Na coluna Notas Azuis vai abordar-se jazz, música livre, música improvisada de todas as eras e nacionalidades, editada em todos os formatos.
Enrique Rodriguez and The Negra Chiway Band – Fase Liminal | Sounds of the Universe
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[Enrique Rodriguez and The Negra Chiway Band] Fase Liminal / Soul Jazz Records
São claríssimas, as coordenadas seguidas pelo multi-instrumentista chileno Enrique Rodriguez no trabalho que marca a sua estreia no catálogo da londrina Soul Jazz: o afro-futurismo psicadélico de Sun Ra, o pan-africanismo de Horace Tapscott, Paroah Sanders ou Archie Shepp, a espiritualidade do casal Coltrane, mas também, sugere a comunicação da editora, o misticismo cósmico dos Popol Vuh. Rodriguez, que é sobretudo teclista e percussionista, rodeia-se aqui dos membros da Negra Chiway Band – uma multidão de percussionistas, baixisdta que comanda grooves sinuosos e uma secção de sopros apontada ao cosmos – que, juntos, oferecem à música aqui apresentada uma densidade polirrítmica estonteante, com o piano a garantir as direcções harmónicas que depois são seguidas pelas vozes que evocam de alguma maneira a riqueza “sinfónica” natural que atribuímos às florestas tropicais e pelos sopros que nos ligam às mais brilhantes mentes do passado que inventaram uma nova forma de expressarem a sua africanidade. E tudo isto é servido por um inexcedível bom gosto nos arranjos que se alinham com o mesmo tipo de atitude exploratória que anima boa parte do mais jovem jazz contemporâneo, música criada por quem tem uma bem informada perspectiva histórica, reconhece o trabalho dos pioneiros, mas não deixa de assumir o pulsar presente como uma forma de desbravar caminhos para o futuro.
[James Brandon Lewis Quartet] Molecular / Intakt Records
As ideias, na verdade, podem surgir de qualquer lado, mas quando muito do jazz contemporâneo sublinha a importância do “momento” e a dinâmica da acção/reacção imposta pela improvisação livre, a visão do saxofonista tenor americano James Brandon Lewis pode até parecer extemporânea: o músico, que compôs todas as peças deste álbum em que conta com a colaboração de Aruán Ortiz num piano cubista, do contrabaixo curvilíneo de Brad Jones e do baterismo irrequieto de Chad Taylor (que também assume pontualmente a mbira), diz que a inspiração lhe chega da biologia molecular, da pintura abstracta de Wassily Kandinsky, dos espirituais negros, da tradição de tecelagem afro-americana e da ficção científica de Isaac Asimov. É nítido, portanto, que Brandon Lewis enquadra as 11 peças deste seu novo trabalho com pensamento profundo, envolvendo o disco num lastro conceptual considerável. Mas a verdade é que tudo isso resulta em música verdadeiramente sólida, entre o passo frenético e a contemplação mais reflexiva, servida por músicos que nitidamente fazem um esforço para tocarem no limite das suas capacidades inventivas. E isso passa de forma nítida para os nossos ouvidos que não tardam a deixar-se imergir no som de um quarteto que entende, talvez como sucede nas tais tapeçarias de complexos padrões que de alguma forma contam histórias, que é das diferentes colorações que cada instrumento aqui carrega que nasce a ideia de harmonia que nos transporta. Para onde? O arranque é aqui, em Molecular, mas cada um que decida mergulhar neste álbum descobrirá o seu próprio destino.
[Walter Bishop, Jr.] Coral Keys / P-Vine Records – Black Jazz Records
Editado originalmente em 1971, este álbum merece agora (a par de mais alguns dos primeiros clássicos do histórico selo de Oakland nascido no mesmo ano) oportuna reedição. Bishop lidera no piano um ensemble que inclui o enorme Idris Muhammad (lado A) e Idris Shwaetz Benger (lado B) na bateria, o pulso firme de Reggie Johnson no contrabaixo, o mítico Harold Vic em tenor, soprano, clarinete baixo e flauta e ainda Woody Shaw no trompete. Conjunto inatacável de feras que nesta sessão do arranque dos anos 70 ecoava o optimismo derivado do momentum conjurado pelo Civil Rights Movement e pelos libertários ventos que então sopravam pela América negra. Nesta música claramente informada pelos caminhos espirituais desbravados por John Coltrane, o ensemble liderado por Walyer Bishop soa tão vivo e, ao mesmo tempo, tão urgente que seria quase lícito julgar-se que esta seria uma sessão gravada há apenas alguns meses nalgum clube mais resguardado de Nova Iorque. A liberdade absoluta transmitida pelo piano vibrante de Bishop, tão expressivo quanto melodicamente inventivo poderia ser um comentário de resistência os tempos presentes. Na verdade, era um discurso de esperança num tempo em que o futuro se abria diante dos olhos e das almas como um terreno de infinitas esperanças.
(Estes lançamentos estão disponíveis na Jazz Messengers de Lisboa)