[O Maestro das Constelações: Sons em Órbita no Universo da Improvisação]
Nuno Rebelo nasceu numa noite que poderia ter sido infinita, no ano de 1960, numa pequena cidade chamada Torres Vedras, onde o céu parecia conter segredos antigos. Quem olhasse de perto veria que o horizonte não era limitado por montanhas, mas sim por ideias e sons que ainda não tinham nome. A guitarra, sua primeira constelação, ressoava como se cada corda estivesse conectada a um buraco branco, não preto, pois de Nuno emanava a criação, e não a destruição.
Nuno não se tornou guitarrista. Ele sempre foi guitarrista. O universo, num gesto silencioso e inevitável, escolheu as suas mãos, as suas cordas, e o ritmo do seu corpo. As estrelas cintilavam quando ele tocava, e os cometas faziam pausas breves nos seus voos para escutar a harmonia dissonante das suas improvisações. Nuno atravessou o espaço como quem dança entre planetas desconhecidos, transformando caos em melodia.
As suas primeiras notas ecoaram nas ruas, junto aos Street Kids, como um eco que se propaga pelo tempo, como uma galáxia em expansão. Mas os sons não paravam aí. Eles colidiam, como meteoros errantes, criando novas formas no vazio. Foi com Mler Ife Dada que as primeiras supernovas musicais explodiram, transformando a guitarra de Nuno num corpo celeste, orbitando entre o rock e o experimental, sempre à procura do não-dito, do não-escutado.
Mas quem é Nuno Rebelo senão uma fenda no tempo, uma partitura que foge de definições? Ele é, ao mesmo tempo, a voz do balafon ancestral e o som futurista do didjeridoo. Ele é a ponte entre o som cósmico da orquestra e o grito solitário de uma guitarra distorcida. Na Expo 98, quando compôs “Pangea”, Nuno transformou a Terra numa sinfonia, com cada continente tocando sua própria canção, numa harmonia de extremos.
Nuno, como uma estrela errante, colidiu com outros corpos celestes: Carlos Zíngaro, Jorge Lima Barreto, Fred Frith. Juntos, criaram novas constelações musicais, sempre em movimento, sempre improvisadas, sempre na fronteira entre o conhecido e o desconhecido. A sua música não é apenas som; é luz, é matéria que se expande e contrai, num ciclo eterno de nascimento e renascimento, como um universo sempre prestes a explodir.
Em cada improvisação, Nuno abre buracos no tempo, permitindo que a energia primordial da criação flua. Não é de buracos negros que falamos, mas de buracos brancos, onde a vida começa, onde as notas caóticas encontram o seu caminho para a harmonia. O cosmos dança ao som da sua guitarra, e os buracos negros invejam a sua capacidade de transformação.
Nuno não compõe com notas, compõe com astros. Cada som que cria é uma explosão de partículas, uma dança quântica onde cada onda de som é também uma partícula, uma dualidade que, tal como o universo, só pode ser compreendida no fluxo constante da incerteza. Ele não ensina improvisação; ele revela a improvisação como uma lei natural, tão antiga quanto as estrelas, tão imprevisível quanto um cometa que decide mudar de rota no último segundo.
As suas criações, sempre em movimento, sempre imprevisíveis, são um reflexo do universo em expansão. Cada nova composição é como um novo sistema solar, com planetas e luas que orbitam em torno de um centro invisível, mas real. Nuno é o maestro de constelações, o criador de sistemas harmónicos onde o jazz, o rock, a música improvisada e a música contemporânea coexistem, como galáxias num balé cósmico.
E assim, ao olharmos para o céu, e ouvirmos os sons que ecoam das mãos de Nuno Rebelo, sabemos que ele não toca apenas para nós, mas para o universo. As estrelas ouvem, os buracos negros escutam, e o cosmos, em silêncio, aplaude.
[O Som que Respira: Nuno Rebelo e a Geometria do Invisível]
Nuno Rebelo move-se num território sem fronteiras. O som é sua respiração, a forma como ele se expande e contrai, como o universo a cada pulsar de estrela. A guitarra nas suas mãos transforma-se em múltiplos corpos celestes, nunca fixa, sempre à procura de novas órbitas. Não é sobre o domínio de um único instrumento ou estilo, mas sobre a liberdade de permitir que cada nota exista por si, sem limites, sem necessidade de ancoragem.
A sua formação em arquitectura talvez explique a sua obsessão por construir sons como se fossem edifícios de ar e luz. Cada composição, cada improviso é um desenho no éter, uma estrutura invisível que se ergue do caos e se dissolve de novo, deixando apenas vestígios, rastos de algo que se fez som e vibração. Nuno nunca segue uma linha recta, ele move-se em espirais, dobrando o tempo, como um arquitecto de universos paralelos.
Entre o rock e a música experimental, entre a electrónica e a improvisação mais pura, Rebelo desenha mapas sem destino, sempre à procura de uma nova galáxia onde possa deixar sua marca. Os seus projectos em colaboração com outros artistas, de dançarinos a cineastas, revelam esta capacidade de fluir com diferentes linguagens, criando diálogos entre o som e o movimento, entre a cena e o invisível.
