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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 17/12/2025

O grupo de Braga, autor de um jazz moderno sem fronteiras, voltou com um novo disco.

OCENPSIEA e Ensaio Sobre a Surdez: “É o nosso álbum mais improvisativo e virtuoso. E queríamos muito passar uma mensagem”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 17/12/2025

Em homenagem a José Saramago e com um carácter particularmente interventivo, mesmo que subtil, os OCENPSIEA lançaram há um mês Ensaio Sobre a Surdez, o seu quarto álbum trocando as voltas ao título do famoso romance Ensaio Sobre a Cegueira

Com participações especiais do rapper norte-americano Ghais Guevara e dos portugueses Bruno Pernadas, Marlon, Lucas Oliveira e José Gonçalves Rios, é o primeiro disco da banda de Braga com a formação dos últimos anos com os membros originais João Nuno Vilaça e Gonçalo Cravinho Lopes, a quem se juntou o teclista João Ferreira.

A maturidade do grupo, consolidada nos concertos, resultou num disco com uma componente de improviso, mais virtuoso, com mais instrumentos a serem tocados na dezena de faixas que o compõem. Ao Rimas e Batidas, João Nuno Vilaça e Gonçalo Cravinho Lopes falam sobre o novo projecto e antecipam que o futuro passará cada vez mais por fazerem colaborações com vocalistas, sejam rappers ou cantores.



Tendo em conta que este é o quarto disco da banda, qual foi o vosso ponto de partida para este trabalho? Houve uma abordagem inicial distinta, em termos daquilo que procuravam?

[João Nuno Vilaça] Este álbum foi totalmente diferente dos nossos primeiros três, porque entretanto houve mudanças na banda. Dois membros saíram do grupo, para aí em 2022, se não me engano. Então tivemos de repensar totalmente a maneira como fazíamos música. Daí ter demorado tanto tempo a lançar um álbum, porque o nosso objectivo é sempre pôr música cá fora o mais rápido possível, porque também nos é intuitivo criar. Mas, lá está, tivemos de repensar e houve várias fases nesse processo, que passou por experimentar tocar com vários músicos, até que começámos a tocar com o João Ferreira, que é o nosso actual teclista, que foi quem gravou as teclas no álbum todo… E foi aí que encontrámos realmente uma nova imagem para o nosso projecto. E experimentámos novas músicas, gravámos e deu isto.

[Gonçalo Cravinho Lopes] Sim, as músicas surgiram de vários sítios, desde jams em que estávamos só os dois a jams com outras pessoas… Por termos tido vários concertos desde o último álbum, também tentámos inovar de concerto para concerto e implementar novas ideias, e tudo isso foram processos que levaram naturalmente a estas ideias que surgem agora. 

[JNV] O próprio álbum, se ouvirmos em comparação com os outros, é muito mais improvisativo, muito mais virtuoso. Do último álbum para este, nunca tivemos uma fase com tantos concertos — tivemos concertos em diversos sítios, em contextos completamente diferentes em todo o país, e isso fez com que nos sentíssemos muito mais à vontade em termos de improviso, é algo que se reflecte bastante neste projecto.

[GCL] Sim, também temos uma orquestração com mais instrumentos neste álbum. Acho que nunca tínhamos usado tantos instrumentos. Violino, violoncelo, oboé, flauta, saxofones, guitarra, viola braguesa… Temos uma imensidão de instrumentos que não tínhamos usado assim tanto nos álbuns anteriores.

Ou seja, há muitas coisas que foram criadas de improviso e depois decidiram mantê-las para o álbum. E o conceito do Ensaio Sobre a Surdez e esta alegoria à obra de José Saramago, como é que aparece no meio desse processo? Já percebi que foi longo, que passou por várias fases. 

