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Fotografia: Lou Jasmine
Publicado a: 11/02/2021

Ao som do trompete.

Nick Walters: “Há bom jazz por toda a Inglaterra, não é só em Londres”

Fotografia: Lou Jasmine
Publicado a: 11/02/2021

Nick Walters é homem de poucas palavras, mas músico de vistas largas que acaba de editar o segundo álbum à frente do Paradox Ensemble: Implicate Order sucede a Awakening, que foi originalmente lançado na 22ª de Tenderlonious, e marca a estreia do seu próprio selo, D.O.T., plataforma em que o trompetista pretende dar à estampa várias outras aventuras, protagonizadas por si ou por outros.

Membro de colectivos como Ruby Rushton (de que também faz parte Tenderlonious), Beats and Pieces Big Band ou Riot Jazz Brass Band, Nick Walters tem igualmente colaborado como músico de sessão em projectos de Henry Wu (aka Kamaal Williams), Skinshape, Nim Sadot ou Ed “Tenderlonious” Cawthorne, o seu cúmplice mais próximo.

Em 2019, Walters lançou também, uma vez mais com selo 22ª, um álbum em nome próprio, Active Imagination, álbum para que reuniu um ensemble de peso, com Nim Sadot no baixo, Max Hallett de The Comet is Coming na bateria, Rebecca Nash no piano, Jeff Guntren no sax tenor e, pois claro, Ed Cawthorne no soprano e flauta. Sinais de uma imaginação activa, de facto, que agora volta a servir para reactivar o Paradox Ensemble, uma mini-big band que já se mostrou como entusiasmante entidade mediadora das forças do jazz e afrobeat em híbridos que traduzem um tempo que todos desejamos que volte a ser de vibração comunal. Sem máscaras ou distâncias.

No Zoom, com artwork de lançamentos passados a adornar as paredes da sua sala, Nick Walters conversou um pouco sobre o novo álbum e os igualmente novos anseios que assaltam quem se vê obrigado a tentar vislumbrar o futuro a partir de um presente muito opaco.



Vejo que tens as capas de discos anteriores expostas atrás de ti.

É verdade. Ali estão eles. Tenho mais alguns mais além.

Vamos começar por aí. Aqui estou eu, em isolamento em Portugal. Acredito que vocês também estejam a aguentar toda esta situação. Mas este último ano… Foi o mais estranho das vossas vidas?

Sim, completamente. Nada [do que vivemos antes] se assemelha a isto. A cena principal é o não estarmos a tocar. Não há concertos. Há algumas sessões de gravações mais pequenas, sempre que conseguimos, entre os períodos de confinamento. Mas sim, isto é muito estranho.

O jazz, como tu bem sabes, é uma música de comunidade, uma música de interacção. É música, mas é também uma forma de comunicação entre seres humanos. Esta situação torna-se, assim sendo, algo de mais difícil ainda de suportar para a comunidade artística em que te inseres?

Sim. Tenho de concordar completamente com o que tu disseste. Uma das coisas de que mais sinto falta é essa tal interacção com as outras pessoas, ver o que acontece no colectivo. Mas pronto. Tenho trabalhado num patamar mais individual ultimamente, mas sem dúvida que sinto falta desse aspecto mais comunicativo, de comunhão com os outros músicos. Completamente.

Estava a ouvir o teu último álbum antes de começarmos esta entrevista e aquilo que eu senti é que existe ali uma grande vibração e é notório o prazer enorme que todos os músicos obtêm por estarem a tocar naquele contexto. O que me podes contar sobre como correram as sessões de gravação? Quando é que elas decorreram?

Isso já foi há algum tempo, lá para o final de 2019. Talvez em Outubro ou Novembro. Fizemos dois dias, mas foram dois dias bons, muito produtivos. Foram ambos divertidos. Tínhamos muita coisa para percorrer e, como deves de saber, existem sempre falhas técnicas a que temos de saber dar a volta. Mas foi como tu disseste: uma das coisas de que mais gostei foi do facto de nesta banda termos todos uma mentalidade muito semelhante. Demo-nos muito bem e divertimo-nos imenso.

Nos dias em que gravas, tens algum tipo de ritual?

Nem por isso. Nada me vem à cabeça quanto a isso. Acho que, especialmente com esta banda, por serem tantas pessoas e todas elas espalhadas por todo o país, estarmos juntos por si só já é algo especial. Há sempre muita coisa para meter em dia. Fico bem disposto por reencontrar toda a gente. Talvez isso até seja uma espécie de ritual, porque cada encontro é uma experiência nova, sempre diferente da anterior. É algo refrescante.

Não abrem aquela garrafa especial só para celebrar a ocasião?

Nem por isso [risos].

