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Publicado a: 15/09/2018

Nova Batida’18 – Dia 1: ir para fora cá dentro

Publicado a: 15/09/2018

[TEXTO] Vera Brito [FOTOS] Inês Ventura

Já não é novidade para ninguém: Portugal está na moda e no foco do turismo internacional. A exposição de muitos dos nossos festivais lá fora é uma consequência disso, mas têm sido também eles responsáveis por trazer muita gente cá. Desde os nomes mais sonantes, aos mais underground, já há pouca coisa que fique fora do circuito português e por cá existe ainda a promessa de sol e mar 365 dias por ano, preços atractivos (até ver) e o tal público caloroso, tão elogiado por todos os que cá actuam. Se esta exportação tem sido um sucesso, não surpreende que Lisboa tenha sido também escolhida para importar um novo festival: o Nova Batida estreou-se ontem nos espaços da LX Factory e do Village Underground, numa aposta da Soundcrash, promotora independente de Londres, que trouxe consigo uma ementa gourmet de artistas internacionais, com predominância nas batidas electrónicas, e espaço ainda para alguns nomes nacionais.

Os vizinhos: LX Factory e Village Underground são locais únicos da capital, que dão o melhor exemplo daquilo que a gentrificação pode fazer na reabilitação de espaços antes negligenciados, hoje cheios de vida cosmopolita, extremamente fotogénicos, com ofertas culturais (e não só) que fazem as delícias de quem os visita e também as nossas. Não surpreendeu portanto que ao chegarmos à LX Factory o inglês fosse a língua mais ouvida nas conversas alheias, o mesmo que nos saudou nas bilheteiras e durante todos os concertos. Ao final da noite arriscam-se percentagens, que só a organização poderá mais tarde partilhar, mas visto a olho diríamos que mais de 80% do público, senão mesmo mais, seria estrangeiro. Acreditamos que a impressão de nos sentirmos num festival além-fronteiras terá sido comum a todos os portugueses ontem por lá, e não há nada de errado nisto, só é pena que não tenha havido, nesta primeira noite, mais público português a tirar partido de um cartaz que trouxe tantos nomes interessantes, muitos em estreia absoluta. A verdade é que em Setembro muitas das finanças pessoais ainda sofrem com a preenchida época festivaleira do verão e o Nova Batida, mesmo com promoções para residentes em Portugal, terá ainda assim ficado acima da média de preço a que estamos habituados.

 



Dito isto, oportunidade única para ver Mndsgn, num ambiente feito à medida da sua música exploratória, no palco encaixado na original estrutura de contentores e autocarros do Village Underground. “Don’t be afraid to groove, don’t be afraid to move” é o mote deste final de tarde perfeito, em que os sons cósmicos do produtor americano, estabelecido na cidade dos anjos, invadem a atmosfera citadina de Lisboa, por entre a vibração dos comboios que atravessam a ponte, transpirando ao sol que escorrega preguiçosamente entre os pilares — o conceito de sunset party reinventou-se ali. “Freekside”, da sua recente mixtape Snax e várias incursões por Body Wash, disco de 2016 com o selo Stones Throw, como as mais pausadas “Alluptoyou”, “Ya Own Way”, “Transmissionnn” e a pulsante “Cosmic Perspective”, são “audiogésicos” capazes de aliviar todas aquelas tensões de um final de semana trabalho. À nossa volta há quem feche os olhos em estado de graça e ceda ao convite de Ringgo Ancheta para embarcar na sua estação espacial: “sometimes you’re thinking what planet am I really on, sometimes it ain’t clear what vibrations that really are”, e em boa verdade sentimos-nos todos um pouco extraterrestres. Funk, rap, boogie ou electrónica, tudo faz perfeito sentido nos beats de Mndsgn e a sua hora de concerto soube-nos a pouco no final.

Yazmin Lacey é a doçura de palco e não falamos apenas da sua voz de mel capaz de derreter glaciares. O seu sorriso e espontaneidade contagiam-nos num ápice e até o seu nervosismo, próprio de quem ainda não acredita nas voltas que a vida lhe deu para estar ali em cima de um palco, faz-nos gostar ainda mais dela. Numa altura em que pesa o desaparecimento de Aretha Franklin, é reconfortante perceber que existem por aí outras vozes da soul, com muito para dar. O seu EP When The Sun Dips 90 Degrees, editado este Verão, e que ouvimos ontem, pode parecer ainda pouco, mas é já prova mais que suficiente de que o jazz e a soul têm em Yazmin Lacey uma nova guardiã.

 



Tempo para um dos concertos mais esperados da noite: Mount Kimbie trazem a primeira enchente ao palco principal do Village Underground — a sobreposição dos horários dos concertos na LX Factory, bem como o próprio percurso que obriga a uma volta demasiado longa entre dois espaços que afinal estão a paredes-meias, acabou por separar fisicamente o Nova Batida em dois festivais. Acabaríamos por visitar os palcos da LX Factory só ao final da noite para Maribou State. Também não era possível circular entre os dois sítios com bebidas por terminar, provavelmente por uma questão de segurança já que parte do percurso é feita perto da estrada, mas a verdade é que vimos várias pessoas descontentes com esta situação, algo que a organização deverá considerar numa próxima edição.

Voltemos ao que terá sido provavelmente o melhor concerto da noite: a dupla electrónica Mount Kimbie, composta por Dominic Maker and Kai Campos, ontem também com Marc Pell na bateria e Andrea Balency nos teclados e sintetizadores. “Four Years and One Day”, que abre o belíssimo Love What Survives, foi também a primeira faixa que a banda apresentou e podemos afirmar que ao vivo consegue ser ainda mais hipnótica que em disco. Aliás, praticamente tudo o que os Mount Kimbie nos trouxeram ontem ganhou em palco uma dimensão mais orgânica, completando a experiência sensorial que é qualquer disco dos londrinos. Avistam-se por todo o público headbangs sincopados e delirantes. Se alguma coisa faltou foi apenas a voz rasgada e insubstituível de King Krule em “Blue Train Lines”, que Dominic Maker e Andrea Balency não conseguiram colmatar.

Maribou State encheram pelas costuras o palco principal da LX Factory mas saíram prejudicados pelo péssimo som que a sala envidraçada de tecto alto proporciona. Percebe-se porque não acontecem ali mais concertos durante o ano, num espaço tão privilegiado. Do piso superior tentámos adivinhar as palavras de Holly Walker, pelo menos aquelas que ainda não sabemos de cor e que adorámos em disco. Vindos de um concerto de som imaculado de Mount Kimbie, damos de caras com a frustração de perceber que não vamos levar a mesma experiência de Maribou State, e sem qualquer culpa da banda. Nada que impeça a plateia de dançar em êxtase ao som da electrónica suave e sonhadora dos britânicos, oferecendo uma bela fotografia a quem estava no piso de cima neste primeiro dia do Nova Batida.

 


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