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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 17/05/2021

À conversa com Holly, Lazuli, DJ Ride e Moullinex sobre esta moderna ferramenta que está à disposição dos artistas (e não só).

NFTs: um admirável mundo novo

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 17/05/2021

Em 1999, quase na viragem para o milénio presente, as irmãs Wachowski, surpreendiam o mundo com um filme chamado Matrix, uma reflexão sobre o nosso mundo, embrenhada nos conceitos filosóficos da Alegoria da Caverna de Platão e nas realidades alternativas de Jean Baudrillard. Nesse filme somos desafiados a viver as experiências de um universo paralelo e distópico, formado por complexas sequências de 0s e 1s, responsáveis por simular, de um modo perfeito, o nosso tradicional dia a dia. Era um admirável mundo novo. Estávamos na dimensão digital, tão empolgante e de soluções tão extraordinárias que acabaria por substituir aquele que tentamos simular.

O mundo evoluiu e muitos dos aspectos que vimos neste filme transformaram-se na nossa realidade. Não em dimensões idênticas, evidentemente, pois, em 2021, ainda não chegámos ao mesmo nível de simulação. Contudo, a metáfora usada pela dupla de realizadoras aumenta gradualmente o seu peso no nosso quotidiano. Basta olhar para ferramentas tão fundamentais, hoje em dia, como o e-mail, o Google ou o Zoom, puras digitalizações dos correios, das bibliotecas ou das reuniões, e são apenas pequenos e simples exemplos de uma transformação bem mais extensa e inevitável. O futuro é digitalizar, não há dúvidas disso, e a arte, como boa representação da vida, imita e também ela se converte, tomando como exemplo o Spotify, a Netflix, ou o mais recente capítulo desta transformação, os entusiasmantes NFTs.

“Ainda é um mundo extremamente embrionário, onde todos os dias existem alterações e desenvolvimentos”. São palavras de Lazuli, um dos principais impulsionadores nacionais do “movimento” e um dos nomes com quem falámos para perceber melhor o que, afinal de contas, são estes NFTs.

São, sem dúvida, a última moda da Internet, sendo apontada por muitos com o ponto essencial da web 3.0, e que promete revolucionar o mundo das artes de tal modo que músicos como Grimes, M.I.A., Aphex Twin ou Arca já mergulharam nesta entusiasmante novidade. Para entender o que são e as suas potencialidades, primeiro temos de desmontar e compreender o seu nome. NFTs é a sigla de Non-Fungible Tokens ou, se preferirem, Tokens Não-Fungíveis. Parece um termo caricato e cómico à primeira, mas, como facilmente dá para perceber, o seu poder é gigantesco. Resumidamente, estamos perante um token (um asset digital) que, em grande medida, é similar às criptomoedas, excepto no facto de, ao contrário do “dinheiro virtual”, estes não serem similares entre si — são por essa mesma razão não-fungíveis. Cada um tem um valor próprio e definido pelo comprador, e é exactamente essa característica que torna estes tokens tão interessantes para o mundo artístico. Não são similares financeiramente porque o seu “conteúdo” também não o é.

Cada NFT representa assim uma obra de arte digital, única, escassa e transacional. Holly, o produtor que foi nomeado a última edição dos GRAMMYs e que já produziu diversos destes novos conteúdos, explica-nos que “cada NFT está sujeito a uma série de variáveis que definem o seu valor. Quem é o artista, qual é a sua reputação, quem vai comprar a obra e sobre o que é a obra. Estas quatro variáveis vão definir o seu valor”. Não existe, assim, um “preço tabelado”. No entanto, a sua transição, tal como a das criptomoedas, é tabelada através da tecnologia blockchain, um livro de registos virtual que prova não só todas as características da obra, como os seus portadores e contratos que lhe são implícitos, até mesmo os anteriores. Esta tecnologia faz também com que estas informações sejam impossíveis de serem adulteradas, copiadas ou substituídas. No fundo, um NFT transforma-se num certificado digital que autentifica e comprova a escassez de uma obra, identifica a quem aquela obra pertence, quem é o seu criador e as suas características.

