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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 25/02/2022

O máximo sentido de responsabilidade.

Nex Supremo: “A atitude mais suprema é teres o respeito dos outros, mas também respeitá-los”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 25/02/2022

A timidez de criança serviu de motor para escrever sobre os problemas do seu quotidiano e sobre aquilo que lhe passava pela cabeça. Juntando ritmos, flows e métricas características de rap ou “realidade através de palavras”, como o próprio define, já conta duas décadas a escrever. E dessa forma, Nex Supremo é um dos mais credenciados rappers da Linha C, directamente do Bairro do Fim do Mundo, mas com todos os sonhos do mesmo na sua cabeça, ele que é um sonhador por natureza.

O Rimas e Batidas esteve à conversa com este rapper que apresenta, já amanhã, o seu novo projecto, I.D.L, Capítulo II, no Village Underground Lisboa.



Quais são as raízes do Nex Supremo, de onde surge o bichinho pelo rap e quais foram as primeiras coisas que ouviste?

As minhas maiores influências são o rap tuga e algum crioulo, logo do início. Os meus primeiros contactos foram através do que dava na TV, em alguns canais de música. Cresci a ouvir Sam The Kid, TWA, Xeg, Valete, Nigga Poison, Lord G, etc.

A musicalidade mais africana vem depois do meu gosto por ouvir música, sempre consumi vários estilos, como o reggae e r&b, que agora sinto que influenciam a minha sonoridade. Nos meus trabalhos futuros vou explorar isso cada vez mais, quero ir experimentando coisas diferentes, misturar vários estilos é a minha cena.

Sempre escreveste em crioulo, ou existem letras tuas por sair também em português?

Eu comecei a escrever em português até passar para o crioulo devido ao meu quotidiano, o crioulo predomina na minha zona, a malta do meu meio que vai compartilhando o meu dia-a-dia entende-me melhor dessa forma e fazia mais sentido para mim cantar assim. Escrevo bué bem em português mas não consigo passar do papel para o microfone, sinto que os meus flows não estão lá — é estranho. Em crioulo tenho vários tempos, flows, encaixo em vários tipos de instrumentais e em português sinto que está meio errado, soa estranho. Apesar disso, sinto que o primeiro tema em português — porque sim, gostava de o fazer — vai ser muito interessante, há muito por explorar a nível musical nessa parte. Eu até sou capaz de escrever melhor em português do que em crioulo, mas a parte vocal é que ainda não me soa bem, talvez seja falta de hábito e de praticar, já que é algo que não exercito muito.

E porquê Nex Supremo? Por vezes vemos alguma ligação ao nome real da pessoa, mas neste caso não acontece, já que te chamas Rui!

A minha alcunha de Nex, se calhar nunca falei muito disso, mas é uma abreviatura da minha alcunha de puto, que era Nenuco. Nessa altura criar essa abreviatura fazia-me sentido porque sentia-me o “Nex(t)”, era o próximo, o que estava a abrir caminho. Pelo meio da luta, de conquistas na vida, ir ultrapassando problemas, fui abrindo o meu caminho, eu não quis ser o caminho, quis ser quem foi abrindo esse caminho. Já a parte do Supremo surge porque eu era originalmente Nex S, e sinceramente não tenho bem uma razão para o porquê desse “S”, havia alguns rappers da minha zona que também tinham o nome Supreme na cena deles de rapper, incluindo um, que se chamava Black Supreme. Eu até já falei com ele, pode ter influenciado seja por ouvir, seja por me sentir familiarizado com os temas que ele abordava nas canções, coisas que também faziam parte do meu quotidiano, dicas mais activistas, pode ter influenciado mas não é a razão “definitiva”. E também, claro, as atitudes dignificam o nome, é tudo uma questão de atitude, vai sendo dado respeito ao nome, e Supremo também passa por aí. A atitude mais suprema é teres o respeito dos outros, mas também respeitá-los.

Começaste a escrever muito novo, não foi?

