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Publicado a: 02/09/2018

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[TEXTO] Miguel Alexandre

Há menos de uma década, Nicki Minaj foi talvez a artista que mais beneficiou da cultura da Internet. É verdade que a assimilação das suas músicas não foi propriamente a mais positiva; no entanto, na era de hoje, ao catapultarmos um artista não só para o topo das tabelas musicais, como também para o centro das páginas de memes, a repercussão acaba por ser recompensadora. Sim, hits como “Super Bass” e “Anaconda” tiveram uma discussão mediática estrondosa. Sim, questionou-se plenamente sobre se era a verdadeira sucessora do trono do hip hop ou apenas mais uma fraude. E, sim, atirámo-la com outras artistas do passado e do presente a um ringue para ver quem sobreviveria no final. E Nicki até agora tem a vitória, o que pode não significar uma coisa boa.

O talento da rapper é indiscutivelmente inegável. Criada em Queens, Nova Iorque, Onika estudou com os grandes do género e aprendeu a ser categoricamente exuberante como Lil’ Wayne, a resguardar-se em alter-egos como o Eminem, a controlar o seu flow como o B.I.G, e a dar sempre prioridade à honestidade e à frontalidade, algo que viu em Lauryn Hill. Seguindo estes passos, a sua mestria estava seguramente controlada. A humanidade intacta e sem falhas. A sua mensagem clara e exigível. As primeiras mixtapes mostraram-se como um sucesso quase garantido, dando-lhe uma pequena, mas significante exposição. Foram, contudo, os primeiros álbuns de estúdio que sabotaram algo que poderia ter sido muito bem construído: Pink Friday, a estreia, tem os seus momentos interessantes, roçando entre um pop caleidoscópico e um rap indulgente, mas que se torna maçador em pouco tempo; Pink Friday: Roman Reloaded, quase como uma sequela, segue os mesmos passos, apenas desta vez com mais frenesim, incoerência, e mascarado com um monte de perucas estranhas e sotaques impercetíveis. Agora com Queen, Nicki assume-se como a figura elementar do hip hop: uma afirmação presunçosa, uma vez que as suas últimas decisões profissionais não são dignas de receber o estatuto de “Rainha” de algo.

A campanha de promoção do quarto álbum de originais de Minaj não tem sido deslumbrante: combativa e maliciosa com alguns fãs no Twitter, os seus últimos singles não têm correspondido ao sucesso de anteriores e a única presença nas tabelas musicais tem sido com “Fefe”, uma colaboração com o 6ix9ine, um rapper que poderá ser aprisionado por ter utilizado uma menor em actos sexuais.

Mas concentrar-nos-emos em Queen e na mensagem que Nicki pretende transmitir. Em 19 faixas, sai-se deste álbum com uma sensação decepcionante de que certos momentos poderiam ter sido aprumados e devidamente polidos – especialmente os números de r&b, como “Run & Hide”. Há, sem dúvida, uma noção precisa de auto-determinação e assertividade: a nova-iorquina não é de se pôr periodicamente em causa, não se limitando a uma calculista gestão de carreira, como tantas vezes é referida, e mostra-se imperativa para ser um nome a se estimar a longo prazo. Mesmo tendo em consideração todo o sucesso que Nicki teve no passado, ela ostenta-se do mesmo não de maneira petulante, como muitos dos seus contemporâneos, mas como uma mulher negra num género ainda centrado no foco masculino. “Ganja Burn”, a música que abre este disco, mostra-nos a bravata de Minaj: um grito de guerra robusto e avultado – e um dos poucos momentos em que ela se encontra verdadeiramente focada: “You gotta have real skill, gotta work for that/ If it’s really your passion, would you give the world for that?/ Unlike a lot of these hoes whether wack or lit/ At least I can say I wrote every rap I spit”.

 



A chama de “Ganja Burn” rapidamente se apaga consoante o desenrolar das canções. Este problema revela-se pela falta de consistência e coesão que Queen tem. Para além dos singles anteriormente lançados, as restantes faixas ressoam-se sempre pelo mesmo tipo de produção: batidas trap ensopadas em exageros e excentricidades, seguindo sempre o mesmo padrão sónico; desempenhos vocais que não lhe fazem justiça; e uma constante luta de dominância entre Minaj e as pessoas com quem colabora nas faixas. Quando o tom do álbum fica verdadeiramente mais calmo e vulnerável, Nicki perde-se em clichés e superficialidades, como é o caso de “Come See About Me”: uma doce balada que poderia muito bem ter sido interpretada por Jazmine Sullivan ou até mesmo Kelly Rowland. Nem as canções que contêm o tipo de apelo clássico, aquele ritmo aditivo e característico do hip pop, envolvida por uma vitalidade retemperadora, como em “LLC” ou “Chun-Li”, são particularmente memoráveis. Nem temas onde se vislumbra algo novo, como “Majesty” ou “Chun Swae”, com a voz alterada digitalmente a evocar quase a sua faceta de Ye, são totalmente convincentes.

Em contrapartida, “Barbie Dreams” é uma lufada de ar fresco e mostra-se como a música mais clara e, ao mesmo tempo, complexa de todo o disco. Mencionando o nome de vários rappers famosos, a música é um roast público às fragilidades físicas, intelectuais, não deixando de enfatiza as proezas sexuais de cada um. Nicki está no seu momento mais assertivo e danoso, e utiliza o som de “Just Playing (Dreams)” brilhantemente a seu favor. Desde ataques à sua relação com Meek Mill a críticas a Drake – “but I don’t know if the pussy wet or if he cryin’ and shit”–, ninguém parece sair ileso. E esta é a mensagem perfeita para a era das redes sociais em que vivemos e Nicki sabe-se colocar no centro da discussão.

Como referi anteriormente, o flow de Minaj é dos mais elásticos e mutáveis desta geração, o que lhe permite brilhar em faixas como “Barbie Dreams”. Mas seria injusto resumirmo-nos a pequenos exercícios de futilidade e focarmo-nos na maneira como os média retratam-na nos tablóides. Talvez por ter de se esforçar o dobro do que os seus colegas masculinos para obter metade do sucesso, que Nicki é tão obcecada pelo seu status e por dominação: “New slaves, but I’m still the master…Miss Aretha, I think I just passed her”, canta em “Sir”. É impossível negar a ambição desmedida presente neste trabalho, como também a necessidade de se afirmar ainda como uma figura regente na indústria musical. Claro que pode ser, em simultâneo, algo conceptual, um equilíbrio instável entre a exaltação por parte da artista, mas que, para tal, falta a devida segurança. Queen é um álbum pouco inspirado e Minaj parece enfadada por já não ter a soberania exclusivista do meio. Mas o importante não é espalhar uma confusão existencialista entre quem somos e o que esperam que sejamos. E qualquer rainha sabe disso.

 


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