As implicações que isso tem no mundo artístico e digital são enormes. Ora vejamos: todos nós podemos ter uma cópia de uma pintura famosa em casa, no entanto, esta nunca terá nem a relevância nem o valor do original. Há um registo, um passado, que comprova a sua criação e a sua origem. É isso que faz o original valer milhões, é isso que faz com que a visitemos e é por isso que pagamos para ver presencialmente essas obras, por muitas cópias que por aí existam. Só existe uma Mona Lisa e ela está no Louvre. No mundo digital, essa operação torna-se extremamente complexa, visto que uma imagem ou uma música nunca são apenas isso quando chegam ao habitat virtual. Estas vão, inevitavelmente, encontrar-se com o poder do download, do Ctrl C + Ctrl V, da exposição gratuita no Instagram ou no Spotify — tornava-se complicado obter algum valor com arte digital. Com os NFTs, as obras ganham exactamente os mesmo poderes de qualquer arte física.

Artisticamente, isso é uma verdadeira maneira de se mudar de vida. Agora, os artistas podem ser expressivos e comunicativos de maneiras distintas, podem abordar outras temáticas ou arriscar projectos e colaborações que não seriam mais que extras ou experiências, tendo possibilidades não só de ter uma plataforma para mostrar esses trabalhos, como de poder obter alguma rentabilidade com os mesmos. Foi o caso de DJ Ride que decidiu produzir NFTs quando percebeu que o seu trabalho Pixel Thrasher encaixava-se perfeitamente neste universo. “Abria-me portas para finalmente disponibilizar os 3D e os vídeos que faço, que são muito próximos de pequenos loops e gifs, e foi aí que me deu o clique”. O Opensea, Niftygateway, Rarable, SuperRare e muitas outras plataformas que suportam NFTs, transformaram-se em autênticas galerias virtuais, onde artistas e não-artistas, com ou sem curadoria, aproximam as suas criações, de uma forma muito mais rápida e clara, aos seus fãs. Aliás, esse é um dos factores apontados para o sucesso e para o dinamismo desta nova corrente.

O público que procura estes activos é composto sobretudo por fãs e colecionadores. Aliás, muitos comparam o mundo dos NFTs a uma nostálgica cultura de caderneta de cromos. O facto destes itens serem tão exclusivos e específicos nas suas características e na sua propriedade atrai aqueles que pretendem ter algo único na carteira. Obter esses “cromos” directamente dos seus criadores é algo ainda emocionalmente mais valioso e atrativo. Acontece assim a mudança de paradigma, que muda toda a estrutura artística, remove intermediários, e aproxima artistas e público. Claro que, lá no fundo, não há nada de novo. As pessoas sempre gostaram de ter itens distintos e é isso que as NFTs vendem, a ideia de se ter dono de algo único.

Contudo, esta capacidade de identificação e comercialização de arte é apenas a ponta do icebergue desta revolução. Estes adjacentes da criptocorrência geraram milhões nos últimos meses, trouxeram artistas gigantes para o seu meio, mas também criaram uma ideia de democratização da indústria e do conceito de artista. “Daqui a algum tempo, todos os artistas, celebridades, desportistas, empresários vão lá estar. O Instagram criou a possibilidade de qualquer pessoa ser influencer, os NFTs criaram a possibilidade de qualquer pessoa ser artista”, observa Lazuli. As dificuldades que a arte física formava são totalmente esbatidas neste universo. Hoje os artistas não precisam das paredes das galerias, de editoras, de contactos, reuniões ou mesmo de sair de casa, basta um upload e algumas criptomoedas e qualquer arte digital se torna num NFT, pronta a chegar a qualquer tipo de público a uma velocidade enorme. A facilidade com que o processo é feito, a liberdade e o controlo que os NFTs permitem são um chamariz atraente que, segundo Holly, “fez com que muitos artistas abandonassem os seus trabalhos para se dedicarem totalmente à sua arte”. Este swing de atitude já se começou a fazer sentir no espectro musical. Há os exemplos da Ana Moura, que recentemente deixou de ser agenciada e editada para passar a controlar a 100% o seu trabalho e há referência à aposta nos NFTs para os seus próximos trabalhos, os Kings of Leon já falam num disco apenas disponível neste formato, e RAC que desde de muito cedo se movimentou neste espectro e até criou uma agência especializada nos mesmos. É uma nova ideia de liberdade artística, sem o controlo de terceiros, tanto a nível monetário como criativo.