Exacto, a partir ali dos 9/10 anos. Comecei a escrever cedo porque também tinha malta mais velha do bairro que o fazia e quis ir acompanhando, sempre fui aquele miúdo curioso por aprender coisas novas, e as dicas que ia ouvindo surpreendiam-me, ver algumas barras, wordplays, como as palavras rimavam umas nas outras… naquela altura não tinha nenhuma skill, portanto era tudo novo, tudo bonito e ficava sempre muito espantado com esta cultura [risos]. Comecei a ganhar o gosto pela poesia e queria ser esse tipo de pessoa que despertava a curiosidade dos outros pelo que ia escrevendo, queria que ficassem impressionados com o que ia escrevendo, tenho imensos cadernos dessa altura cheios de rimas. Já são 20 anos a escrever… e nunca parei, nunca. 

E quando começam a sair as tuas primeiras dicas para as ruas?

Quando tinha os meus 15/16 anos foram saindo umas cenas pelo meu primeiro grupo, os R.D.C, onde havia rappers mais velhos como o Sethashnikova, que foi um dos impulsionadores do grupo, assim como o França, irmão do Al-x, que é produtor. Estar ali no meio de malta mais velha com experiência foi bom para mim, foi uma competição saudável porque tive de elevar a minha escrita, queria ser cada vez melhor e mais forte a rimar para poder estar ao nível do resto da malta e fazer boa música. Nessa altura não publicávamos na Internet porque não havia YouTube, pelo menos com a visibilidade que tinha, então púnhamos música em alguns CDs e distribuíamos por amigos, família, malta que nos conhecia e gostava do que íamos cantando. Só a partir de 2009/2010 é que começámos a pegar nas plataformas como o YouTube e a publicar por lá. 

Então e como consumias música nessa altura? 

Como te disse, íamos ouvindo pelo que passava na TV, nos canais de música. Fora daí iam-nos chegando alguns CDs em mãos por malta do bairro e lembro-me perfeitamente do França me mostrar O Projecto Mary Witch do Allen Halloween e eu ficar completamente vidrado naquilo, decorei as letras dos 13 temas do projeto. Também me lembro de ouvir “O Recado” do Sam The Kid pelo walkman de um falecido amigo meu, por volta de 2002/2003, tinha os meus 10 anos e ainda hoje sei essa música de cor também – fiquei muito interessado por aquela vertente mais de storytelling, despertou-me o bichinho, quis começar a fazer aquilo, contar as minhas histórias, o que se passava na minha vida através do rap e de storytelling. Foi um momento que me ficou na cabeça, lembro-me perfeitamente onde e com quem ouvi esse som pela primeira vez e ainda hoje falamos sobre isso, a malta diz que eu fiquei mesmo colado ao som e não queria devolver o walkman a esse meu amigo que entretanto já faleceu, são memórias… que ele possa descansar em paz. 

As tuas músicas acabam por ser muito realistas, já que cantas sobre o que se vai passando na tua vida e quotidiano, certo? 

Eu acho que o meu rap é mesmo isso, eu tento contar sempre histórias no que canto, falar de mim na terceira pessoa, seja em que registo for – há sempre um início, meio e fim nas minhas canções, as pessoas vão decifrando isso com o tempo. O meu storytelling é forte, é a minha grande arma no rap, uso as minhas próprias histórias nas minhas letras também porque sei que há quem se vá relacionar com isso, há malta que se revê no que eu canto e tem uma ligação emocional às minhas letras, seja por estar num meio parecido, ter passado pelas mesmas coisas.

Trocando a poesia pelo ritmo, tens-te destacado bastante em drill ultimamente, é uma sonoridade que te agrada?

Gosto muito de drill, agradam-me esse tipo de desafios, rimar noutras sonoridades mais aceleradas e assim, são sempre BPMs mais rápidos e isso requer outra entrega da minha parte, com flows mais trabalhados e diferentes, gosto muito de trabalhar o meu flow/métrica para criar cenas diferentes. Quando era mais puto, o Sethashnikova foi-me mostrando malta como o Tech N9ne, Bone Thugs N’Harmony e Twista que rimavam muito rápido e com flows malucos e o drill fez-me lembrar desses tempos mais de jovem, quando comecei no rap. Quando comecei a ouvir estes beats tratei logo de ir explorando uma entoação diferente de voz para encaixar melhor neles, métricas inovadoras também e, claro, o flow foi super importante — até o apelidei de “Kabala Flow”. 

