Assim como a música, o amor é algo impossível de explicar. Porém, a multi-instrumentista brasileira Rita Oliva, sob o alter ego PAPISA, tenta entender e abordar as diferentes dinâmicas que esse sentimento possibilita no segundo álbum dela, Amor Delírio. “Eu saí com imagens de coisas que acontecem quando a gente está nessa busca e acho que talvez seja o máximo que a gente consegue fazer em relação ao amor”, diz ela. “É um registro das sensações e das coisas que vão acontecendo para poder aprender um pouco com isso”.
Os 9 temas, apesar de tocarem em alguns pontos dolorosos, têm sensibilidades e sabores diversos, muito bem temperados com psicodelia, soul-funky, indie rock e pitadas da (nova) popular música brasileira. Todo esse universo foi criado a partir de uma imersão de duas semanas numa casa em São Francisco Xavier, cidade no distrito de São Paulo, onde o disco foi gravado no formato home studio por Alejandra Luciani, a parceria na produção musical com Felipe Puperi (aka Tagua Tagua) e a troca energética com Luiza Lian.
Agora, PAPISA leva o Amor Delírio para Portugal, onde fará o seu primeiro concerto no festival MIL Lisboa. Ela sobe ao palco no Titanic depois de amanhã, dia 26 de Setembro pelas 19h45, para finalizar uma sequência de apresentações internacionais, incluindo o maior festival de tecnologia do mundo, o South by Southwest (SXSW), em Austin (EUA). “A minha intenção em Portugal é realmente mostrar esse trabalho da forma como ele é”, revela. “Estou curiosa na verdade pra ver como é que vai ser essa recepção em relação às músicas. Mas eu realmente estou pensando em respeitar o álbum e o processo dele até agora”.
Nesta conversa, feita via Zoom uma semana antes de partir para a Europa, a artista faz uma imersão no amor, compartilha detalhes sobre a produção e composição, seu processo criativo e dá um pequeno spoiler do que o público português pode esperar da sua apresentação.
Bom, vamos falar do disco e do seu trabalho em si, mas queria conhecer um pouco sobre você. Quem é a PAPISA, quando e como começou na música?
Ah, acho que a música sempre esteve na minha vida. Desde pequenininha que eu me interesso por isso. Comecei a tocar com 6, 7 anos e aí nunca parei… Comecei a trabalhar com música aos 20 e poucos anos. Na faculdade eu tinha banda, mas aí eu me descobri na criação, que acho que é o que mais me move, que é compor, escrever. Então, eu acho que essa coisa criativa me motiva muito. E desde então que eu falo que a música me mordeu e não fui muito eu que escolhi. A música me escolheu, e eu não consegui desviar.
Você começou a tocar, mas já cantava também? Ou cantar foi uma coisa natural que aconteceu?
É engraçado, porque não foi natural. Eu nunca fui uma cantora que tem talento desde pequena. Eu tinha facilidade pra música e gostava muito, mas eu acho que cantar foi uma coisa que eu quis desenvolver já na adolescência. Eu nunca me considerei muito cantora e eu nem me considero, assim, a cantora [risos]. Eu me identifico muito mais com a parte da criação mesmo, e até da produção, de achar os timbres, os barulhinhos. E aí, eu fui estudar canto, eu estudei canto pra aprender a cantar. Eu tinha afinação, mas não era aquela coisa inata. Na verdade, veio depois dos instrumentos. Aí, eu comecei a cantar e acho que eu canto hoje porque eu quero dar voz para as minhas criações mesmo.
Mas digamos que você canta muito bem, né? E as suas criações funcionam com você cantando. Mas a sua intenção era seguir mais na área instrumental?
