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Publicado a: 02/11/2017

O novo álbum do Valete? Prefiro uma música nova do Osiris!

Publicado a: 02/11/2017

[TEXTO] Gonçalo Oliveira [FOTO] Direitos Reservados

Nas últimas semanas, a ideia de escrever sobre a obra do Osiris era algo que me passava frequentemente pela cabeça. O intuito? Decifrar um pouco do seu génio e dar a conhecer melhor aquele que já foi um dos meus MCs favoritos. A noite de trabalho no Titanic Sur Mer no passado sábado serviu para trocar algumas ideias sobre o assunto com o Tilt, ele que tanto hip hop partilhou com Osiris e que culminou com a criação do super-grupo ORTEUM, actualmente reduzido a três membros. Antes de sequer tocar no assunto, o Tilt acabou por transmitir-me a frase-chave que se tornaria no ponto-de-partida para este texto a meio do seu concerto: “Eu preferia mais um som do Osiris e trocava-o pelo próximo álbum do Viris”. Essa foi uma das rimas mais urgentes que surgiram na “carta aberta ao hip hop”, acapella que atirou ferozmente no evento do passado fim-de-semana.

No entanto, a frase é uma daquelas “setas” venenosas que, infelizmente, poucos devem ter apanhado. O que é (quase) certo é que quem realmente acompanhou o percurso de Osiris vai concordar em pleno com esta afirmação.

E a história, como todas as outras, tem um início. Diogo Paiva, o nome que consta no cartão de cidadão de Osiris, foi um dos artistas mais irreverentes de uma geração do hip hop que se iniciou na era digital, ainda numa fase pré-Facebook e YouTube. Os amantes da cultura urbana conviviam juntos em fóruns e a música independente surgia, maioritariamente, no MySpace. A casa de discussão aberta mais bem cotada era o fórum da Horizontal, a editora criada por Valete. Muito por causa do próprio Viris ser um membro activo da sua própria comunidade, factor importantíssimo para os newcomers chegarem aos ouvidos de um dos rappers mais idolatrados da geração. “O objectivo máximo dos putos é ‘tar no blog do Viris,” relata Osiris em “Sismo”, também ele, na altura, um jovem MC à procura de adquirir o respeito dos grandes.

O seu percurso não foi propriamente duradouro, mas o trabalho árduo e a persistência fizeram dele um dos rappers que mais temas editou enquanto activo. Eu perdi a conta. Entre mixtapes a solo, EPs ou compilações entre a comunidade cibernauta do hip hop haverá, se calhar, perto de uma centena de faixas com o cunho de Osiris. Material que a Internet “esqueceu” porque os serviços de alojamento não sobreviveram e o YouTube é relativamente recente, quando comparado ao movimento do hip hop que nascia no início do milénio. O que há agora disponível são apenas alguns dos seus mais marcantes temas, carregados para a nuvem, de forma autónoma, pelos vários fãs do rapper da Póvoa de Santa Iria.

A obra que nos deixou causa mais impacto ainda dado o carácter poético, inovador e introspectivo com que Osiris manejava a caneta. Foi um dos primeiros génios da geração millenial a abordar o rap em Portugal, intensivamente marcada pelo uso das drogas e pela predisposição natural para as doenças de cariz psicológico, como a depressão. A mesma escola que viu nascer Nerve, Praso e Tilt, por exemplo, os três MCs que recentemente subiram ao palco do Titanic Sur Mer.

Osiris tentou arranjar novas formas para montar temas, abordou novas temáticas, experimentou flows e trouxe um vasto número de novas palavras para o vocabulário do rap nacional. As suas letras iam do amor ao sofrimento profundo, do egotrip à auto-descoberta, de viagens aleatórias e experimentais aos mais bonitos fraseados que desabrochavam em Portugal.

Quando tudo parecia estar a alinhar-se – foi uma das aquisições de peso para ingressar na já extinta No Karma – , Diogo Paiva enterrou o nome Osiris para se dedicar à escrita e refugiar-se dos problemas que nos habituámos a ouvi-lo segredar aos nossos ouvidos. A aventura pela editora que lançou trabalhos de Tilt, ORTEUM, Haka ou Metamorfiko ainda deu alguns frutos e os fãs do trabalho do rapper mantiveram sempre a esperança de o ver editar Manual Para Enlouquecer Com Estilo, o badalado álbum de estreia que nunca viu a luz do dia.

As canções que estão na Internet vão mantendo o seu nome vivo. Hoje, olhando para trás, vejo que, como alguns génios, apareceu na época errada. Talvez na altura o mercado do hip hop fosse mais limitado, com os MCs de topo mais preocupados em olhar para o seu umbigo e menos abertos a ajudar um novato a subir na hierarquia. Uma imagem que já nem se reflecte muito na actualidade, agora que há espaço para muitos mais artistas e nem que seja porque os rappers mais velhos “precisam” de se aliar ao sangue novo para casar as bases de fãs e manter tudo em ordem. Talvez…

Por toda a beleza implícita na sua poesia e todos os sentimentos que me despertaram, é sem rodeios que também afirmo: “Eu preferia mais um som do Osiris e trocava-o pelo próximo álbum do Viris.” Afinal de contas, foi um dos artistas de hip hop nacional que rodou em replay nos meus ouvidos, enquanto os heróis desta cultura navegavam no silêncio. Os guardiões do movimento que fecharam a porta para o poderio lírico do rapper da Póvoa de Santa Iria. Os intocáveis que há 10 anos atrás se teriam oposto ao aparecimento dos Pirukas desta vida e que agora lhes abrem as portas e lhes estendem as passadeiras.