Essa tendência para procurar a liberdade artística e contratual não é propriamente nova no mundo artístico, basta olhar para uma série de exemplos para perceber que o processo de boom dos NFTs não é assim tão descabido e que houve alguns precedentes para tal: o clássico In Rainbows dos Radiohead, as versões premium de álbuns de R.A.P. Ferreira e Nipsey Hussle, ou o famoso caso Once Upon a Time In Shaolin, o álbum dos Wu-Tang Clan que teve apenas uma unidade editada e leiloada posteriormente para um único comprador. Se a ideia parece bastante similar, a verdade é que passaram vários anos entre este famoso caso e a explosão dos NFTs. Como é que este boom se deu e com é que os artistas chocaram com estes tokens é uma interessante e longa história que teve na pandemia actual um enorme factor.

Com a Covid-19 a obrigar ao fecho dos espaços de exposição artística, a paralisação dos concertos e com o público fechado em casa, os artistas foram obrigados a olhar de uma maneira diferente para o online. Entre os lançamentos no Bandcamp e o streaming de concertos, alguém reparou num formato que teve a sua primeira “gold rush” em 2016. Os CryptoKitties, que foram a primeira explosão NFT, nada mais eram que cards de gatos “cartoonisados”, criados e vendidos entre os próprios jogadores. A febre foi tal que a própria blockchain do Ethereum ficou congestionada. Era o início do novo mundo.

O festival SXSW na sua dimensão digital até nos alertou para o futuro, mas apenas no final de 2020 é que a comunidade artística entrou definitivamente no boom. Em dois anos, o crescimento deste mercado era tal que passou de 22 milhões para 432 milhões, muito por culpa da série Cryptopunks. A partir daí tudo aconteceu. Uma obra física de Bansky foi destruída, convertida para NFT e revendida por um valor superior, 3LAU vendeu o seu trabalho por 11 milhões e Beeple parou o mundo com uma venda de 69 Milhões, valor que o colocou como a terceira maior venda de um artista ainda vivo.

A colagem Everydays: The First 5000 Days é, sem dúvida, o momento que marca um antes e um depois por vários motivos. Além do valor da venda, há o facto de, pela primeira vez, uma obra virtual ter sido leiloada pela Christie’s, uma das mais conceituadas empresas dedicadas ao leilão de obras físicas. No fundo, Everydays: The First 5000 Days é a prova da importância desta nova corrente e de como a arte no seu geral está atenta e a abraçar a criptoart. Metakoven, o comprador, explicou: “pagar 69 milhões por algo que pode ser visto como um JPEG pode parecer loucura, mas paguei por ser uma obra que significa uma importante viragem na história da arte e, às vezes, é preciso tempo para entender isso. Foi uma oportunidade para fazer parte da mudança e de um espaço importante na história da arte”.

As palavras deste trader soam intensas e um tanto ou quanto rebuscadas, tão rebuscadas como o valor que pagou por uma série de imagens que estão disponíveis gratuitamente no Instagram de Mike Winkleman, mas a verdade é que a arte está a ser transformada em todos os seus pólos. Houve democratização dos artistas, quebra de barreiras, uma nova forma de dar poder e valor às obras digitais, mas também transformação dos espaços e debates importantes sobre os direitos de autor e os meta-dados. Serão os meta-dados o futuro da arte? Será altura de repensar os direitos de autor? Qual é o espaço das editoras no futuro?

Vamos por partes.

Questionado se a indústria musical sofreria um novo choque, DJ Ride acredita que há espaço para as duas vertentes, até porque nem todas as composições que viram NFTs podem fazer sentido enquanto elemento físico: “A Internet mudou a indústria da música, mas não a fez colapsar. Eu vejo-a como um complemento à música, no sentido em que mais facilmente consegues vender componentes visuais, videoclipes, bilhetes, até mesmo uma actuação. Vejo mais como um complemento e como uma ponte para colaborações”. Por outro lado, Holly olha para os NFTs como uma oportunidade viável para as editoras: “Elas podem lançar uma parte física, outra como NFTs e lucrar na mesma.”. A verdade é que vários artistas independentes já procuravam uma maior rentabilidade fora do espectro das editoras. Agora apenas ganharam uma nova ferramenta para usarem, se isso fizer sentido para elas.

Num post do Instagram, Lazuli, um jovem produtor nacional que já trabalhou com nomes como Jessie Reyez, não hesitou a apostar no brilhante futuro destes tokens. Mesmo não tendo tido sucesso na sua venda, o músico enalteceu que nem era essa a sua principal preocupação: “Para já estou mais focado em estudar e perceber os insights”.