Eu acho que é mais uma forma como eu enxerguei depois, talvez. Eu nunca quis me colocar no lugar da cantora, talvez até por um pouco de receio, de restrição, de ficar só nesse lugar. Eu comecei a cantar com banda em 2009, 2010, assim… E tinha muita gente na minha primeira banda mais profissional, e eu acabava só cantando. Mas aos poucos eu fui colocando os instrumentos… Eu gosto muito de cantar, tá? Cantar é uma coisa que me cura, eu acho que tem uma coisa até mais transcendental no canto, de vibrar o corpo inteiro. Acho que pra todo mundo a música faz bem, mas é louco porque eu só nunca tive essa visão de: “Ah, vou ser cantora”. Foi muito mais: “Ah, eu gosto disso aqui, eu gosto de cantar”. Não tinha ido estudar isso e aprender, mas é uma coisa que acabou completando uma vontade de criar e falar coisas. Eu crio canções, eu não faço música instrumental, então faz muito sentido cantar.
E cantar também é uma forma de se comunicar, né? De transmitir um sentimento, de colocar para fora. No instrumental também acontece, mas é de uma outra forma. Cantando você expõe e deixa as pessoas entenderem da forma que estão sendo tocadas.
Total. Cantar é mais direto. É o primeiro impulso de expressão, parece. Acho que o instrumento ainda tem um intermédio de expressão. Mas sem dúvida, cantar é mais espontâneo mesmo.
Falando em mensagem, o seu novo disco tem o título Amor Delírio. Que amor seria esse?
[Risos] Eu acho que a gente vive em tempos complexos nessa área dos relacionamentos. Eu vejo cada vez mais pessoas confusas e se perguntando sobre as relações. Eu estava nesse questionamento quando dei o nome pra esse disco. Ele ganhou o nome antes de ter as músicas. Foi a primeira vez que aconteceu isso comigo. E eu estava me questionando sobre amor romântico, sobre as formas com que a gente se relaciona. Foi esse o ponto de partida para a criação dele. E amor delírio acho que vem de tudo que a gente enfrenta quando está tentando se relacionar romanticamente hoje em dia, que eu acho que é muito mais fluido. A gente encontra pessoas, imagina, vive um pouco, se ilude, se desilude. Então, o delírio vem um pouco dessa projeção, ilusão, desilusão.
Foi na ideia também de entender o amor ou o amor é algo que não dá nem precisa ser entendido?
Total! Se eu fosse encarar o álbum como uma pesquisa, a resposta seria esta: não dá pra entender [risadas]. Inclusive, eu fiz o show de lançamento no SESC, em São Paulo, e falei isso: “Gente, eu estava me questionando se existe ou não existe, é isso ou não é?” Eu falei, ainda não sei. Não é que eu saí com essas respostas. Mas desse trajeto de criação do disco, eu saí com imagens de coisas que acontecem quando a gente está nessa busca e acho que talvez seja o máximo que a gente consegue fazer em relação ao amor, fazer um registro das sensações e das coisas que vão acontecendo para poder aprender um pouco com isso. Mas assim, zero pretensão de explicar o amor porque realmente… não é explicável.
Mas o que você concluiu nesta pesquisa? Tipo, uma conclusão sua do que de fato é esse sentimento e da forma que a gente está vivendo hoje, também uma coisa que inclui o mundo digital com os relacionamentos à distância e várias outras formas…
Eu concluí que muito do que a gente vive no amor é uma coisa comum a todo mundo. Isso, eu acho mais legal desse disco, porque muita gente se identificou e veio falar: “Putz, isso coube muito nessa época da minha vida”; “nossa, me identifiquei”; ou então: “Me levou pra uma época da minha vida, que estava vivendo isso”. Então, eu acho que o amor é uma das coisas que mais faz a gente sofrer e, ao mesmo tempo, traz muita alegria. E a gente se sente muito sozinho quando está vivendo as coisas amorosas, as situações, mas é uma coisa muito comum pra todo mundo. Então, eu acho que é um disco muito mundano… Inevitavelmente, se a gente estivesse se relacionando iria passar por situações que são descritas nas músicas. Acho que eu também tenho um equilíbrio ou uma jornada nessas músicas que eu escolhi para compor nessa ordem, que tem um pouco a ver com uma dualidade entre liberdade e fusão. Por isso eu acho que o Amor Delírio é uma música que está centralizada no disco porque é um pouco de quando a gente entra nessa fusão com outra pessoa e sai dela e fala: “Nossa, mas espera aí”. Então tem um pouco de reencontro consigo mesmo no amor. Eu enxergo essa jornada, se eu fosse pensar numa pessoa passando por todas as situações ali no disco… é uma pessoa que começa livre e vai se recuperando de alguma coisa, mas já se apaixonando, entrando num turbilhão de emoções e passando por várias fases de sedução, desilusão e tal… Mas “Fronteira”, por exemplo, que é a última música, pra mim é uma música de liberdade e um reencontro consigo. E eu gosto de pensar no amor assim, como uma coisa que brota dentro da gente e faz a gente se conectar com nós mesmos… A que custo, eu não sei, mas acontece [risos].
