Ano após ano, o Mucho Flow tem vindo a pulsar uma forte energia musical contemporânea a partir do berço de Portugal, em Guimarães. Tem sido assim desde 2013, o ano da primeira edição, e o legado que o evento tem vindo a somar é hoje um dos mais particulares no circuito dos festivais portugueses, feito de muita escolha artística arrojada, apostando em nomes fracturantes de diferentes circuitos alternativos — da electrónica e do hip hop ao rock ou à pop —, sejam eles já detentores de um certo culto em torno de si ou caras completamente novas que a qualquer momento podem até “explodir” para as camadas mais superficiais da indústria e servir de tendência aos artistas que se seguem no mainstream.
É hoje mesmo (30 de Outubro) que arranca mais uma edição desta celebração do fazer diferente nos campos da música, que se desdobra por várias salas da cidade de Guimarães até ao primeiro dia de Novembro. Ousado como sempre, o Mucho Flow prepara-se agora para nos brindar com uma nova série de concertos que têm todos os ingredientes para se virem a tornar inesquecíveis: do caos abrasivo dos recém-chegados YHWH Nailgun à introspecção pela via das batidas de Sassy 009, passando pela sempre pertinente exploração rítmica dos HiTech, a acidez clubbing administrada por DJ Lynce ou o rap catártico da dupla formada por Infinity Knives e Brian Ennals — estes dois últimos casos com direito a entrevistas de antecipação no Rimas e Batidas, aqui e aqui, respectivamente.
De modo a melhor compreendermos o ADN deste evento que traz os melómanos mais aventureiros até ao Minho, colocámos algumas questões a Miguel de Oliveira e Bruno Abreu, fundadores do Mucho Flow.
O Mucho Flow tem a reputação de estar sempre um passo à frente nas tendências. Houve algum tipo de sonoridade ou movimento artístico que sentiram que “estava a nascer” quando começaram a desenhar o cartaz deste ano?
Mais do que procurar tendências, procuramos ter uma escuta atenta do que está a vibrar de forma subterrânea, independentemente de ter esta ou aquela sonoridade. Achamos que é aí que o Mucho Flow se sente mais confortável, com aquilo que ainda não tem nome. Mesmo quando se apoiam em sonoridades que existem desde sempre.
Há uma ligação forte entre o festival e a cidade de Guimarães. De que forma o espaço urbano e o público vimaranense influencia as escolhas artísticas e o desenho da experiência?
É um privilégio ter uma cidade como a de Guimarães para fazer o Mucho Flow. Temos muitas salas fabulosas, e como se trata de uma cidade pequena, tudo é alcançável em pouco tempo de caminhada. Isso é um facilitador no desenho da experiência do festival. Para além disso, como a maior parte do público nos chega de outras cidades (e uma crescente percentagem de fora do país), achamos que a história e arquitectura contribuem para uma experiência agradável no festival. Somando a isso, temos a agradecer à comunidade local que forma a equipa, assim como o apoio camarário e institucional, fundamentais na execução deste projecto.
Se tivessem de descrever a edição deste ano em três palavras — que não fossem “alternativo”, “experimental” ou “independente” — quais seriam e porquê?
Inquietação, risco e comunhão. “Inquietação” porque é o mote do manifesto de 2025 e é o que pretendemos reflectir com esta programação. “Risco” porque este formato que adoptamos faz com que os artistas convidados estejam muitas vezes a testar as suas ideias em tempo real. “Comunhão” porque sentimos que é isso que as pessoas sentem com o trabalho que fazemos, que encontram ali os seus pares que abraçam o risco e a inquietação.
O Mucho Flow tem um formato intimista mas com ambição internacional. Quais são os maiores desafios em manter essa escala “humana” sem perder o impacto e o alcance global?
O nosso desafio é fazer com que o público que passa pelo festival sinta que está a viver algo que é irrepetível ou que seria difícil de acontecer num festival noutro lugar, com outra escala ou outro alinhamento. Aliás, dizem-nos mesmo isso. Claro que isso nos obriga a refrear ideias quando pensamos no que ainda existe por fazer mas ao mesmo tempo crescer não significa sempre escalar.
Com a multiplicação de festivais em Portugal, o que é que vocês sentem que o Mucho Flow oferece que mais nenhum outro consegue replicar?
É um festival que tenta seguir um caminho muito próprio, que não replica. E isso nota-se no tipo de artistas, na comunicação, na imagem, no merch. É um festival para quem quer muito mais do que apenas entretenimento.
Este evento tem servido como uma plataforma para artistas emergentes se cruzarem com públicos exigentes. Há algum nome desta edição que vos entusiasme particularmente pelo potencial de “explosão” no futuro?
É sempre difícil escolher porque cada artista contribui de igual forma para que o alinhamento se revele na experiência do festival. Mas se fôssemos escolher momentos que se adivinham de destaque, seriam feeo, LUXE, Tracey, YHWH Nailgun, Maria Somerville, Minna-no-kimochi…
Se o Mucho Flow fosse um manifesto artístico, o que diria este ano? O que é que o festival está a tentar “comunicar” ao mundo com a programação de 2025?
Estamos fartos da normalidade e a inquietação é o único caminho. A programação deste ano (e se calhar todos os anos) não oferece respostas muito fáceis. Temos muita surpresa, desconforto ou fricção. O manifesto de 2025, que fala sobre a inquietação, é simples. O tédio não nos vai apanhar esta noite. Nem amanhã.