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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 13/03/2023

Andiroba, farroba, jandiroba, jojoba, maniçoba, peroba, taioba.

Oba Loba: “Não temos a preocupação de ser diferentes”

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 13/03/2023

Em vésperas dos seus concertos no Teatro do Bairro Alto, a 18 de Março, e na SMUP, a 19, conversámos com os  mentores do grupo Oba LobaJoão Lobo e Norberto Lobo. Ao longo desse diálogo, antecipou-se o que vamos ouvir: um alinhamento que será feito com base no álbum Pantufa Alcalina, saído numa altura em que a pandemia não permitia que se fizessem espectáculos. Um par de anos após a edição, assim se concretiza o regresso à “normalidade”.



É difícil não começar por esta pergunta, mesmo que a questão do nome seja menorizada pelas bandas em geral. As palavras “Oba Loba” não parecem ter sido associadas ao acaso pela sua homonomia, mesmo sabendo que Oba é simplesmente uma saudação, ou uma interjeicão de agrado, e que Loba faz alusão aos apelidos Lobo dos seus protagonistas. Fui a um dicionário do Português do Brasil, necessariamente mais rico do que os do Português da Europa devido à maior quantidade de termos vindos das linguagens indígenas e de África, e acabei confrontado por designações como andiroba, farroba, jandiroba, jojoba, maniçoba, peroba, taioba, etc. Fiquei também a saber que Oba repetido duas vezes, com traço a meio, se refere a obsessão. Ora bem, de onde vem este “Oba Loba”? De uma pesquisa linguística que resulta na vossa escrita emaranhada? De uma espontaneidade dialogante que se traduz no uso da improvisação?

[João Lobo] O nome Oba Loba não vem de certeza de uma pesquisa linguística, mas soa bem e tem um cheiro a celebração, brincando com o nosso apelido comum, meu e de Norberto Lobo. É fácil de dizer em quase todos os idiomas, fica na memória facilmente e tem ritmo.

A vossa música tem sido descrita pelos media, e por vocês mesmos (sinopses de apresentação), como “híbrida” e “ambígua”, evitando-se referências históricas como “fusão” (anos 1970) ou “colagem” (anos 1990). Dá-se a entender que não são os aspectos formais (no sentido da utilização das “cascas” que definem os géneros musicais) que vos interessam, mas os conteúdos entrecuzados e tornados quase indistinguíveis dos mesmos. Reconhecemos recursos picados da folk (sobretudo a “weird” e hippie-punk), do jazz (com o orquestralismo imprevisível de Carla Bley e Charles Mingus), da música de câmara (enfatizados pelo violino e pelo clarinete), da pop (discernível pela predominância que dão à melodia) e de outras músicas não catalogáveis (tipo Penguin Cafe Orchestra). E isto de tal maneira que um léxico é outro léxico e outro, e outro, sendo impossível fixar ou reter nenhum deles em particular. Podemos dizer que o projecto Oba Loba é “post-everything”, e não propriamente o “toca-e-foge” já argumentado pela imprensa?

[J.L.] Já tenho à partida uma certa dificuldade em reter termos que definem o “estilo” musical de um grupo e classificar esses “estilos”. Este grupo então é mesmo muito difícil de colocar numa, duas ou três “caixas” estilísticas, e talvez daí venha o termo “híbrido”. Obviamente que não pensamos nisso. Para nós é importante que haja coerência no repertório e no som do grupo e talvez por ser um grupo de músicos bastante ecléctico, essas fronteiras entre estilos esfumam-se.

Até que ponto as premissas do duo Norberto Lobo – João Lobo “sobreviveram” à transformação em sexteto e à inclusão de temas compostos por alguns dos novos (agora já não tanto) intervenientes? É-lhes pedido que sigam a mesma linha na (sua) escrita?

[J.L.] Não. Os músicos levam material que acham adequado ao grupo e depois decidimos todos juntos se os temas resultam ou não. Geralmente concordamos com o que funciona e com o que não funciona.

As partituras são só posteriormente trabalhadas/alinhadas em grupo, de modo a haver continuidade e congruência?

[J.L.] O “haver continuidade e congruência” não é uma preocupação inicial. Isso vem no final, quando estamos a construir um disco. Alguns temas nem têm partituras, são ideias muito simples à volta das quais improvisamos, por exemplo.

Qual é o vosso método criativo? Que processos utilizam nos vários momentos da criação musical?

[J.L.] Como não vivemos todos na mesma cidade, só nos encontramos para ensaiar e gravar quase em simultâneo quando temos uma oportunidade. Para cada disco foi diferente, mas em geral o Norberto e eu vamos preparando alguma música para levar, e às vezes o Giovanni e o Jordi também levam algo. Depois, dependendo da música, ou a arranjamos em conjunto ou interpretamos um arranjo que já vem feito.

Especificando o que já disseste, qual é o lugar que dão à improvisação? Surge a meio das composições, sendo pré-determinadas e pré-delimitadas por estas? Iniciam-nas?

[J.L.] A improvisação pode “ser” a peça, estar integrada na peça como um momento ou parte da mesma, assim como pode haver, por exemplo, dois músicos que estão completamente livres a improvisar, enquanto os restantes tocam um arranjo preciso.

Ainda à volta da mesma temática, e porque é relevante que o público saiba das vossas próprias intenções/interpretações, que evolução encontram entre Sir Robert Williams e Pantufa Alcalina? Amadurecimento do projecto e do colectivo? Transformações interiores, mesmo que não sejam imediatamente perceptíveis – o problema das audições superficiais? Ou o factor “evolução”, por si mesmo, não vos preocupa? E o de “revolução”, renovamento? É demasiado cedo para essas considerações?

