Embora Noiserv tenha surgido em 2005, só recentemente tomei conhecimento da sua obra através de um concerto seu no Centro Cultural de Belém em 2015. Fiquei deliciado: uma música pop bem original, criada em tempo real, através de um ecossistema tecnológico (sua criação) muito bem estruturado.
Não é simples controlar toda aquela parafernália (além de vários sintetizadores vintage, usa também um metalofone, a guitarra acústica, percussão electrónica, melódica, acordeão, vários pedais de efeito, um megafone, e até uma pequena máquina fotográfica), em especial o loop, pois este pedal é um pouco ingrato: temos de ser muito precisos e estar com a concentração a 100%.
Noiserv gosta de falar com o público e nesse diálogo não tem receio em se expor e à sua música: fala dele, da sua vida e experiências, mas também está constantemente a referir a possibilidade do erro acontecer durante o concerto. Naquele a que assisti recentemente no Teatro da Trindade em Lisboa, logo no primeiro tema, o músico enganou-se no botão a pressionar do loop e — visivelmente triste — disse que iria repetir, pois, “já lixei esta merda toda”.
Até ao final do concerto mais nenhuma falha ocorreu e mais uma vez presenciamos um espectáculo muito belo, quer do ponto de vista musical, quer visual: um vídeo transmitia aquilo que pareciam ser capturas de câmaras de vigilância, espalhadas pelo teatro e pelo palco, com imagens em tempo real do que acontecia nesses diversos locais. Simples mas com bom gosto.
Como eu só o conhecia a cantar em inglês, foi com alguma surpresa que ouvi os seus temas em português. Quando o ouço a cantar em inglês, tenho a sensação de estar a assistir a um excelente concerto que poderia estar a ser realizado em qualquer parte do mundo (Nova Iorque, Berlim, Londres); já quando o ouço a cantar em português, tenho a sensação de estar a assistir a um excelente concerto em Portugal.
E isso parece — posso estar enganado — reflectir-se no próprio músico, pois quando ele canta em inglês a sua entrega performativa aparenta ser mais vívida do que quando canta em português, em que nos surge de uma forma mais intimista.
Uma questão me veio à cabeça durante o concerto, ao escutar Noiserv em português: “será que foi uma ideia sua, ou foi incentivado por alguma editora a fazê-lo?”, e espero que a resposta seja a primeira hipótese.
Mas não obstante esta dicotomia português-inglês, aquilo a que assistimos neste espectáculo foi algo de belo e complexo. De modo muito bem conseguido, ele torna simples aquele rodopio de mudança de instrumentos (Noiserv é um multi-instrumentista) e o controle virtuosístico do pedal loop.
A sua concentração tem de ser extrema, mas vê-se que ele já domina aquele sistema (surge a tocar dentro de um cubo, com todos os instrumentos estrategicamente instalados), e sentimos a familiaridade e profissionalismo com que ele manipula e dirige os microfones para a posição mais indicada para cada tema ou mesmo durante o tema, ou como vai controlando os variegados teclados. Muda da guitarra para os teclados com uma precisão de astronauta, bem como verifica metodicamente o som dos teclados e da guitarra, antes de começar um novo tema.
A sua música é geralmente construída sob técnicas da música minimal-repetitiva: técnicas de adição, técnicas de sobreposição, técnicas de acumulação, todas estas usadas pelos mestres da música minimal. Mas essas técnicas diluem-se no lirismo e beleza dos timbres que Noiserv nos delicia: paisagens sonoras de rara beleza, que nascem de uma ideia simples (um acorde, um arpejo, uma pulsação), e que se vai desenvolvendo e nos envolve num crescendo, por vezes cortado à faca pelo desligar do loop, ao que ele responde com instrumentos/voz, tocados/cantados ao vivo, nesse instante.
E há a voz: doce, melódica, harmoniosa, que por vezes também surge, ela mesma, em loop, produzindo assim vários Noiservs cantando simultaneamente, letras poéticas que abordam “várias temáticas”, como ele próprio anuncia nos seus bem-sucedidos diálogos com o público ao longo do show.
É um artista com mais de 15 anos de carreira, e que à sua maneira, conquistou um público fiel e alargado, que atinge pessoas de várias classes sociais e de várias classes etárias. Um músico a seguir na Via Láctea da Música com “M” maiúsculo.