O único “grande feito” alcançado por um MC deste calibre foi uma referência no Neuronewz. Nesse blogue, Sam The Kid deu a conhecer o jovem que tinha dado a “Melhor Rima de Sempre” antes do próprio Valete, rebentando a “M.I.R.I.A.M.” dos Orelha Negra pelas costuras quando a mixtape de remisturas do primeiro álbum do grupo era ainda um embrião. “Triste sina de um frustrado, fazer sons pra ninguém ligar um caralho,” desabafava Osiris no tema em que piscou o olho a Samuel Mira. Pouco. Muito pouco.

Para fechar a minha celebração do talento do Osiris, fiquem com 16 temas para desenjoar do rap “piroso” e inconsciente:

 


[Osiris] “Exterior” (prod. Orelha Negra “M.I.R.I.A.M.”)

“E logo que posso colo a minha versão /
Pra me dar o prólogo da minha situação /
Disponho o coração apto a disposição /
Numa canção que não passa de meditação /
De quem já não passa sem medicação /
Ansioliticos pros nervos, betabloqueadores pro coração /
Viver em tensão, em função de stress /
Gastar uma emoção num verso”

 


[Osiris] “Pós Meus”

“Meus tropas tanto tão bem como tão deprimidos /
A experimentar erva na era dos comprimidos”

 


[Osiris] “A História De Um Poeta Nunca Lido”

“Ferrei as unhas nas palavras que da minha boca saem /
Moldei o meu rosto de acordo com as lágrimas que me caem”

 


[ORTEUM] “Cordas” (prod. Necxo)

“Eu abri a minha caixa, contei-te os meus medos /
Pra acabares a abrir as pernas a um homem que tenha menos /
Tou a insistir muito nos pontos fracos? /
Tu estás só comigo ou tens outros fracos?”

 


[Osiris] “Doentio”

“Tu c’a cabeça noutro sitio e eu otário iludido /
A emendar as rimas que te tinha escrito /
Eu sinto mais que isso, eu sinto mais peace /
Se der um ultimo passo num ultimo piso”

 


[Osiris] “Eu Escolho Amor”

“Quando eu cagar no rap escrevo livros /
Sobre a condição humana de estarmos presos à ideia de sermos livres”

 


[Osiris] “Frio” feat. Red (prod. Sam The Kid “Frio”)

“Beijas-me quente na tez, tens /
Escrito na testa as /
Palavras que me disseste quando pensaste que ias desta /
Pra melhor ou pra pior, não sei mas espero /
Que percebas que a morte é a única forma de ser eterno”

 


[Osiris] “Desenhos” feat. Uno e Vinil

“Se calhar a diferença é mesmo essa /
Numa peça d’Eça de Queirós somos o romance dela, impossível”

 


[Osiris] “Tudo Ou Nada” (prod. MCF)

“Tudo é fundo, por isso me afundo /
Tá tudo a olhar pra mim mas eu não tou a olhar pra tudo /
Mando tudo c’o caralho, já o disse /
Tu mamas tudo, c’um caralho, javardice”

 


[eu e uma rapariga que conheci] “terês terigues teristes” feat. Osiris

“Não sei se aguento beber o teu veneno /
Palavras, leva-as o vento, ainda bem, põem-me doente”

 


[Osiris] “ORTEUM”

“Rappers fazem rodas, ORTEUM organiza mocas /
Oferecemos lugares cativos no McDonalds a gordas /
Rocko mais que o Pete ou pito mais que o Rock? /
Isto nem é um som boy, é um workshop”

 


[Osiris] “Panegírico” feat. Red

“Eu tinha coisas pra fazer, eu não me lembro de morrer /
Tanta frase por dizer, tanto poema por escrever”

 


[Osiris] “Sismo”

“ORTEUM não é só uma crew, é uma crew louca /
Faço sons por amor à camisola, fazes por amor à roupa”

 


[Metamorfiko] “Outras Cores” feat. Ori, Kara, Osiris, Xek, Necxo, Sentinela, Uno e Mambe

“Meus brothers tão brancos, a abancar em bancos /
A imaginar como seria fixe limpar bancos /
Fumam erva da boa, é verde mas não bafam esperanças /
Têm as pontas dos dedos amarelas de tanto torrar ganzas /
Meus manos tão brancos e o futuro está negro /
A cor do fumo é a única que está sempre presente”

 


[Vipe] “Poções” feat. Osiris e Fresh

“Eu tenho uma filosofia que é tipo assim: /
Amares mais os outros, amares-te menos a ti /
E mesmo que isto às vezes me leve a um desgosto /
Por não serem como eu e não gostarem como eu gosto /
Eu vou contraria isso criando uma poção /
Que inverta a situação, pra que faças disto citação /
Não é a mim, mas aos outros que eu amo /
Não te ames a ti próprio, não vales assim tanto”

 


[Osiris] “Nunca Muda” feat. Metamorfiko

“Ouço qualquer coisa deste quarto, juro, já estou farto /
Qualquer dia parto tudo ou parto deste lugar”

 


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