Porque geralmente, quando estamos apaixonados, a gente fica preso ao outro, se dedicando totalmente e se esquece da nossa individualidade… É mais viver para alimentar o desejo e as coisas da outra pessoa, para que esse amor continue. De repente, quando acaba ou quando você se toca, fala: “Dediquei todo esse tempo para determinada pessoa e esqueci de mim.” Então tem esse lance do amor próprio também.
Você estava falando da modernidade, do digital, até agora viajando um pouco além do disco. Eu tenho lido muitas coisas sobre apaixonamento: por que a gente não se apaixona mais? Por que as pessoas não se envolvem mais? E aí eu vejo também uma individualidade muito grande da gente estar meio que fechado num mundo, numa bolha, num identitarismo… “Ah, eu, eu sou assim, eu gosto assim…” E eu acho que o amor faz bem pra ajudar a gente a ser permeável de novo e quebrar a cara também, faz parte, sabe? Se a gente não for vulnerável, a gente não quebra a cara, assim, então acho que… Eu quis trazer essa vulnerabilidade também pro disco, porque eu não acho que vale a pena viver também numa bolha, numa defesa muito grande, porque o que eu vejo muito no discurso de hoje é: “Ah, eu sou empoderada e não passo por isso, ninguém faz isso comigo”… Mas é muito perigoso ficar também num lugar muito defensivo, né? Então, eu sou do time que escolhe continuar vivendo e quebrando a cara, se precisar, né? Mas tentando não [risos].
Tudo faz parte da experiência da vida. Tudo é uma forma para a gente evoluir também e aprender. Mas no disco você desenrola tudo isso de uma forma colorida, digamos alegre, porque os instrumentais têm uma pitada de psicodelia com várias cores e sabores que se misturam. Tem as questões de quebrar a cara, de se dar mal muitas vezes, mas tudo é compartilhado de um jeito tranquilo, leve. De que forma essa produção foi construída, tendo o Felipe Puperi como um parceiro na produção?
É legal você falar isso porque eu estou focando aqui na parte mais dura do amor, mas pra mim esse disco é zero isso, assim, é exatamente essa característica mais solar que você falou. Pra mim foi uma intenção trazer isso, acho que até como uma resposta ao meu disco anterior, que era mais soturno, falava sobre morte, era bem meditativo, e esse… Eu criei as músicas saindo da pandemia, então eu estava meio que implorando: “Gente, vamos pra fora, eu quero que tenha um clima solar e colorido,” exatamente isso que você falou. E eu acho que tinha essa intenção já nas composições. Por isso acho que os acordes, o tom das músicas, já vão criando um pouco essa atmosfera. A forma como o disco foi feito também contribuiu para isso, porque a gente estava entre amigos, isolados numa montanha. A gente alugou uma casa em São Francisco Xavier, no interior de São Paulo, e passou uma temporada produzindo e gravando lá. Então foi feito de um jeito leve. Eu levei as músicas e aí a gente ia criando com os músicos e a Lê (Alejandra Luciani) gravando, mas tudo entre amigos mesmo. Essa leveza pra mim foi muito importante pra falar sobre esse tema e as trocas ali na hora, todo mundo falando sobre a sua vida amorosa, foi bem divertido esse processo… Aí acho que a instrumentação, a escolha de timbres estava muito relacionada, tanto ao que a gente tinha disponível ali, porque tem uma limitação criativa também, né? Ah, levámos uma bateria, montámos ela numa casa, fizemos o tratamento acústico ali com edredom, foi uma coisa bem do it yourself.