Com um pack de beats e uma série de cards ainda disponíveis para venda no openspace, serão os NFTs um bom mercado para músicos ainda sem grande relevo? A resposta parece ser positiva. Holly afirma que já viu artistas desconhecidos a vender obras por valores superiores a artistas de renome, contudo Lazuli pensa que os NFTs ainda não funcionam só por si: “Quanto maior o público desse artista, maior a probabilidade de ser bem-sucedido neste novo mundo”. No entanto, aponta que eles funcionam para qualquer artista e que, a nível de produção, abre todo um leque de possibilidade que ainda não estava em cima da mesa.  As grandes vendas que vemos a serem feitas são as de grandes artistas, nomes com uma ampla capacidade de promoção e com bastantes fãs.

Mas vamos nos concentrar nesta fase da componente artística e burocrática. Entre mudanças e potencialidades surgem também questões. Os direitos de propriedade e os direitos de autor, muitas vezes confundidos entre si, são claramente interrogações que os músicos esperam ver serem levantadas com NFTs. Talvez esteja aí o grande futuro e a grande mudança que este modelo pode trazer, aponta Moullinex. “Vejo os NFTs e tudo o que são estas aplicações ligadas à tecnologia cripto, para já, muito como uma brincadeira, mas os grandes avanços vão acontecer mais à frente quando passar este buzz dos milhões e começarmos a aplicá-los em problemas antigos como os direitos de autor, a distribuição dos direitos…”, remata o autor de Requiem for Empathy, antevendo uma série de possibilidades que o sistema pode permitir, através dos Smart Contracts da Ethereum. “Imagina que, sempre que um utilizador carrega no play, esse NFT activa o smart contract que faz com que o dinheiro vá dircetamente para o detentor da autoria e até, quem sabe, para a performance, se isso estiver contemplado nesse contrato. Os músicos de sessão normalmente são pagos com fee fixa, mas porque não recebem também eles royalties no futuro? Até agora, o grande problema para um músico de sessão era conseguir essa contabilidade. Era muito complicado do ponto de vista logístico, mas se isso estiver codificado no smart contract é mais fácil definir as percentagens. Isto pode ir ao micro detalhe e às transições, por vezes, abaixo do cêntimo”. Os royalties, a sua justiça, a velocidade e sobretudo a transparência do processo parecem ser interessantes também para DJ Ride: “Eu, às vezes, estou anos para receber royalties, e parece que tenho de mendigar por e-mail a pedir para me pagarem. Seria excelente para os artistas, e para as editoras, porque seria algo muito mais rápido e, se calhar, mais lucrativo”.



Muitas dessas potencialidades já começam a ser usadas no Audius, um “Cripto Soundcoud” que DJ Ride aponta como um case study de como é possível ter os músicos ressarcidos de uma forma muito mais justa e muito mais directa. “Toda a gente está farta de saber como é o Spotify, e o Audius funciona de uma forma mais justa, pelo menos. Não sei como vai ser o futuro, mas é um exemplo de como a cripto e a blockchain podem, de facto, mudar a indústria para melhor”.

A questão dos direitos de autor é bastante pertinente, mas por vezes conflituosa com a ideia de propriedade. Se o artista, no acto de venda de um NFT, vende um certificado de ownership, estará a vender também os seus direitos de autor e os seus royalties futuros?  O autor de Life in Loops não tem dúvidas quanto a isso: “No que estou a praticar neste momento, eu continuo a ser o autor da música. A música está registada na SPA e se a usassem numa compilação, por exemplo, 100% dos royalties vinham para mim. Tu é que mandas e isso é uma cena muito poderosa para o artista, porque não está dependente de um contrato. Tu é que escreves o teu próprio contrato!”, aludindo, no entanto, que se “abdicares dos teus direitos vais obviamente aumentar o valor da obra”.

