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Fotografia: Sebastião Santana
Publicado a: 27/05/2022

Um histórico da praça.

Nelassassin: “Fazer música traz-me sensações e oportunidades que mais nada me consegue dar”

Fotografia: Sebastião Santana
Publicado a: 27/05/2022

Da segunda metade dos anos 90 a 2022, de centenas de colaborações e faixas com os artistas mais badalados do hip hop e da música portuguesa até aos mais underground (e até internacionais), o icónico DJ Nelassassin foi construindo, passo a passo, a sua já longínqua carreira. Um marco importante para o mesmo, que pretende lembrar tudo o que foi feito até agora — mas também deixar claro que há muita história por contar.

O Rimas e Batidas esteve à conversa com Nelson Duarte sobre este evento celebrativo, que acontece amanhã, dia 28 de Maio, no Núcleo A70, em Marvila, e que contará com vários convidados surpresa.



Numa das últimas ocasiões que estiveste à conversa para o Rimas e Batidas, referiste que estás sempre em busca do “next step”. Com 25 anos de carreira e depois de dares vários steps, quais são os próximos que ainda te faltam?

Ultimamente tenho estado on the low, a concretizar esses tais passos. Um deles era fazer um álbum de cuts de beats do Sam [The Kid], já está a ser feito. Um deles também é um disco que estou a fazer, está em construção, não é bem um disco, é um carteira de instrumentais mais arrojados, sem ser só o sampling. Resumindo, é produzir alguém grande lá fora. 

Artistas dos States?

Não necessariamente, tenho na cabeça artistas que eu admiro bastante… e, pronto, não tenho tecto, não meto limites em mim, não olho para um artista grande e penso que é impossível chegar. Tudo depende do teu trabalho, do empenho que metes nas coisas, acredito bué nisso. Quando a cena tem uma qualidade extrema… tu consegues.

E já existem algumas pontes entre tu e esses artistas grandes que tu admiras?

Acho que todos nós quando fazemos um diggin’ na nossa própria vida, nas pessoas que conheces, nas viagens que fizeste, nas colaborações passadas, consegues sempre chegar mais perto de onde tu estás. Dou um exemplo: se eu quiser fazer um feature com o Freddie Gibbs, o que posso fazer? Sei que tenho uma amiga em Los Angeles, que tem conexões com o Madlib, e só o facto dela existir deixa-me mais perto. É muito network, mas é também o teu acreditar. É impossível tu não concretizares e conseguires certas coisas se a tua música não for realmente incrível. Se não for o Freddie Gibbs, é o Benny The Butcher… [risos]

Os dois na mesma faixa por agora é que me parece mais complicado… [risos] Sonicamente falando, tens também os teus alter-egos musicais. Também os tens porque pretendes explorar sonoridades alternativas àquilo que ofereces enquanto Nelassassin? Acho interessante, porque não é assim tão comum por cá.

Curiosamente, o Sr. Alfaiate surge das mixtapes de Nelassassin, em que o Sagaz diz, “é o Alfaiate, com os cortes mais pesados”, algo assim, e foi um trigger! Já tinha intenções de fazer música mais instrumental com músicos e assim, e Sr. Alfaiate é o início disso. Consegui sustentar um álbum sem propriamente depender da cena vocal. Niles Mavis é uma extensão disso, é uma evolução de Sr. Alfaiate. Leva mais arranjos musicais, mais músicos, no fundo é uma banda.

E lançaram um projecto há poucos meses, não foi?

Por agora ainda não, mas estou a preparar um vinil do único disco de Niles Mavis, é uma edição especial, com temas exclusivos e cenas assim. Vamos ver.



Referia-me à mixtape que escutei há uns tempos no teu canal de YouTube de Niles Mavis!

Ah sim, sim! Chama-se “Diamond Cuts”, são tipo samples dos anos 70, 80 e 90, são samples que eu cresci a ouvir. É uma cena mega raw, rough, quase sem mix, só para a malta ouvir.

Olhando para a tua obra, com quantos artistas já trabalhaste? 

Nem sei, uns 50/60.

E faixas?

Das oficiais, que saíram, talvez umas 80/90. Sinto que ainda vou fazer mais 500, ‘tás a ver? 