Nuno Rebelo não cria para definir; cria para abrir portas, para expandir o campo do audível, para transformar o silêncio em algo que pulsa, respira e se dissolve no espaço.
[Street Kids: O Nascimento do Rock nas Ruas de Rebelo]
Era o início dos anos 80, e as ruas tinham um som próprio. Entre prédios gastos e a electricidade de uma nova era, os Street Kids emergiam, guiados pela guitarra baixo inquieta de Nuno Rebelo. O rock corria pelas veias da cidade, vibrava nas cordas que ele tocava com a fúria de quem quer transformar o mundo, de quem sabe que o caos é o prelúdio da criação.
Nuno Rebelo, então um jovem baixista, ainda não sabia que se tornaria um dos maiores improvisadores da música portuguesa. Mas ali, entre riffs crus e batidas que ecoavam como o pulsar de um coração rebelde, ele já desenhava o seu caminho. Os Street Kids eram mais do que uma banda; eram a síntese de uma geração que se levantava contra o que estava estabelecido, trazendo o espírito de liberdade e ruptura que o rock carrega desde as suas origens.
As canções falavam das ruas, das noites longas, dos sonhos de quem não tem medo de tropeçar. Rebelo, com o baixo nas mãos, parecia entender que cada nota era uma escolha, cada nota uma nova direção. As ruas de Lisboa tornaram-se o palco de uma revolução silenciosa, onde a música era o grito de guerra, e os Street Kids, seus mensageiros.
E foi assim que Nuno Rebelo começou, nas sombras das esquinas e nas luzes piscantes dos palcos improvisados. O rock, em sua forma mais crua e autêntica, foi o primeiro palco para o génio que ainda estava por vir.
[Fragmentos de Uma Sinfonia Desconexa: Mler Ife Dada em Órbita]
As ruas de Lisboa cintilavam em acordes quebrados, sons que saltavam como faíscas de uma máquina em colapso. Não havia melodia a seguir, apenas o ritmo fragmentado de um coração que se agarra à electricidade dos dias. Mler Ife Dada. Nome de um cometa, talvez. Nome de um eco, quem sabe. As guitarras dançam com sintetizadores como se estivessem a redescobrir a gravidade, a redescobrir o chão que lhes foge.
Ritmadas, as palavras, tão soltas quanto presas, ecoam em edifícios abandonados. É aqui que tudo começa. É aqui que a órbita se curva, se estilhaça. E, na quebra, na falha intencional, nasce algo que não precisa de ser inteiro para ser completo. Fragmentos. Estilhaços de som. Um mosaico feito de ruído e brilho, o velho e o novo num só acorde, ou talvez sem acorde nenhum. Deslizam em espirais, sobrepondo-se como vozes em fuga, onde cada nota procura um ponto de fuga, um buraco branco onde possa habitar.
Há um caos delicado em cada peça que criam. As vozes não cantam, flutuam. As guitarras não tocam, desdobram-se em ecos que ressoam por entre as estrelas de uma galáxia escondida, um lugar onde tudo é possível, onde o improviso reina e a lógica se dissolve em partículas de som e ritmo. Não há final. Apenas uma longa linha de luz que se desvanece no horizonte.
[Nuno Rebelo e o Ruído das Estrelas Mortas]
Ele senta-se, guitarra em mãos, como quem segura o destino do universo num pedaço de madeira e cordas. Não é Beethoven, nem Hendrix, é só ele. Nuno Rebelo, a rasgar o silêncio como um cometa que não pede licença. A improvisação sai crua, sem filtro. Cada nota é uma estrela que se apaga e acende, num ciclo interminável de caos e harmonia. E ele ri. Porque sabe que o cosmos é feito disso, do acaso, do imprevisível.
Há dias em que a guitarra soa como o eco de um buraco negro, sugando a luz ao redor. Outras vezes, explode como uma supernova, atirando acordes como detritos pelo espaço. O público, esses planetas pequenos e frágeis, tentam agarrar-se a algo, mas nada fica. Tudo flui. Rebelo não toca para agradar, toca para sobreviver ao vazio que o universo deixou dentro de si.
Ele não segue partituras, quem precisa delas quando o som é o único caminho que conhece? Cada improviso é uma viagem sem bilhete de volta, uma nave espacial feita de ruído e distorção. As cordas vibram, como asteróides a colidir com a realidade, criando crateras de som que se espalham por galáxias invisíveis.
E no fim, quando o silêncio volta, não há aplausos, só a sensação de que as estrelas estão a ouvir. E Rebelo, solitário na sua órbita, sabe que tocar é tudo o que lhe resta.
[Harmonia em Movimento: Nuno Rebelo e a Música como Arquitectura para as Artes]
A música de Nuno Rebelo é muito mais do que som — é a argamassa invisível que dá corpo a outras formas de arte, como dança, teatro e até as grandes celebrações culturais que marcaram a história recente de Portugal. Ao colaborar com coreógrafos como Vera Mantero e Paulo Ribeiro, Rebelo encontrou no movimento humano a sua própria extensão, criando paisagens sonoras que não apenas acompanham, mas interagem, moldam e amplificam cada gesto, cada passo, como se as notas fossem a energia primordial que alimenta a coreografia.