[JNV] Sim, Saramago é uma coisa em comum que nós temos, é um dos nossos autores favoritos. Durante o processo de produção, principalmente eu tive a necessidade de juntar certos clipes, porque sentia que era preciso começar a transmitir uma mensagem o que é bastante difícil, embora não seja impossível, através de música instrumental. Podemos pôr isso nos títulos de músicas ou de álbuns, mas os clipes de voz, para mim, foram bastante importantes e podemos ouvir ao longo do álbum, não só Saramago, mas clipes de voz a transmitir uma mensagem. A partir daí, chegámos a este trocadilho, uma homenagem a Saramago, e acabou por ficar. Claro que o próprio título também tem uma mensagem que pode ter várias interpretações, acho que o ouvinte pode interpretar da maneira que quiser. 

[GCL] Tal como Saramago fez nos seus ensaios, que acabam por ser críticas, esta também é uma forma de, com o álbum, mostrarmos algumas das preocupações que temos em relação ao que se está a passar actualmente, com várias situações preocupantes em que as pessoas parecem não ouvir nada e simplesmente continuam com as suas vidas.

[JNV] Uma das maiores preocupações actualmente são os genocídios, principalmente em Gaza, e acho que tentei transmitir isso a partir do clipe da “Animais”, por exemplo, mas não só. Claro que isso é o que me inquieta mais, mas internamente também temos problemas muito preocupantes e aí já foi mais em músicas como a “Não Faço a Semínima” ou a “Subsistir” que dizem que, por exemplo, o nosso sistema de educação está todo de pernas para o ar. Nós somos criados para vangloriar tudo o que está mal no mundo e a história é contada de uma forma que não nos faz pensar nas coisas como devem ser. 

[GCL] Sim, desde o nosso último trabalho que há imensos problemas que têm vindo a persistir e a tornar-se mais fortes no mundo, como a ascensão da extrema-direita. E este álbum também é uma forma de nos alertarmos a nós próprios e a quem está a ouvir para o que se está a passar. E para a sua postura em relação a isso. 

E houve conversas mais intencionais ou conscientes sobre esses temas em relação ao álbum, durante o processo de composição? 

[GCL] Sim, são assuntos de que falamos porque somos amigos. E, naturalmente, esta energia dentro de nós acaba por passar para a música e por ter precisamente esse significado. 

E como é que convocaram estes convidados para o disco? O nome mais inesperado, claro, é o do Ghais Guevara.

[JNV] O Ghais Guevara é um artista que sigo há bastante tempo. Acho que é um dos nomes mais promissores no rap internacional. Acho que ele vai de encontro ao que o álbum transmite, embora a faixa com ele seja completamente diferente de todas as outras. Acho que ele é um rapper extremamente virtuoso. Para esse featuring especial, mandámos-lhe as maquetes que tínhamos e onde imaginávamos que ele pudesse fazer alguma coisa. Ele escolheu aquela e nós até ficámos um bocado… Era tipo a última que esperávamos que ele fosse escolher. Mas escolheu e acho que ficou espectacular. Depois, o Marlon é um artista que já é nosso amigo há bastante tempo. Ele segue-nos mesmo antes do Oceano-Mar, já esteve connosco em estúdio a gravar, enquanto gravávamos outras coisas.

[GCL] O Bruno Pernadas também o conheci há uns tempos num projecto. E desde aí que nos encontrámos em vários festivais. Eu a tocar as minhas coisas, ele a tocar as dele. E sempre gostámos da música dele, desde sempre que foi uma inspiração para nós. Sempre foi algo muito consensual, em termos de gosto, para nós. Tínhamos uma maquete e decidimos enviá-la. E foi muito mais do que nós estávamos à espera, foi realmente espectacular. O Lucas Oliveira também… Ele está a tocar saxofone barítono e saxofone soprano no álbum. E fez uns solos espectaculares com o barítono na “Animais”. Acho que nunca tinha ouvido um barítono tocar assim. 

[JNV] E o José [Gonçalves] Rios é um amigo nosso, já tocámos com ele, ele é aqui de Braga. A “Animais” surgiu quando estávamos aqui com ele no meu quarto, a fazer uma jam com a guitarra e ficou e também toca viola braguesa.

E nesses casos que tem a ver com envolver outros instrumentos, foram buscar as pessoas consoante isso? Ou as pessoas é que já estavam à vossa volta e acabaram por adicionar esses ingredientes à receita final?