E nessas futuras 500 faixas, com que novos rappers portugueses a surgir com força e qualidade gostarias de colaborar?

Por acaso saiu um single recentemente com o Silva G, é um dos miúdos que tem um potencial incrível. Também vai sair um single com o Subtil em breve, é a minha fase do bombardeamento [risos]. E, claro, também tens o Tom; há outro miúdo que é o Vato que também considero que tenha muito potencial, também gosto do Mura, acho-o muito forte mesmo, e incluo o Vácuo aí igualmente. Há aí uns quantos nomes muitos interessantes, man.

25 anos é mais tempo de carreira do que eu tenho de vida — tenho 24 anos. É muito tempo! 

É um prazer estar aqui a ser entrevistado por alguém com menos anos de vida que eu de carreira. Preenche-me bué quando o pessoal mais novo entende as minhas intenções e aquilo que eu faço!



Neste trajecto algo que me salta logo à vista é a tua capacidade de reinvenção assim como uma certa consistência, demonstra que manténs sempre uma fome. O que te vai alimentando mas não saciando para procurares sempre mais nestes 25 anos?

Por um lado, é o love mesmo. Isto traz-me sensações, oportunidades e muito mais coisas que mais nada me consegue dar… isto é música, é vida no seu estado puro. E por outro lado, não sei fazer muito mais coisas, portanto mergulhei mesmo na cena. E eu vivo isto. Para além de fazer, eu vivo, e o facto disso acontecer naturalmente cria-te essa fome, entendes? É uma questão de necessidade também, a vários níveis, não é bem ter que manter algo, não tenho outra hipótese senão fazer.

No seguimento da pergunta dos novos rappers aí a surgir, gostava de perceber quem está na lista dos newcomers mas a nível de produtores.

Relembro o Tom, tem as duas dicas, tanto como rapper, como produtor, portanto também o incluo aqui. Tens também o Il-Brutto, muito forte. E depois o produtor que tem trabalhado com os Orteum, o Metamorfiko. Ficam sempre nomes de fora e não é justo meu, shoutout a todos que estão aí e que sabem o porquê de fazerem o que fazem!

E a nível de produções, há algum para ti que se destaque mesmo? Aquele beat que te orgulha mesmo…

Há um que para mim foi um achievement enquanto produtor: o “Açaime”, do meu álbum 4.0, com rimas do Harold. Os producers vão perceber, é um pattern meio new shit, mas ao mesmo tempo… é daqueles dias que não és tu que estás a produzir, o universo estava mesmo a apontar para mim, “hoje vais fazer um beat único” e mal acabei aquilo fiquei do tipo “Nah, consegui fazer uma cena que eu estava mesmo a pensar”. Está próximo de Timbaland, mas não é bem Timbaland. Eu normalmente quando crio não estou a pensar, abstraio-me de tudo, não tiro influências de lado nenhum, estou sempre a zero no estúdio. Quero fazer uma cena realmente minha, sem influências, é por isso que a minha música soa bué alternative, não tenho uma linha de som, quando és producer, és producer, é suposto fazer mais que uma coisa. Não está no meu controlo, não estou a travar nada, fecho os olhos e nem estou cá, estou noutro universo, noutra dimensão.

E em 25 anos de carreira deve ser difícil não ter daqueles episódios engraçados ou caricatos de estúdio.

Ya, tenho uma situação em que o Pragga [de Nigga Poison] até ficou chateado comigo naquela altura [risos]. Na altura da gravação do meu disco Timecode, que tem uma faixa dos Nigga Poision, que é das minhas favoritas, tinha um refrão no final com umas vozes do Pragga, com aquele flavour bué característico dele… mas perdi as vozes. Acabei eu por gravar as vozes, armei-me em parvo e acabei por fazê-las… mas não saiu a mesma coisa, nem de longe nem de perto [risos]. 

Falando da tua festa, passei pelo material promocional que tens no teu canal de YouTube, vi uns IDs com imensa malta como o Sam The Kid, Bob Da Rage Sense, Silva G, Subtil, o próprio José Mariño a narrar o áudio também. Fala-me disto.