Bem caseiro?
Bem caseiro, e ao mesmo tempo o Felipe é bem bom nesse tratamento caseiro. A Alejandra Luciana, que nos gravou, levou os equipamentos dela, eu levei meus sintetizadores todos, a gente levou uma gama de instrumentos para escolher ali na hora, mas tinha aquela limitação, né? Então eu acho que já coloca um limite criativo, que eu acho bem saudável, e aí o processo de produção foi trazendo o que as músicas pediam na hora. Foi algo feito bem intensamente, porque a gente tinha um dia para produzir. Era um tempo bem apertado assim, né? Quando eu falo que fizemos uma imersão na montanha, não é que a gente foi lá e ficou um tempo curtindo, não. Era tipo: um dia pra montar o negócio inteiro, um dia pra produzir, meio dia pra gravar, mais meio dia produzindo, no dia seguinte grava. Tinha um ritmo intenso, mas sempre respeitando o que as músicas queriam dizer. Minha defesa é sempre: “Ah não, essa letra aqui é importante, aqui a gente tem que dar um destaque para isso.” O Tagua produzindo foi muito legal porque trouxe muito o lado dele também, que é mais para cima, que é o que eu gosto bastante. Eu acho que deu uma química muito interessante para esse processo.
Funcionou muito bem… As letras foram criadas ali no momento mesmo, depois das conversas, e os instrumentais também vinham junto? Como foi essa dinâmica?
Não, não. Eu cheguei com as músicas prontas, a grande maioria delas, porque a gente gravou no final de 2022. Mas no começo de 2022 eu falei: “Preciso de um disco novo, vou sentar e escrever”. Então eu passei muitos meses escrevendo e fiz uma seleção. Nunca tinha feito isso também, mas eu escrevi muito mais do que entrou no disco. Fiz uma seleção junto com o Felipe, e foi bem legal isso pra mim, porque foi novidade… Eu tive esse interesse de pedir uma opinião, porque com o meu trabalho anterior, com tudo que eu lancei de PAPISA sempre foi tudo da minha cabeça, tudo foi decisão minha. Dessa vez eu estava querendo realmente essa troca com o outro. Eu gosto muito de viver o processo do disco fazendo uma imersão no tema dele. Então começou assim, com essa vontade de trocar, em vez de ser tudo em mim, já pensando num relacionamento nesse sentido. E aí a gente escolheu algumas músicas. Quando eu cheguei lá, a grande maioria das músicas já estavam prontas, inclusive tinha uma pré-produção. Eu coloco no Ableton, gravo instrumento… Pouquíssimas músicas eu cheguei lá só com instrumento e voz, eu já tinha uma instrumentação pra elas, tinha isso já feito… Mas lógico que muita coisa transformou, outras coisas a gente aproveitou. Falámos: “Isso aqui é legal, tem um baixo synth, então vamos manter o baixo synth, a gente faz um arranjo respeitando esse clima”. Então, eu levei alguns climas já das músicas, mas óbvio, o instrumental foi tomando forma com os músicos e com o que a gente tinha lá — bastante coisa mudou. E acho que só uma música, que foi a instrumental [“Vento”], que surgiu ali na hora. A gente tinha essa ideia de talvez colocar alguma vinheta, alguma coisa assim no meio do disco, e a única música que realmente nasceu ali foi a instrumental, a gente até colocou todos como autores dessa música porque surgiu no meio da gravação. Foi meio espontâneo, a gente tocou, fez o registro e ficou assim.
Você, que é cantora e musicista, tem uma maior facilidade na composição, de ter uma ideia para onde vai direcionar a composição e depois levar para a produção. De fato é mais fácil ou existe uma certa dificuldade para preparar a música, os instrumentais?