Porquê esse nome? 

No verdadeiro sentido da palavra, uma cabala é algo que acaba por ser uma incógnita para quem está do lado de fora, é mas não é, certo? É algo que toda a gente acha que existe, mas não existe, e o meu flow é isso – achas que vai ser isto, já sabes que vai ser assim, mas não é, eu controlo o beat, a minha forma de cantar é uma incógnita para quem ouve, achas que é aquilo, mas não, isso é “Kabala Flow”! E até tenho níveis de “Kabala Flow”, a começar no 1 e a ir até ao 3 – na faixa “X Lobos” o registo é mais calmo, nível 1; no “Forever na Street” rimo muito mais rápido, respirações diferentes, é um nível 3 [risos].



Sinto que és um rapper muito versátil. Consegues ir de boom baps mais calmos a instrumentais de drill com BPMs muito acelerados, com flows super moldados e interessantes.

E eu acho que ainda não mostrei tudo, entendes? Acho que falta explorar alguns beats mais de trap com aquela vibe de soul, dicas em acústico, sinto que tenho algumas ideias diferentes que gostava de explorar, acho que a malta que aprecia o meu trabalho até aqui também vai gostar das novidades. Tenho prestado atenção ao feedback das pessoas, tentar perceber o que elas apreciam mais na minha musica para ir tirando notas, mas nunca abdicando daquilo que eu genuinamente gosto, como é óbvio. Sinto que vou conhecendo cada vez melhor quem ouve o Nex Supremo e há algumas dicas que vão fazendo o clique com eles – se for um boom bap a explorar refrões mais melódicos, ter um segundo verso mais curto que inclui sempre um género de cântico no fim. E há mais algumas dicas.

Como decorre o teu processo de criação musical?

Eu sou aquele artista que gosta muito de ir criando melodias e ritmos, cenas que até podem nem fazer muito sentido, vou meio que cantarolando ritmos e flows, o tal Kabala Flow que te falei, vou praticando isso, sem recorrer a palavras. Só depois, mais à frente, é que vou encaixando palavras em cima desses tempos, desses ritmos. O “Forever na Street” foi todo assim, ia criando os tais flows e ritmos e depois as rimas foram surgindo. Gosto muito de fazer isso, até recorro meio a berros e barulhos estranhos para criar, mas é o meu processo, vou criando música assim.

Outro toque muito individual na tua música são os teus ad-libs, aquele imitar de uma pistola a recarregar seguido de um “Bu N*gga Pistola”.

Essa ad-lib da pistola a recarregar foi algo natural, surgiu sem querer durante uma entrevista quando estava a tentar explicar como era o meu flow numa canção meio a balbuciar e fiquei com aquilo na cabeça, podia ser útil para um ad-lib e resultou bem! 

Já a parte do “Nigga Pistola” foi por ser uma junção de palavras fortes e agressivas, mas a contra-resposta é “ya, dispara, mas dispara com a mente”. Porquê? Porque estou a disparar para o microfone, a disparar rimas para quem me ouve… como disseste e bem, o primeiro ad-lib representa a pistola a recarregar, mas ela nunca dispara, só rimas.

E sentes que esses “disparos” são importantes e tens uma certa responsabilidade social na mensagem que passas para a malta do teu meio?

Bem, depois do que passei na vida, vários altos e baixos, ganhei um certo nome e popularidade pela zona, mas com isso vem também a responsabilidade de saber o que canto e transmito na minha música, porque há crianças e jovens a ouvir-me, e a malta percebe tudo o que canto, não são coisas abstractas, maior parte das vezes são bastante frontais e realistas. Eu podia cantar só sobre entretenimento, coisas negativas, e sabia que as pessoas iam gostar muito mais, mas eu sinto essa responsabilidade, ya. Tenho atenção ao que canto para depois poder ter essa firmeza e credibilidade, poder justificar o que digo e não cantar coisas sem sentido. Principalmente depois de ser pai sinto esse peso adicional de responsabilidade, um dia o meu filho vai crescer e ouvir o que canto, logo tem que fazer sentido.