O seu projeto colaborativo com o artista Machado Leão funciona como uma venda de um CD, explica, e a única diferença é que é digital e só tem uma unidade. Quem comprar esse CD fica com o seu direito de posse, mas os direitos de autor continuam a ser do músico. A alusão que DJ Ride faz ao físico é interessante porque acaba por inserir a obra numa nova voga: “Quem comprar esse NFT até recebe a parte física, portanto o token que estou a vender não só contem o ownership como dá direito a algo físico”. Esse elemento de dar algo físico como compensação da compra, está a tornar-se de certa forma mais comum neste meio. Com a compra dos NFTs e talvez influenciados pela box que BEEPLE oferece na compra dos seus NFTs, os artistas passaram gradualmente a oferecer outras componentes. A opção de transformar o virtual em físico tem sido a mais tradicional. É uma nova forma de ser também criativo na aproximação dos artistas aos seus fãs.

As ideias de DJ Ride, Holly e Moullinex acabam por coincidir num apelo comum: os NFTs permitiram abordar o trabalho colaborativo de uma forma distinta, apostando na produção em diferentes áreas e versões artísticas. Membro dos Beatbombers, projeto que partilha com Stereossauro, Ride sempre apostou na partilha e nas colaborações durante a sua carreira e agora não foi diferente. “O factor colaborativo foi o que me permitiu expor numa galeria conceituada mundialmente, mesmo que seja na sua versão digital. Nunca pensei que tal fosse possível”.

A curadoria gigante de Vhils, do qual o produtor faz parte, é uma extensão virtual e mensal, onde vários artistas vão lançar os seus NFTs numa Underdogs digital. Estamos perante a digitalização das galerias. Espaços como a Underdogs ou o Arroz Estúdios ganham versões digitais dos mesmos e apostam de uma forma mais forte neste novo mercado. Interceptando o virtual com o real, o Rare Effect Vol2 – NFT Festival é  um evento criado pela Arroz Estúdios totalmente dedicado a criptoart e já pode ser visitado desde o dia 12 de Maio. O festival conta com a presença de nomes como Mosca, Photonz, Violet ou a Ransom Note na componente musical, mas o seu cartaz expande-se até às componentes mais visuais. Pode ser este o início de uma série de novos eventos e de uma afirmação maior da criptoart e dos NFTs na arte física nacional e, talvez até, mundial. O futuro pode passar pelos espaços físicos terem uma forte presença nestes opensources.

No entanto, nem todas as noites são feitas de sonhos, há também pesadelos, inclusive no criptomundo. Por muito inovador e inspirador que esteja a ser, há também algumas questões a serem levantadas. Será o formato capaz de sobreviver para lá do hype? Qual o seu futuro económico? E o seu impacto ambiental? Sim, verdade! Apesar de ser algo virtual o peso das NFTs a nível ecológico pode ser bastante pesado, mesmo que indiretamente. O problema não são estes tokens em concreto, mas o peso energético que as blockchains implicam. O problema é que toda a euforia gerada à volta destes produtos virtuais, faz exponenciar esse problema e a verdade é que a crítica a esse factor tem sido enorme. Os Gorillaz, umas das bandas mais aclamadas da era moderna, foram amplamente criticados por, segundo os fãs, terem traído a mensagem ambientalista de Plastic Beach em favor da “gold rush” dos NFTs. Luís Clara Gomes, que juntamente com Bruno Pernadas repescou em 2019 o clássico Plantasia — um álbum simbólico de amor à natureza –, pensa que as coisas não podem ser vistas tanto a preto e branco. “Estou muito ciente do impacto ambiental da tech. Tenho acompanhado muitos esforços, sobretudo do Ethereum. Há um esforço muito grande da comunidade em combater o impacto carbónico. Nesta altura, a tecnologia está a passar de proofofwork para proofofstake, em que o impacto gerado é muito menor. É uma questão pertinente, mas penso que tem de ser comparada com outras coisas. Ninguém fala do impacto carbónico que as tours produzem, ou do impacto dos festivais em zonas protegidas, ou em ecossistemas frágeis”.

