Digital

Nyck Caution

Anywhere But Here

Pro Era / 2021

Texto de Paulo Pena

Publicado a: 25/01/2021

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Grandes grupos clamam por grandes figuras. O hip hop não é excepção. Sempre se viu nos colectivos de rap um cabecilha, um elemento em destaque além do nome que representa, desde Rza nos Wu-Tang Clan, Q-Tip nos A Tribe Called Quest ou Ice Cube nos N.W.A.Tyler, The Creator nos Odd Future, A$AP Rocky na A$AP Mob ou Joey Bada$$ na (agora sim) para aqui chamada Pro Era. Se por um lado estas turmas tiveram um impacto maior pela força da união (verificando-se uma regra na influência notória que grandes grupos como os mencionados tiveram ao longo dos anos no hip hop), por outro a competição centraliza-se, ainda que de forma saudável, na maior parte dos casos, no próprio bando. É verdade que o crescimento mediático de Badmon beneficiou os seus parceiros, mas também não deixa de ser verdade que a sua luz poderá ter ofuscado quem está à sua volta. É um pau de dois bicos este testemunho que circula entre os membros da Pro Era, e de muitos outros grupos semelhantes. Nesse sentido, a democracia da música manifesta-se por si própria; nessa perspectiva, o processo é justo. Mas, por vezes, essa justiça fundada na liberdade de consumo resulta numa desproporcionalidade, num desnivelamento, entre o elemento principal e os demais, em comparação com as qualidades de cada um. É justo o processo; não é justo o resultado. 

Assim, na família Pro Era, carecem de mais atenção nomes como CJ FlyChuck StrangersKirk Knight ou o (agora sim) para aqui chamado Nyck Caution, que acabou de editar novo disco no primeiro mês deste ano. Anywhere But Here é o quinto projecto em nome próprio de Jesse Cordasco, que conta com participações entusiasmantes, tais como Denzel CurryKOTA The Friend e Erick The Architect (na mesma faixa), GASHI, ou os companheiros do costume, CJ Fly e Joey Bada$$. 

Os anos passam, corre-se o mundo, conhece-se gente. Brooklyn deixa de ser uma bolha intransponível para quem cresceu num pólo de influências e legados. Mas Brooklyn não sai da voz de Nyck, mesmo que o rapper de Nova Iorque se mostre perdido – “I guess I’m a product of my environment”, já o dizia na faixa “Product Of My Environment”. Ao longo do álbum, vai-se questionando acerca de onde e com quem quer estar. E agora, chegado aos críticos 27, atinge uma fase de reflexão, tanto do que foi como do que será, e põe em causa tudo o que envolva o conflito do ser com o parecer. 



A rimar, não se perde em esquemas rimáticos de elevada complexidade e vai directo ao assunto, apoiado em múltiplas referências, umas explícitas, outras codificadas –  “we just want the punchlines, metaphors, flows that show you rhymin’ nice”. Sem surpreender liricamente, Caution conquista pela forma como rima: consegue soar bem com muita facilidade, encaixando versos em cada instrumental de forma exímia e redonda. Em certos momentos, há um quê inexplicável de Russ em Nyck Caution, na forma como articula linhas e preenche batidas com rimas, com uma ligeira (quase imperceptível, no seu caso) rouquidão na voz. Menos em “Bad Day”. Nesta apanha boleia do furacão Denzel, num dos pontos altos (e mais diferenciados) do disco, para nos deixar a cabeça às voltas. Outro dos momentos mais marcantes do LP chegou antes da estreia do mesmo, com o single “How You Live It”, com Joey Bada$$ (e ainda o próprio Denzel Curry, no vídeo do tema) a figurar numa faixa menos introspectiva e concentrada em flex e barras de fácil digestão para quem tem mais olhos que barriga. 

Num tom confiante, o MC abre-se com uma segurança admirável, transmite fragilidade sem revelar fraqueza, e não abdica do seu boom bap “brooklyano” para abordar temas pessoais, como se retira, a título de exemplo, “Kids That Wish”, que fecha o disco e termina com as palavras do seu falecido pai a garantir que o filho é capaz de ser aquilo que tanto duvida (coisas que só os pais sabem…). Aliás, é talvez a característica mais interessante (além do talento indiscutível) transversal aos rapazes da Pro Era: todos eles demonstram poder assinalável no rap incidindo sobre questões fraturantes, quer individuais, quer universais. 

Desta forma, e em boa verdade, não há nada para não se gostar neste disco, para quem sabe onde e ao que vem. Nyck Caution poliu o seu rap e afirma-se agora como um dos imprescindíveis dentro do seu círculo. Está onde deve estar, mesmo que teime em ir para qualquer outro lado. A produção também lhe fez essa cama, que, apesar de variada, não deixa de ir ao encontro e medida do rapper nova-iorquino. Está a crescer musicalmente e a apurar-se a olhos vistos. E Anywhere But Here pode ser o ponto de partida para esse lugar que tanto procura.  


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