Quando compõe para o teatro, como nas colaborações com João Garcia Miguel, Rebelo torna-se um arquitecto sonoro, construindo cenários que transcendem o visual. A sua música não é um adereço; ela é o espaço onde as emoções, as tensões e os conflitos ganham vida. É como se cada acorde abrisse uma porta para um novo cenário, uma nova dimensão da narrativa.
A música funcional de Rebelo atinge outro patamar com as grandes produções culturais, como Lisboa Capital Europeia da Cultura em 1994 e o hino oficial da Expo 98. Nessas ocasiões, ele não cria apenas composições; ele dá voz a uma cidade, a um país, a uma era. “Pangea”, o hino da Expo 98, é um exemplo perfeito da sua capacidade de unir mundos, de fazer dialogar o tradicional e o contemporâneo, o local e o global, numa sinfonia de identidades.
Rebelo nunca se limitou a ser um músico para as artes; ele é um co-criador, um artífice que transforma o som num corpo funcional, essencial para a completude do que vemos, sentimos e experienciamos. A sua música não segue — ela guia. Ela eleva o que já é arte a algo ainda mais profundo, mais expansivo, como uma constelação que, a cada nova estrela, redesenha todo o céu.
[As Formas Invisíveis de Nuno Rebelo: Geometrias Sonoras em Movimento]
Nuno Rebelo não percorre um único caminho; ele traça rotas invisíveis, linhas que se expandem e se dobram sobre si mesmas, como sons que nascem no ar. Formado em arquitectura, talvez tenha sido o espaço que o ensinou a moldar a música, a construir edifícios de som e silêncio, cada um sustentado por uma estrutura fluída, mutante. A guitarra, em suas mãos, não é somente um instrumento; é uma ferramenta de escavação cósmica, uma forma de encontrar o que está escondido no espaço entre as notas.
Nos anos 80, foi nas ruas e nos palcos que Rebelo começou a erguer suas primeiras construções sonoras com os Street Kids e Mler Ife Dada. Bandas que, como astros errantes, não seguiam órbitas convencionais. E depois, com Plopoplot Pot e Poliploc Orkeshtra, experimentou o som como matéria plástica, moldando-o em formas inesperadas, transformando músicos e não-músicos em partícipes de uma criação colectiva, onde o improviso e o acaso eram tão importantes quanto a técnica.
Rebelo entende o som como um corpo que se move, que se deforma, que se adapta às diferentes dimensões do palco — seja ele de um teatro, de uma sala de dança ou de uma instalação sonora. Ao colaborar com coreógrafos como Vera Mantero e Mark Tompkins, ele não compõe apenas música; ele compõe movimento. A música torna-se a arquitectura do espaço, preenchendo o ar, guiando o corpo, transformando o silêncio em gesto.
As suas improvisações não obedecem a regras, assim como as estrelas não obedecem a uma coreografia visível. Ele improvisa como quem desliza entre asteróides, sem medo do impacto, sempre à procura de uma nova forma, um novo caminho. A guitarra, seu companheiro cósmico, não segue as leis da terra; ela flutua, desafia a gravidade, cria novas constelações a cada acorde.
E, no fundo, é assim que Nuno Rebelo se revela: um arquitecto de sons que dançam com a luz das estrelas, um improvisador que encontra no caos do universo a sua mais perfeita harmonia.
[O Arquitecto do Som Infinito: A Improvisação como Matéria Cósmica]
Nuno Rebelo é mais do que um nome nas pautas do tempo, é um criador de universos, onde cada som se torna um astro, e cada silêncio um buraco negro prestes a engolir o que resta do conhecido. A sua obra atravessa décadas como uma constelação em movimento, nunca estática, sempre a dançar no improvável. Das cordas da guitarra ao eco de uma improvisação que parece escapar à gravidade, ele criou um novo idioma, uma linguagem musical que não precisa de palavras para dizer tudo.
A sua importância no panorama musical português não reside apenas no que tocou ou compôs, mas no que abriu. Rebelo é uma porta para o desconhecido, um farol de som que orienta quem o ouve a lugares onde a música é mais do que notas e compassos. Ele elevou a improvisação a um estado de arte pura, onde o tempo se dissolve e o espaço se expande. A sua guitarra, um objecto cósmico, brilha com a intensidade de mil galáxias.
Ao longo da sua carreira, Nuno desenhou composições invisíveis entre o rock, a música contemporânea e a improvisação livre, ligando mundos que muitos julgariam impossíveis de coexistir. Ele tornou o impossível uma rotina, uma constante galáctica no universo musical português. Não há nada como Nuno Rebelo, porque ele não se limita a ser. Ele transcende. E, no final, as suas notas ecoarão para sempre, entre as estrelas, lembrando-nos que o som é eterno.