Essa ideia de uma banda tão grande parece algo utópico nos dias que correm. Isto por estarmos numa altura em que toda a gente nos diz para estarmos sozinhos, confinados no nosso próprio espaço. Estares com essa gente toda reunida numa sala é algo que eu imagino de que sintas muita falta, mas ao mesmo tempo é quase uma declaração de princípio, um manifesto do que deve ser a vida, não?

Sim, claro. Sinto muita falta disso. Outra das coisas das quais sinto falta é do público. O efeito que isso tem nos músicos, de ver uma plateia bem composta. A plateia pode estar lotada e nós ainda por cima somos uma banda grande. A atmosfera é… É algo que eu aprecio mesmo muito e que pode contribuir muito para a performance. Já fiz alguns livestreams, sem plateia [física], e é muito estranho [risos].

Imagino que sim. Quanto ao material que compõe este álbum, comparativamente ao teu primeiro, como é que a coisa evoluiu?

Acho que a forma foi muito parecida com o que aconteceu no Awakening. O processo de composição, geralmente, dá-se quando surge uma ideia. Fico a pensar sobre isso, experimento… Isto tudo num período relativamente longo. Pode demorar alguns anos até… desde que tive a primeira visão dessa ideia até ela se tornar numa canção.

E os músicos chegam ao estúdio já com a matéria estudada ou só lhes apresentas as músicas no momento?

Eu passo-lhes as coisas. Mas, é claro, a maioria deles não tem a oportunidade de as tocar num ambiente de banda antes de chegarem a estúdio. No entanto eu trabalho com a secção de ritmos. Vou com eles a sessões trabalhar nos grooves, nas estruturas… Talvez algumas partes da secção de sopros também apareçam em alguns dos dias. Por isso é um bocado de ambos.

São quantos músicos no total durante as sessões?

Nesta foram 11.

Fora tudo isto da pandemia, é viável, economicamente, manter uma banda com tantos elementos?

Resumindo: não [risos]. Infelizmente não. Até porque isso nos limita logo nas oportunidades que temos para tocar ao vivo. Por outro lado, significa que cada uma que de facto se materializa se vai tornar bastante especial. Mas sim, infelizmente, a realidade financeira não nos permite ter uma banda desse tamanho a tocar regularmente e a andar em digressão por aí sem que haja apoios.



Há algum tipo de apoio, algum programa governamental, que permita uma banda como a tua existir?

Existe apoio disponível. Por exemplo, eu toco numa outra banda de 14 elementos que tem vindo a receber regularmente alguns apoios do governo para ajudar. Mas nós [o Nick Walters & The Paradox Ensemble] nunca recebemos nenhum, mas também devo dizer que nunca nos candidatámos a tal. Talvez seja algo a pensar no futuro, quando as coisas voltarem ao normal.

Eu vejo a coisa de fora, mas tenho lido muito nos últimos anos sobre a “saudável e vibrante cena jazz do Reino Unido”. Quão real é essa ideia que tem vindo a ser transmitida a quem não a vive por dentro?

Eu acho que é uma cena muito vibrante, de facto. Isso é garantido. Têm aparecido muitos músicos, muitas bandas, durante os últimos cinco anos. É algo maravilhoso de se ver e é mesmo muito saudável. Uma coisa que eu acrescentaria àquilo que é habitualmente apresentado — que isto é uma cena de Londres — é que há muitos bons músicos e bandas espalhados pelo país inteiro. É só isso que tenho para enfatizar. Só que há muitas coisas boas a acontecer em Londres e as pessoas dizem isso por alguma razão.

Fala-me de ti. Tu és de Londres ou vieste de outro lugar?

Eu sou de Kent, uma zona a sudeste do Reino Unido. Está muito perto de Londres. Muito perto mesmo. Mas vivi em Manchester também. Passei lá muito tempo. Por isso conheço a cena musical de lá bastante bem. Há outra cena: as zonas mais a norte são todas muito perto umas das outras. Liverpool, Leeds, Sheffield, Newcastle… Todas essas cidades têm as suas cenas musicais vibrantes. Há muitos bons músicos envolvidos em projectos interessantes.

Em 2019 fui com a minha mulher passar umas férias no norte de Inglaterra. Foi até a vez em que passei mais dias consecutivos dentro do país. Começámos em York e fomos subindo até à Escócia. Quando estávamos a chegar a York meti-me online para ir à procura de casas com música ao vivo e acabámos por passar a noite no The Crescent — conheces?

Conheço sim.

Mas aquilo que me surpreendeu, vindo de Portugal, foi ter encontrado um clube tão espectacular numa cidade tão pequena — e creio que não estou a insultar York ao dizer isto. Deu-me a ideia de ser parte de uma rede independente de salas de espectáculo que permite que bandas como a tua possam existir.