Não posso dizer nomes porque é um evento surpresa, não é? Não quero que as pessoas saibam o que se vai passar, quero que elas vão lá. Mas gostava de adiantar que a cidade de Lisboa vai cair, shit’s gonna be hard. Vai ser um show todo seguido, as pessoas vão aparecer e não vais estar à espera. Vamos droppar umas cenas novas, bastante novas mesmo, out of nowhere, entendes? Falando do meu passado musical, por mais que eu quisesse meter a história toda ali, não dava… 70 pessoas ali é complicado, e há alguns que também estão ocupados. Posso adiantar que vou fazer um back to back com um dos DJs que mais admiro, ele também vai fazer um set sozinho. Depois do concerto vamos ter duas pistas, com outros dois DJs que eu admiro bué, uma mais 90s, outra mais trap, drum’n’bass, só good vibes. É reviver aquela cena antiga de haver mais que uma pista, já não vês isso em quase lado nenhum, é por isso que escolhi o Núcleo A70 também, em Marvila. Passem todos por lá, estão convidados e não falhem: a casa vai abaixo, man… 



Fico curioso… o mote está dado: “A cidade vai abaixo”.

Obviamente que sendo um evento de celebração, a minha entrega vai ser diferente, dá-me um push diferente, é a celebração dos teus 25 anos. Estás lá não só pelo concerto, é uma emoção totalmente diferente.

Sentiste a necessidade de marcar esse momento da tua carreira?

Ya, porque nunca o fiz. Nunca celebrei a minha carreira e são 25 anos, mano, 25 anos de bué acontecimentos, não só para mim, mas também para a cultura portuguesa. Não posso estar aqui com aquela falsa modéstia, temos que ter noção do que fizemos, o que influenciámos e a importância que tu tens para a cultura musical portuguesa. Eu vou tendo certos achievements, certos cuts em português que fiz, fazer scratch em música da Amália –já fiz há bué anos. Agora olho para aquilo e parece uma cena mais comum de acontecer, sentes-te mesmo visionário na cena. Mano, eu tenho uma participação com os Xutos e Pontapés que nunca chegou a sair, mas é um achievement. É uma cena quase impensável, como é que este DJ, o Nelassassin, conhecido como hip hop head, vindo do underground, faz o crossover para os Xutos e Pontapés, a maior banda da história da música portuguesa. E, claro, eles terem interesse e conhecerem o meu trabalho, saberem quem sou. E também tenho um dueto com o Rui Veloso, são cenas que o dinheiro não paga, são momentos que talvez não se voltem a repetir, mas estão marcados ali no tempo. E há mais dicas, tenho um tema que adoro com os Blasted Mechanism. Nesse dia [que colaborei com eles] estava em estúdio e fiz um freestyle de scratch com a Maria João do jazz a ver e a emocionar-se. No fim disse-me mesmo maravilhas, e pode parecer que estou aqui bragging, mas para mim são acontecimentos muito maiores que qualquer prémio, qualquer coisa, é big, big, big time. 

Como falaste no início da entrevista, o impossível é já ali…

Exactamente, estás mais perto do aquilo que achas…

Queria-te mesmo perguntar de todas as faixas que já fizeste até hoje, quais são aquelas que tens um carinho especial, um certo orgulho?

The Legendary Tigerman, Sam The Kid, Deau, Dealema, Nigga Poison, Kika Santos em Sr. Alfaiate, João Cabrita (o saxofonista), o falecido Pedro Gonçalves dos Dead Combo, que Deus o tenha em paz. Mais… ah, Compozers! Compozers são uma banda que o RZA produzia, uma banda do irmão do ODB [Ol’ Dirty Bastard]. Surgiu uma connection, fiz uns cuts na voz do ODB e foram dos melhores que eu fiz, e era num beat do RZA, man! Não chegou a sair, mas eu tenho a faixa. Ya, aconteceu. 

E como surgiu essa conexão?

Leggezin Fin, um rapper angolano que vivia em Los Angeles e fazia parte da crew de Wu-Tang [Clan] e disse-lhes, “eu conheço um gajo, o DJ Assassino, que tem que fazer os scratches aqui”. Ele meteu aquilo na cabeça, e conseguiu a ponte, mandou-me a faixa e fizemos acontecer. Eu, sinceramente, não acredito que scratchei num beat do RZA, boy… realmente, não me acredito mesmo. Saindo ou não, o achievement está lá [risos].


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