[JNV] Acho que depende. Porque nós temos formação clássica, estudámos os dois até ao 12º. ano — e depois disso também. Mas a primeira música vai de encontro a isso, surgiu uma composição, essa composição precisava de instrumentistas e foi fácil porque nós conhecemos muita gente que pode fazer isso. Mas depois, por exemplo, o saxofone surge em algumas músicas — não porque estávamos a pensar que ia ficar bem o saxofone, mas mais porque surgiu aleatoriamente. 

[GCL] Sim, foram até oportunidades em que às vezes uma pessoa está em Braga e vem ouvir as nossas músicas porque queremos falar com ela sobre o que é que acha e até tem um instrumento e nós aproveitamos para ver se ficaria bem alguma coisa. Foi também um processo de muita experimentação, de acrescentar e tirar. Ou seja, foi um processo longo. Não foi algo que já sabíamos como é que ia ser. O processo teve vários caminhos. Teve essa parte também mais fluida. 

Esta “Minho-Funk” é de facto diferente do resto do álbum, até pela colaboração com o Ghais Guevara. Vocês teriam interesse em fazer mais coisas deste género, em criarem composições para terem cantores ou rappers a usar a sua voz por cima? 

[JNV] Sim, acho que é inevitável, para nós enquanto grupo, caminhar nessa direcção. Neste projecto, especificamente, tentamos geralmente ter uma base mais instrumental e improvisada. Mas acho que é inevitável, se queremos subsistir em Portugal, quer queiramos fazê-lo, quer não… Mas queremos. Temos de ir por esse caminho. E já temos um pouco a ideia do próximo álbum definida e vai muito de encontro  a isso, em princípio. 

A nível artístico também pode revelar-se uma nova faceta daquilo que podem ou não explorar. 

[GCL] Nós sempre fomos altamente inspirados por hip hop, desde os nossos primeiros trabalhos. Aliás, o nosso último disco, antes deste, também tem faixas com artistas como o David Bruno e o PZ. E antes também temos outras colaborações, ou seja, a voz sempre foi algo que nos inspirou. Acho que este último tema do álbum, “Minho-Funk”, de certa forma também nos guia para aquilo que podem ser as fusões e ideias que podemos ter para um próximo trabalho. 

[JNV] Nós tentamos sempre fazer uma ponte. Temos muitos simbolismos no nosso grupo. Temos sempre 10 faixas, fazemos pontes do final para o início dos discos seguintes, da última para a primeira música. E em princípio vamos tentar fazer isso com este. Ou seja, a “Minho-Funk” vai ser uma espécie de transição.

[GCL] Estes álbuns acabam um pouco por também contar a nossa história. Nós começámos a tocar juntos quando tínhamos 14 ou 15 anos. E agora temos pelo menos mais 10 em cima. Revisitar estes álbuns é também ver onde é que nós estávamos. E queremos continuar a contar esta história. 

[JNV] E acho que a improvisação neste disco também nos faz querer, agora, apresentar este álbum em 2026, quando faz 10 anos desde o nosso primeiro concerto. O próprio álbum poderia ter sido ao vivo, porque muitas das músicas foram tocadas pelos três ao mesmo tempo. O facto de já ter essa componente dá-nos a possibilidade de ao vivo ser ainda mais fluido e muito mais improvisativo. E há muitas possibilidades porque somos uma banda que pode ir a um festival de rock como pode ir a um festival de jazz. Este álbum, especificamente, podemos tocá-lo durante uma hora ou apenas meia hora e estamos a tocar o mesmo número de músicas ou acrescentar mais músicas e podemos ter uma música que num concerto dura 20 minutos e no outro dura só cinco. Acho que as possibilidades são infinitas com as composições que fizemos. 

Portanto, vai depender muito dos palcos em si, das características dos sítios. Há datas específicas que já possam adiantar?

[JNV] Estamos a tratar de marcar os sítios, mas já temos datas para o início de Janeiro. E vamos ter vários concertos de apresentação em 2026. É o nosso foco, principalmente porque marca os 10 anos desde o nosso primeiro concerto, em 2016.


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