Ah não, eu gosto muito de fazer isso, eu gosto muito. Para mim, a criação musical está muito relacionada com o instrumental, porque o meu processo criativo não vem sempre da voz e da letra. Às vezes começa com uma linha de baixo, começa com uma batida. Então, pra mim tá muito junto. Pensar no ambiente é uma coisa que realmente me move porque eu gosto de pensar os discos como universos que a gente cria, como um convite também para as pessoas entrarem depois. Gosto de mergulhar nesse universo, e o instrumental eu acho que é muito potente para trazer a gente para um clima. Acho que a forma como você coloca os instrumentos, o tipo da batida, o BPM determina muito a música, inclusive. Teve músicas, por exemplo, que eu fiquei, sei lá, um ano e meio, numa época da minha vida que eu estava meio nômade e ficava com o computador pra lá e pra cá. Assim fui criando instrumental, e fui criando melodia, e aí surgiu um instrumental com uma letra X e daí um solo, e depois isso virou de ponta cabeça, fiz outra letra para aquele instrumental e aí surgiu a música. Então eu brinco muito com os arranjos e a parte instrumental. Pra mim, não sei se é mais fácil ou mais difícil, mas é meio inerente, faz parte do processo de pensar no som também.
Agora falando das composições: elas surgem baseadas no que você viveu, no que você observa? Tem um momento específico para compor ou elas vão nascendo, tipo: “Tive uma ideia aqui, vou ali sentar e escrever, vou gravar uma voz rapidinho.“
Ah, é bem… Não tenho um momento específico, faz parte da minha vida, eu tenho sempre cadernos e cadernos que escrevo, escrevo, escrevo, escrevo. Eu gravo muita coisa no celular. Às vezes dá uma melodia e eu falo que isso é uma coleta de material bruto. Mas quando eu falo: “Tá, eu quero fazer um disco”. Aí, eu junto tudo isso e vou tecendo, vou amarrando, puxando daqui, puxando dali. Então, tem frases nas músicas que eu escrevi, sei lá, dez anos atrás, às vezes, que eu peguei ali no meu baú de ideias. Eu tenho até uma pasta que chama baú de ideias, que eu vou jogando as coisas. Mas eu acho que fazer um disco é sentar e determinar essa intenção para que o ciclo se complete. Normalmente, quando estou fazendo um trabalho, eu crio de uma forma bem sistemática. Eu sento e escrevo todo dia. É aquela coisa, você tem que estar presente para a musa aparecer. É tipo um trabalho de 8 horas por dia… Eu sento e me proponho a criar e executar para que as coisas surjam numa linha mais constante. Mas a criatividade mesmo é uma coisa que faz parte. Eu tento alimentar ela na minha vida constantemente, porque senão fica muito doloroso o processo de criação, pelo menos pra mim. Se eu falo agora: “Tenho que parir dez músicas do nada”. Não, é melhor já ter um monte de pedacinhos e de ideias que depois fazem sentido quando se reúnem.
De que forma você alimenta essa criatividade?
Com outras formas de arte, desde tudo… quadro, pintura, livro, muitas histórias, filmes… isso tudo me inspira bastante e ao mesmo tempo com a criação em si. Às vezes eu gosto de desenhar só pra soltar um músculo mais intuitivo, de só pôr pra fora. Escrita intuitiva também… Eu sento na frente da folha em branco e escrevo o que vier. Acho que tem vários caminhos. Agora, eu estou fazendo uma pós-graduação em psicologia analítica… e tem Jung, né? Eu estou muito interessada também nesse processo da ponte entre consciente e inconsciente. A criatividade é um campo de estudo pra mim também nesse sentido, porque eu sempre aprendi muito sobre mim com as minhas letras, vendo o que surgia e falando: “Caramba, acho que eu estou vivendo isso e nem sabia” [risos]. Então, acho que todos esses exercícios me ajudam alimentar a veia criativa.
E como você leva para palco tudo isso que constrói no estúdio? De que forma acontece a conexão com o público?