[Norberto Lobo] Dentro da constante e natural procura de novas soluções e sons, penso que, ao mesmo tempo, não há a preocupação de fazer diferente,ou mudar radicalmente de linguagem,de álbum para álbum. Se bem me lembro, o “Sir Robert” era mais drony e quanto a este “Pantufa” sinto como que um regresso a regiões mais arejadas.

Parece-me a mim, observando de fora, que Giovanni Di Domenico ganhou um lugar fundamental na engrenagem da vossa música. Aliás, poderia afirmar-se que constitui o eixo (claro que com João Lobo, pois este vive na Bélgica, e tendo em atenção que o pianista teve outras colaborações com músicos nacionais) do relacionamento Lisboa-Bruxelas que o sexteto configura e que permite ao TBA anunciar que os Oba Loba “vêm novamente a Portugal”, quando um deles vive cá e o outro português anda cá-e-lá. Assim sendo (é?), o que me podem adiantar sobre o que Di Domenico traz à banda?

[J.L.] Todos os membros de Oba Loba são fundamentais e insubstituíveis, porque cada um tem combinações de características tão únicas que é quase impossível encontrar alguém que os possa substituir. O Giovanni é um excelente músico, compositor, pianista e, além disso, tem-se dedicado muito à gravação e à produção nos últimos anos. Ele é também uma pessoa muito dedicada quando gosta de um projecto. Foi ele que gravou e misturou os três discos de Oba Loba, por isso o envolvimento dele e o tempo que dedica à nossa música é, obviamente, superior ao dos outros membros (tirando eu e Norberto). Além disso. o Giovanni, assim como o Jordi, já contribuíram com temas para os dois últimos discos.

E já agora, que critérios seguiu a escolha de Ananta Roosens, Jordi Grongnard e Lynn Cassiers? São/foram devidos às personalidades musicais de cada um/uma? À facilidade com que se incorporariam nos aspectos programáticos de Oba Loba? A algum outro motivo que nada tenha que ver com os questionados, como, por exemplo, a amizade e a cumplicidade entre os participantes?

[J.L.] Todas as razões que referes fizeram parte da escolha destes músicos. A Ananta tem uma enorme sensibilidade musical, aliada a muita abertura e competência. Sabe fazer tudo: compor, interpretar, improvisar, cantar… Além disso toca dois instrumentos muito distintos, o que aumenta as possibilidades de arranjos. O Jordi é semelhante, toca vários instrumentos de sopro, improvisa muitíssimo bem e também tem essa sensibilidade musical apurada. A Lynn é capaz tanto de cantar o que lhe pedimos como de criar ambientes muito fortes com a sua electrónica e também é uma improvisadora de excelência. Todos têm personalidades musicais fortes, todos têm os seus próprios projectos para os quais também compõem, e muita experiência. Quando preparámos o primeiro disco (que acabou por dar o nome ao grupo), escolhemos estes músicos essencialmente por causa do que referi e por serem amigos próximos, tocarem os instrumentos que tocam e serem todos muito versáteis Além disso, é fácil trabalhar com todos.

O vosso último álbum, Pantufa Alcalina (em Português, note-se, tendo nós a noção de que o percurso do grupo tem sido feito, sobretudo, além-fronteiras), foi lançado em plena pandemia mais os vários confinamentos e, por isso, não foi tão escutado como em tempos “normais”. É o seu repertório que vão tocar no TBA a 18 de Março, numa recuperação do que ficou perdido nesse período – designadamente a impossibilidade de haver concertos? Alguns novos materiais serão adicionados? Se forem, prenunciam o que virá de seguida em termos de edição?

[J.L.] Pois, não tivémos oportunidade de apresentar este disco por causa do que referiste e já não tocamos em concerto desde 2018(!). Sim, vamos tocar maioritariamente o Pantufa Alcalina. Não temos neste momento nada em perspectiva para o futuro.

Uma característica de Oba Loba é, como já ficou referido, o seu multi-instrumentalismo, parecendo que seis músicos são mais. Para além do caso da bateria, que, como o piano, é toda uma orquestra, temos um guitarrista (Norberto Lobo) que também utiliza o baixo eléctrico, um pianista que toca (por vezes ao mesmo tempo) as versões Grand e Fender Rhodes do instrumento (o último com pedais de efeitos de guitarra), uma violinista (Ananta Roosens) que também recorre ao trompete, um clarinetista (Jodi Grongnard) que se desdobra entre o soprano e o baixo e uma cantora (Lynn Cassiers) que processa electronicamente a voz com uma série de dispositivos. A riqueza de timbres é impressionante só de ler. O que vos interessou nesta simulação orquestral? O factor colectivo? A variedade de paletas sonoras? Um certo ritualismo? A performatividade inerente a tal combinação de recursos, seja em estúdio como ao vivo?

[J.L.] É uma sorte os nossos amigos tocarem tão bem tantos instrumentos. Claro que gostamos muito de ter muitas possibilidades, até porque a música que escrevemos para este grupo é muito diversa e tendo muitos instrumentos temos mais possibilidades de diversidade no som e nos arranjos. Basicamente temos mais cores na nossa paleta. A performatividade nunca foi uma questão. Aliás, o facto de termos tantos instrumentos só nos dificulta a vida (e especialmente a vida dos engenheiros de som) em concerto. Além disso, é mais fácil sincronizar as agendas de seis pessoas do que de 10.

Há uma certa ideia de beleza nos temas de Oba Loba. Não a clássica, convencional, “grega”, refundida por uma certa pop, mas beleza ainda assim e ainda que nos seja entregue, em algumas ocasiões, como algo de sujo e interferido pelo ruído. Daí esta última pergunta: o que é, para vocês, a beleza na música?

[N.L.] Andiroba, farroba, jandiroba, jojoba, maniçoba, peroba, taioba, etc.


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