Da ecologia para a bolsa: o medo dos NFTs estarem a transformar-se numa bolha especulativa é algo que não assola todos os participantes, no entanto, essa tem sido uma dúvida bastante levantada, e é tão pertinente quanto complexa. A possibilidade à volta dessa questão tem o seu fundamento. Ao contrário, por exemplo, das acções financeiras, estes tokens não-fungíveis não estão ao abrigo de um controlo central e com isso as suas flutuações são de certa maneira instáveis. Neste momento, o frenesim à volta dos NFTs é real e altamente impulsionado, sobretudo pela venda de inúmeros memes, de highlight desportivos — com a NBA a ser uma das empresas com maiores dividendos financeiros neste mercado, e de alguma criptoart. Mas se a euforia nesta altura é intensa, o previsível é, mais tarde ou mais cedo, haver uma normalização da mesma — e a saturação do mercado nesta altura é enorme. A ideia de dinheiro fácil atraiu uma série de conjunturas, entre elas o oportunismo e a preguiça artística. “Qualquer um faz um mint de uma cena qualquer e as coisas, às vezes, são assim um bocado em cima do joelho. Vejo pessoas que querem fazer obras com qualidade e oferecer algo interessante aos seus fãs, mas depois também vejo pessoal que só quer fazer algo fácil. Sem dúvida que o buzz vai passar”, diz DJ Ride, que escolheu lançar-se neste universo muito por culpa do convite de Vhils para participar no projeto da Underdogs. “Caso contrário sentiria que apenas estaria a lançar só por lançar”. É esse o aspecto que levou Nils Frahm a apontar os NFTs como algo horroroso. O aproveitamento monetário que estes provocaram, em troca de produtos de fraca qualidade, levam o produtor alemão a questionar não só o mercado, como a posição dos artistas nele.

Para Ride há também compradores que inflacionam o mercado unicamente para os próprios serem tema de conversa, dando o exemplo de Justin Sun. “Ele estava a tentar comprar o NFT do primeiro tweet feito pelo criador do Twitter e estava constantemente a aumentar a sua proposta, não necessariamente porque ele queria ter aquele NFT, mas sim porque isso gerava um buzz à sua volta”.  A “loucura” instaurada leva ao risco ou a más avaliações de um mercado que, segundo a Bloomberg, tem sofrido algum processo de “descer a terra” nas últimas semanas. A série dos Cryptopunks, umas das primeiras e mais famosas vendas no universo do NFTs teve uma queda agressiva de cerca de 40% nas suas revendas, prejuízos causados por uma desvalorização quase invisível e imprevisível. Isto porque, ao contrário dos mercados habituais, prever o que acontece neste universo não palpável é bastante complexo. Não há um valor fixo e não há comparação entre produtos, uma vez que todos eles são únicos. Desde o final de Fevereiro, as quedas nas vendas são marcadas e analisadas, sendo que o nonfungible.com aponta para uma queda de 70% nos últimos meses.

No entanto, é também neste período que algumas das maiores vendas aconteceram, tanto ao nível da Digital Art como na venda geral de NFTs. Sim, porque falamos muito nos NFTs enquanto arte e enquanto transformador de arte, mas o principal motivo da actual saturação do mercado e dos preços obscenos de gas fee para produzir os mint e da taxa agora criada em alguns países sobre estas transações são possivelmente devido a acontecimentos como a venda do gif do Nyon Cat, as cartas do Logan Paul, o Top Shot da NBA, a venda do primeiro tweet, e outros tantos elementos da cultura pop atual. Os NFTs não são apenas arte. Qualquer coisa que possa ter uma representação digital pode ser um NFT. É um formato de biliões e biliões que pode ser estendido a tudo, como nos diz DJ Ride “É uma extensão da vida real. A nossa vida já quase que é comandada pelo digital. A tua segurança social, o teu banco, as tuas mensagens, o telemóvel, a maneira como interagimos, passa tudo pelo digital e eu vejo os NFTs como uma extensão disso. Vejo algo como: no futuro queres vender uma casa e, em vez de estares a passar por aquele processo todo, compras o NFT e passas a ter o comprovativo de que és o dono daquela casa. Ou o seguro do carro, ou o próprio carro. Se fores parado, podes mostrar o token a comprovar que ele é teu.”

Apesar de todas as críticas e problemáticas associadas ao modelo e ao seu crescimento, a verdade é que nenhum dos nossos entrevistados acredita que não exista futuro, pelo contrário. As possibilidades são tantas e tão benéficas, que o horizonte parece posicionar-se no infinito. Será que os NFTs vão parar algum dia? Holly resume na perfeição toda a esperança e crença que a comunidade apresenta no momento. “Do meu ponto-de-vista, acho que é algo que vai fazer sempre parte. É uma maneira demasiado boa de trabalhar para não ficar para sempre. Mudou o jogo para milhões de artistas, é arte! E desde que tenha algo para acrescentar ao mundo e à natureza, vai sempre ficar”. A revolução chegou! Será que estamos prontos para este admirável mundo novo?


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