bender está só uma história bué simples. Eu tinha esta história que queria contar e o desafio era compor as músicas como capítulos. Ou seja, eu vinha do Amarração que era este mundo, esta fantasia através do sampling e da voz, claro. O que eu queria no Water Bender era, em vez de ser um mundo ou uma fantasia a partir dos meus traumas pessoais de amor, [ter] esta coisa de haver uma história bué fixa e simples, e o meu objectivo era aprofundar cada parte da história musicalmente. A história é, basicamente, uma miúda com capacidades water bending que tem o coração partido por uma pessoa e ela faz uma espécie de ritual para que os poderes dela a sufoquem. Ou seja, ela afoga-se, ela consegue manipular a água so she can drown herself e morra. That’s the end. Como tu vês é bué simples. É só: ela fica com o coração partido e tenta criar uma magia qualquer que faça com que os poderes dela a afoguem, so she can disappear from the world. Era só esta a proposta. Depois, claro que quando eu comecei a fazer o EP, a história foi-se aprofundando e ficando cada vez mais complexa — que eu não quero revelar porque prefiro que a música fale por si. Acho que vais perceber com as letras e com os sons. O principal eram quatro faixas: era o início, quando ela fica com o coração partido; quando ela vai fazer o ritual; o afogamento; e o momento da morte. Eram essas quatro principais. Depois acabei por acrescentar uma lullaby que era o feitiço que ela fazia e acrescentei uma bonus track que é esta ideia da “banshee” que é o espírito de uma mulher que viveu uma injustiça e que acaba por existir neste realm para avisar a morte que a pessoa vai morrer, é tipo uma figura mítica irlandesa. Aparece bué nestas séries tipo Buffys, Sabrinas [e por aí fora]. Mas esta ideia de que uma mulher sofreu uma injustiça e volta em espírito, em fantasma, e de alguma maneira aterroriza um bocado este realm – e seria pós-morte, é por isso que é uma bonus track –, mas para mim, ainda que não faça muito sentido estar a explicar a história, acho que é importante perceberes que há uma ideia de fantasia e de magia presente no EP, que de alguma maneira se relaciona com os trabalhos anteriores, com a pesquisa que eles têm, mas eu sinto que o projecto tem mesmo esta coisa de início ao fim. É por isso que eu acho estranho as faixas serem lançadas assim soltas, randomly, porque eu não consigo ouvi-las separadas. Do início ao fim ouves uma coisa e é como ver um filme. Tu vês partes dum filme e ficas “great, muito gira a cinematografia”, mas não percebes muito mais. Pois, e ninguém lança um capítulo do filme para o promover, não é?  Exacto! Claro que eu estou a fazer isto porque é assim que o mundo funciona [risos], mas é uma proposta narrativa e mais pop, se é que eu posso dizer isto. Pelo menos foi o que me disseram. Sempre que mostro o EP, as pessoas dizem-me que é um take mais pop. Pop no sentido em que eu canto e tenho um beat, tenho uma proposta que é catchy. Se calhar um bocadinho mais regular, não é? Que tem uma estrutura mais óbvia.  Não diria, eu acho que é mesmo melodicamente agradável. Não consigo explicar melhor, mas tem umas coisas catchy, you incline towards it, e acho mesmo que a composição das lyrics e da voz têm uma dimensão pop. Não é pop music, como é óbvio, mas acho que é influenciado por isso. Mas é bué simples, o Water Bender não é um projecto conceptual da mesma maneira que é o Matrafona, nem como é o Amarração, é mesmo um projecto narrativo, ficcional quase. O Amarração, por exemplo, é bué autobiográfico. Este, ainda que seja autobiográfico, a proposta é sair de mim. Claro que é sempre a partir de mim, as lyrics, as minhas próprias experiências, mas é criar uma história e usar a música para contá-la, Tem graça porque é completamente diferente do Matrafona e do Amarração que são muito mais baseados nas tuas experiências, não é? Mas este também é, como é óbvio. Quem teve o coração partido fui eu, não foi uma personagem! Mas a cena é que o Amarração é um projecto de cura, no sentido em que fiquei bem a criá-lo, consegui ultrapassar imensas coisas, e no Water Bender já tinha a capacidade sonora, intelectual, emocional de pôr uma coisa mais bem feita a partir da minha própria experiência. Então consegui mesmo criar um mundo ficcional [que é] detalhado sonoramente, enquanto no Amarração sinto que foi demasiado imediato. I was in pain e fiz aquilo. No Water Bender eu tive tempo de digerir toda a minha pesquisa, tive tempo para compor uma coisa que é para tu usufruíres mais do que eu. O Amarração é para mim, o Water Bender é para ti. Para teres a minha experiência digerida, e não estás a participar da minha digestão ou da minha compreensão… Tens tido sempre remixes nos teus trabalhos, mas, salvo erro, esta é a primeira vez que tens mesmo contribuições, feats., não é? Qual foi a intervenção da BLEID e de DRVGジラ no disco? A BLEID sinto que foi a pessoa que mais participou na faixa, no sentido em que eu e ela tirámos um dia, fizemos a track, depois eu refi-la, claro, adicionei coisas, mas estive mesmo presencialmente com ela. Quanto ao DRVGジラ, enviei-lhe umas coisas, ele ouviu e mandou-me uns samples de volta (uns kicks, umas coisas assim), depois eu montei a faixa de acordo com os samples que ele me mandou, para fazer sentido. Não me dava tanto com ele na altura, quando fiz a track, e estava muito ocupada, não conseguia tirar um dia como consegui com a BLEID. A música da BLEID foi das primeiras que fiz para o EP. A do DRVGジラ foi a última, então já estava num mês bué busy, já nem sequer tinha tempo para estar a tirar um tempo e ir fazer a track. Mas basicamente foi isso. E quanto às escolhas, terem sido eles os dois para este EP? A BLEID é das minhas melhores amigas e nós nunca fizemos nada juntas. Pensava: “já fiz com toda a gente menos com ela”. Faltava! Não é a melhor coisa do mundo, mas foi importante para mim perceber como é que ela trabalha, e ela também perceber como é que eu trabalho, porque no fundo os outros EPs também eram coisas solitárias. Sinto que o Water Bender é menos solitário. É por isso que digo que este trabalho é mais para fora, no sentido em que comunica mais. Pensa mais em tudo à minha volta e como é que as pessoas vão receber, pensar e sentir aquilo que eu tenho para dizer. Os outros foram projectos completamente fechados em mim. O DRVGジラ foi porque tinha uma crush, agora nós namoramos. Mas queria muito trabalhar com esta pessoa, gosto da sonoridade e queria conhecer. Fazia-me sentido também na narrativa ter a última música, depois da digestão de toda a merda por que passei, sentir que há uma espécie de luz no final do túnel. [risos]

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