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Publicado a: 31/01/2018

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[TEXTO] Moisés Regalado 

Se por um lado a relevância de 2006 começa nas obras maiores de Valete e Sam The Kid, passando pela estreia oficial de Halloween, foi também nesse período que o nome de Nerve surgiu no radar do hip hop português. Com a sua primeira maquete, “Uma Questão de Nervos“, ganhou relativa visibilidade ao participar num concurso de rap a nível europeu (no qual Seada, agora João Pequeno, também se deu a conhecer), sendo anunciado pouco depois como reforço da Matarroa. Ainda nesse ano, disponibilizou o EP Promoção Barata no site da editora e revelou o título do álbum: Eu Não das Palavras Troco a Ordem.

Ao contrário da nova escola que então ganhava espaço, sobretudo sob influência de discos como Pratica(mente), Serviço Público ou Tira-Teimas, Nerve apareceu como consequência natural da própria Matarroa e de todo o espectro Def Jux/Rhymesayers, labels internacionais que estavam próximas da estética matarroesa. Apesar de jovem, assumiu o conceito que ainda hoje mantém, exibindo a confiança de quem se encontra no auge do exercício. ENPTO, previsto inicialmente para 2007, mas editado em Janeiro de 2008, seria o início de um percurso pautado pela evolução contínua.

Neste álbum, Nerve desdobra-se numa dualidade que parte de um conflito interno e egoísta, combustível ideal para longas dissertações sobre relações, tendencialmente falhadas (“Lápis de Cera“, “Pedragelo“), familiares ou sociais (como em “Semente do Mal” ou “Vizinho de Cima“). As suas angústias e convicções, apesar de mais paranóicas e menos depressivas que em T&C/AVNP&NMTC, não se afastam tanto assim do que tem apresentado mais recentemente. Mas ENPTO é rico em personagens que veiculam os seus pensamentos, estando longe da sinceridade que o Nerve actual procura transmitir.

Eu Não Das Palavras Troco a Ordem também foi agregador. Agradou a quem se mantinha fiel à sonoridade indie, mas também a toda uma geração de ouvintes que perseguia a excelência técnica, capítulo no qual Nerve sempre se mostrou à vontade. Os samples de jazz e os apontamentos mais electrónicos, ao serviço de uma entrega vocal imprevisível mas metodicamente limada, fazem deste um dos discos mais consensuais da história do rap nacional, dentro e fora da própria esfera. E um dos seus encantos passa precisamente por aí, juntando faixas como “Sacana Nervoso” ou “Ponto de Fuga” sem que nada destoe.

Aqui, e como quase nunca acontece, produção, escrita e interpretação atingem, juntos, um nível superlativo. Egotrip, punchlines e poesia desfilam mais ou menos misturados ao longo de uma tracklist em que figuram ainda os agressivos Blasph e VRZ, os alternativos Stray e Martinêz mas também os populares SP & Wilson. Se os últimos álbuns de Valete e Sam The Kid representaram o auge de toda uma geração, o primeiro de Nerve foi não só a ponte perfeita entre o passado recente do movimento e o seu presente, mas também conquistou o estatuto de clássico instantâneo, entrando directamente para a lista dos melhores álbuns de sempre do hip hop português.

 


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