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O álbum morreu?

[TEXTO]  Rui Miguel Abreu [FOTO]  Helder White

Na passada terça feira publiquei na versão online da revista Blitz o texto que abaixo reproduzo onde questiono o futuro do formato álbum tal como o conhecemos até aqui. Hoje, entretanto, a revista Electronic Beats publicou um pequeno texto com o título “Is This the Year that the Album dies?” que aborda precisamente a mesma temática. Citam-se aí números da indústria discográfica que dão conta da queda rápida de vendas de álbuns no formato CD ou digital, explicando-se que o formato resiste apenas no nicho de mercado representado no vinil. Os números do streaming também crescem, mas aí a relação das pessoas com a ideia de álbum é muito mais fluída, porque se eliminam faixas, se constroem playlists, se troca a ordem de audição dos alinhamentos, etc.. A questão, portanto, mantem-se relevante: irá o álbum morrer?

 

 

Mais dúvidas do que certezas é o que Rui Miguel Abreu expõe na sua crónica de hoje sobre a continuidade ou extinção do formato álbum…

Num mundo onde existem pessoas que rejeitam as tecnologias modernas e preferem deslocar-se em carroças puxadas a cavalos, num mundo em que não existe sequer um único calendário é mais do que natural que certas marcas do passado teimem em manter-se vivas e por isso vaticinar o fim do álbum pode ser um acto tão desprovido de sentido quanto – e já lá vão uns anos valentes – as sentenças que decretaram o fim do vinil.

(Acontece no entanto, e permitam este ligeiro desvio, que o vinil parece ter morrido, de facto: o que ainda se fabrica vem hoje acompanhado de convenientes cartões com códigos para download de versões digitais e tanto do que se fabrica hoje já nem sequer serve para ouvir, mas para olhar, um pouco como os livros na biblioteca do Grande Gatsby que não eram realmente para ler.)

Que futuro tem então o álbum, essa invenção dos Beatles, de Abbey Road e da geração que percebeu que 12 polegadas de vinil cortado a 33 rotações poderiam servir ideias mais amplas do que as que cabiam num single pop de 3 minutos? Duas conversas distintas mantidas ontem com gente coincidentemente ligada ao hip hop oferecem algumas pistas: o rapper brasileiro Emicida, referindo-se ao seu próprio CD Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa…, explicava-me que o objecto físico é hoje pouco mais do que um elaborado “porta autógrafos” e Sam The Kid e Mundo, a propósito do seu novo single “Também Faz Parte”, o segundo numa já longa caminhada para um esperado álbum em conjunto, diziam que gostariam de ir fazendo o disco assim, “um tema de cada vez, se possível com vídeo”.



O álbum parece, portanto, ter-se desligado definitivamente do seu suporte físico e a sua relação com o tempo pode ter-se para sempre alterado: a ideia de um álbum como um conjunto de peças musicais reunidas num objecto físico e editadas numa data concreta pode já não fazer sentido.

Dois exemplos, já abordados por aqui anteriormente: The Life of Pablo de Kanye West e Coloring Book de Chance The Rapper. O primeiro desafiou as convenções de lançamento formal e tem sido uma contínua experiência de questionamento da ideia fundamental do álbum que durante décadas se manteve inalterada – é um trabalho inacabado, sucessivamente alterado e que há pouco tempo mereceu um extraordinário vídeo (para o tema “Famous”) que parece ser pensado mais como uma peça de arte do que como uma ferramenta de marketing. O segundo, apesar dos cuidados colocados na produção e dos óbvios investimentos no departamento de recursos humanos (os convidados vão de Kanye West a Justin Bieber…) saiu, embora apenas em diáfanos formatos digitais, numa data concreta, mas o seu próprio autor encara-o como uma mixtape e não como um álbum formal.



Curiosamente, e se a memória não me trai, poderemos pela primeira vez chegar ao final do ano e na lista de “Melhores Álbuns do Ano” encontrar títulos que não se podem comprar nas lojas. O álbum começou por ser isso mesmo: o objecto que no final do ano reunia os singles que o artista tinha lançado nos meses anteriores; depois evoluiu para um conceito, para uma escala que permitia acomodar outras ambições artísticas. E agora não se sabe bem o que é: Kendrick Lamar fez um untitled unmastered que é um conjunto de temas soltos que pareciam ter sido sobretudo pensados para o palco – a edição em vinil e cd é, na verdade, uma concessão aos poucos que ainda acreditam na tradução física destes impulsos artísticos. Quando sair finalmente – em 2017? – o álbum de Mundo Segundo e Sam The Kid trará que data na capa? 2015 – 2017? Será que algum dia vai sair assim, como acontecia antigamente, com uma capa e um alinhamento? E será que isso importa realmente? Ao começarem a incorporar o vídeo já não como um acessório de marketing, mas como uma ampliação das suas visões artísticas, estes novos estetas pop – de Beyoncé a Kendrick Lamar, de Kanye West a Sam The Kid e Mundo Segundo – não estarão a olhar para as possibilidades de expressão ao seu alcance tal como os Beatles, em Abbey Road, ao lado de George Martin, olharam há 50 anos para os gravadores de multi-pistas e para as possibilidades oferecidas pelos estúdios e resolveram inventar um novo discurso pop? Uma coisa posso com certeza absoluta garantir: o futuro segue dentro de momentos.


https://youtu.be/mFYLd3FsxUg

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