Pegando nesse sentido bastante comunitário, como surge o grupo onde estás de momento, a One Family Gang?

A OFG surgiu porque eu sempre fui um jovem curioso e quis fazer coisas diferentes e novas e, como te disse, tinha um grupo, os RDC (Rapazes Di Combate) mas acabei por me afastar, houve ali uns choques de personalidade, malta nova, hoje somos todos amigos e ainda cantamos. A partir daí fui lançando as minhas músicas e fui puxando malta para o meio, fi-las ganhar um gosto por cantarem e assim, e um puxa o outro e comecei a ter muita malta aqui envolvida, irmãos, primos, amigos… muita malta. O Big M OFG é meu irmão, o Lee OFG é meu primo-irmão, e há mais malta, isto é mesmo família! Ao todos somos uns sete, mas os mais activos de momento são o Lee OFG, Kappa OFG, Sking OFG, Big M OFG e eu.

A nível de projectos pessoais, lançaste o Introduçon Di Lobu 1 e 2 nos últimos dois anos. Explica-me esse conceito.

A minha história do lobo tem haver com questões mais pessoais, sempre fui uma pessoa mais reservada, fechada, cresci sem pai, saí de casa cedo, afastado da mãe, sempre fui um pouco esse lobo solitário. E é a minha introdução porque apesar de cantar ainda antes da década passada estive quase 10 anos afastado por estar preso e sinto que a malta ouviu pouco de mim, precisava de me introduzir ao mundo em modos. Quis que a malta conhecesse o Nex como ele é, a atitude e o respeito prevalecem acima de tudo, eu vou-te respeitar para tu me respeitares também, não tinha lançado nenhum projecto na minha carreira e este foi o timing certo.

A título de curiosidade, gravei o videoclipe do “Forever na Street” no dia em que saí em liberdade, a 23 de Abril, e o vídeo saiu para as ruas dois dias depois, a 25 de abril… o Dia da Liberdade. 

Tiveste várias participações do teu grupo, One Family Gang, nestes dois projetos que mencionei. Para o álbum que se segue vamos ter participações de malta fora desse teu universo musical?

Tentei dar espaço à minha malta no I.D.L I e II, quis mesmo dar-lhes aí voz para cantar. Neste projecto podem esperar mais 2/3 temas com eles, vai ser por aí. Depois, tenho um convidado especial que pode ou não aparecer para este trabalho, nunca se sabe, as coisas vão fluindo de forma natural. É o artista que conheço que mais sente música, que gosta mesmo daquilo que faz, refiro-me ao Ghoya – um grande amigo meu, que infelizmente conheci num local onde a felicidade é alheia e temos muita saudade dos nossos amigos e família. Conheci-o aí mais como pessoa do que rapper, deu para conhecer bem quem era. Acho-o um rapper incrível, um dos nomes mais pesados do nosso rap lusófono e seria um grande orgulho para mim trabalhar com ele.

Então, 2022 reserva um álbum para o Nex Supremo? 

Sim, quero lançar aí um álbum este ano. Podem contar com 6/7 músicas minhas a solo, a malta tem-me pedido mais isso, e vou tentar abrir-me mais neste trabalho, contar mais as minhas histórias – como te disse, o storytelling é a base para o meu rap e neste trabalho não vai ser excepção.

No próximo dia 26 de Fevereiro tocas no Village Underground Lisboa. O que tens preparado para esta noite?

Vou tentar tocar o máximo de sons possíveis, tocar algumas novidades que saíram recentemente nesta mixtape, alguns sons mais conhecidos meus, vai ser um misto de várias coisas. E claro, vamos ter alguns convidados especiais comigo em palco também – incluindo uma voz feminina, que vai dar outra musicalidade a algumas canções, vai tocar alguns refrões comigo. Vai ser um concerto bonito, quero apresentar o Nex ao mundo.


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