Completamente. O The Crescent é um óptimo exemplo. Não consigo agora precisar se existe há cinco anos ou um pouco mais… Mas é uma clara prova de como uma equipa local consegue fazer coisas espantosas. Oferecem grandes concertos, apoiam as cenas locais, ajudam bandas nas suas digressões… Há salas de espectáculo como esta em cada cidade do país. E isso é vital para cenas como a nossa, para bandas como a nossa.

Vocês estão agora a enfrentar alguns desafios sérios devido à situação do Brexit e dos acordos que estão a ser feitos com a União Europeia. Tens vindo a seguir esse assunto? Preocupas-te com isso?

Não tenho seguido as coisas de muito perto, mas estou obviamente preocupado com isso. Até porque com os Ruby Rushton, uma outra banda que eu tenho, temos ido imensas vezes tocar pela Europa. Temos tido agendamentos muito, muito bons. É óptimo para nós poder ir tocar a algum lado no fim-de-semana, conhecer salas e públicos novos, descobrir lugares onde nunca tínhamos ido… Infelizmente isso pode começar a não acontecer com tanta frequência devido a essas burocracias. Pode vir a complicar as coisas se o resto das salas europeias começarem a cortar nos músicos vindos de Inglaterra.

E há um outro problema além desse, porque tu acabaste de montar a tua própria editora. Para mim, comprar vinis vindos de Inglaterra, neste momento, tornou-se num verdadeiro desafio. Os custos do envio por correio subiram imenso. Não sei se o futuro não está a ficar um pouco mais triste.

Sim… Tenho vindo a explorar um bocado sobre essa prática do envio de discos. Só agora fiquei ciente do facto de que as coisas se tornaram mais difíceis. Isto no espaço de apenas algumas semanas.

Tu já tinhas trabalhado com a 22ª antes. O que é que te fez querer montar a tua própria operação?

Eu tinha o projecto com os The Paradox Ensemble e sou muito amigo da malta da 22a, que me têm apoiado imenso. Falámos sobre o que fazer com este disco e a ideia de criar a minha própria plataforma surgiu. Até porque eu tenho uma carrada de outros projectos em fase de preparação e que vou querer editar em determinado momento. Desenvolvemos esta ideia de eu ter uma editora minha. Mas tenho tido malta que me tem ajudado durante o processo. Por isso continuo bastante ligado à 22a.

O Bandcamp permite uma nova forma de pensar e gerir o teu produto, pode ser uma ajuda, digo eu…. Mas fala-me das coisas que reservas para o resto do ano.

A primeira, de que começámos agora a fase de produção, é mais um trabalho meu enquanto produtor. Descarregámos uma série de samples das missões espaciais da NASA, cenas assim. São faixas construídas em torno dessas texturas, com a ajuda de alguns amigos, como o Tenderlonious, que toca flauta no projecto. Tenho alguns instrumentos reais e alguns elementos de produção. Esse será o próximo projecto [a sair], um álbum intitulado Singularity. Espero que saia dentro de poucos meses. Vai depender de como correr a produção.

Então, o álbum intitula-se Singularity mas assinas como Nick Walters ou o projecto tem algum nome?

Não tem nome, para já… Creio que vamos editá-lo com o meu nome, mas também pode ser uma boa ideia dar um nome ao projecto. Mas neste momento tenho sido mais eu [a trabalhar] em casa e a tomar conta de tudo.

Já me rendi porque mencionaste uma série de palavras-chave para mim: samples da NASA, elementos de produção, músicos, Singularity… Já comprei [risos]! Entretanto já conseguiste agendar algum espectáculo para o futuro ou o lado performativo da tua carreira ainda é uma incerteza total nesta altura?

É muito incerto. Existem alguns agendamentos no horizonte. Isso já é um sinal positivo. A maioria são para a época do Verão. No entanto, tudo agora está a ser agendado com aquela cláusula a dizer “temos de ver como a situação se desenvolve”. Tudo pode a qualquer momento ir pelo cano abaixo. E de facto já tive uns quantos concertos que durante todo este período da pandemia têm vindo a ser adiados por ainda não existirem condições. A nós só nos resta esperar e ver o que acontece.

Para terminar: tu já tocaste em Portugal? Tens algum tipo de relação como o nosso país?

Sim. É um dos países da Europa que visitei menos vezes, na verdade. Adorava poder passar mais tempo aí. Estive aí duas vezes. Uma delas foi numa sala que sei que costuma acolher cenas mais ligadas à world music, perto do mar. Eu não me recordo do nome. Mas essa foi a última vez que estive em Portugal. E sim, ambas as vezes em Lisboa.


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