Olha, eu adoro essa troca. Pra mim é uma coisa que me deixa muito viva. É muito legal poder compartilhar essas ideias todas com as pessoas ali ao vivo. Eu acredito num campo de energia também… Eu penso muito nisso quando eu vou fazer um show e eu tenho um cuidado especial com esse campo. Sempre mentalizo o que eu quero, e acho que desde o começo desse disco eu queria criar um campo de amor e cura, sabe, pra mim mesma, em primeiro lugar, porque eu estava precisando. Mas também para as pessoas que estão ali. Então, gosto de pensar nisso até porque me ajuda a ficar tão vulnerável diante das pessoas, com temas que sempre são sensíveis para mim, ao mesmo tempo que, lógico, já criei, já envelopei, fiz um monte de coisa em cima, então é um pouco mais fácil de compartilhar. Penso muito nisso e é um cuidado muito grande com a música também, com o que tá chegando sonoramente, como tá chegando nas pessoas, o que a gente tá trazendo das ideias do disco, a gente tá sendo bem fiel aos arranjos e à sonoridade do disco, então é um cuidado técnico muito grande também pra completar esse campo que começa com essa intenção e continua com uma certa fidelidade ao que foi feito no disco. Eu tenho pensado bastante nisso… Ao mesmo tempo que tem uma liberdade ali. Tem o lugar da espontaneidade do show, de poder às vezes apresentar uma música nova, só de guitarra e voz. Acho que tem umas surpresinhas que entram que conectam mais também, abrem uma outra vulnerabilidade ali, que eu acho muito interessante.
O que tem preparado para as apresentações em Portugal?
A gente foi para os Estados Unidos, fez SXSW, fizemos três festivais lá, voltou, tocou em várias cidades do Brasil, lançou o álbum em São Paulo. Então eu tenho sido bem fiel à jornada, no sentido de apresentar o que o show foi virando. E do mesmo jeito que na hora de criar as músicas, eu gosto de respeitar as músicas, também gosto de ouvir o show, o que ele está trazendo. Eu devo levar esse mesmo show para Portugal e tem surpresas, tem uma versão que nunca fiz nos shows. São basicamente as músicas do disco, algumas músicas do trabalho anterior e uma versão de uma clássica música brasileira dos anos 70. A minha intenção em Portugal é realmente mostrar esse trabalho da forma como ele é e levar a música brasileira atual e ter essa troca. Estou curiosa na verdade pra ver como é que vai ser essa recepção em relação às músicas. Mas eu realmente estou pensando em respeitar o álbum e o processo dele até agora.
É diferente o público de outro país para o público brasileiro? Tem muita diferença ou você acha que a música consegue conectar com todas as pessoas e elas sentem essa energia trocada?
Ah, elas sentem. Acho que é por isso que eu gosto tanto de música. É uma linguagem realmente universal. Você acha que vai chegar nos Estados Unidos, por exemplo, e dá aquele frio na barriga — “as pessoas não vão entender a letra, e agora?” —, mas é impressionante como a coisa se conecta, principalmente no show que a gente tá ali ao vivo fazendo. Eu acho que tem outra coisa além da letra que as pessoas não entendem que pega muito. Então, lógico que o público brasileiro é um público super quente e acolhedor, mas sendo honesta eu senti isso também fora do Brasil, eu senti uma receptividade grande e uma conexão das pessoas com as músicas, com os ritmos. Não foi um grande contraste, foi bem interessante de observar isso. Acho que as pessoas realmente se conectam pela música mesmo. Mas é lógico, cantar onde as pessoas estão entendendo a letra e onde eu não tenho que explicar tanto as letras. Às vezes eu dou um pouco de direcionamento quando a gente está fora do Brasil, um pouco para entender as letras. Mas eu gosto de brincar com isso no Brasil também. O concerto tem sido uma coisa divertida no Brasil. A gente tocou em casas de shows, tocou na noite, em inferninhos… Eu gosto dessa ideia de tocar numa balada, um agito-confusão, assim. E tenho falado coisas que não são tão literais em relação às músicas, mas para criar um clima, para trazer uma atmosfera para o show. E pra isso não depende tanto da letra e da compreensão dela. É uma coisa que está mais num pano de fundo, e isso cabe em qualquer lugar, em qualquer língua, desde que as pessoas captem as ideias principais. Acho que a música tem esse poder universalizante.