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Fotografia: Rafaela Ramos
Publicado a: 09/12/2021

Com o coração na boca a tempo inteiro.

Natal do Marginal’21 – 7 de Dezembro: mãos ao alto

Fotografia: Rafaela Ramos
Publicado a: 09/12/2021

Mesmo parecendo impossível face à conjuntura actual, o Natal do Marginal está de volta em 2021 e, pelo que foi sentido neste primeiro dia, viveremos um evento que não será esquecido tão cedo. Este ano, de 7 a 18 de Dezembro temos a oportunidade de assistir a concertos, DJ sets, documentários, gravação de um podcast ao vivo e até jams de graffiti e open mic pela cidade do Porto. O festival é uma produção totalmente independente, produzida pelo artista Keso, promovida pela Paga-lhe o Quarto, plataforma criada pelo mesmo, cuja principal missão é perpetuar e fazer-se ouvir a cultura hip hop: “Se eu acredito no teu underground, não minto”.

Não havia melhor forma de começar estes dias se não com uma conversa entre quatro figuras da cena nacional. À semelhança do que aconteceu em 2019, o podcast 3 Pancadas, protagonizado por Sam The Kid, Sir Scratch e João Moura sobe ao NdM para uma edição especial ao vivo. Ao que tudo indicava, seria difícil termos um momento tão surpreendente como o episódio mítico da última edição, em que o convidado Johnny Virtus deixou o público boquiaberto e STK de mãos na cabeça, ao passar instrumentais que nem o autor fazia ideia que tinham saído do seu quarto. Podemos dizer, com certeza, que não se baixou a guarda este ano e que o convidado Deau proporcionou um dos momentos mais bonitos da existência do podcast, combinando a sua humildade louvável com um skill rimático inigualável.

A espontaneidade do host e “pai” da plataforma TV Chelas, STK, encheu imediatamente a sala Estúdio Latino, no Teatro Sá da Bandeira, desenhando um sorriso na face de todos os espectadores. Estavam quebradas quaisquer barreiras que pudessem existir e criou-se o ambiente perfeito para o momento mágico que se seguia. 

A conversa foi evoluindo, passando por temas como o nome de palco do artista: “Deau foi mesmo criado para satisfazer a sigla Deus Existe Apenas Um?” As diferentes formas de abordar o processo criativo de um álbum também foram assunto, com todos os artistas sentados à mesa a partilharem testemunhos pessoais muito ricos. Fases e histórias da carreira do MC, a importância e o significado de 4400 (número referente ao código postal de Gaia), a experiência no evento Redbull Francamente e as diferenças entre as gerações face à cultura também foram referenciados. Diria-se mesmo que, ali, tivemos direito a uma longa-metragem de “Menino da Primeira Fila”, tema presente no álbum Livro Aberto, lançado em 2015. Deau falou com o mesmo amor sobre a sua carreira e sobre como passou de ser o fã da primeira fila para querer abençoar novos meninos como ele, tal como fez na interpretação da faixa anteriormente mencionada. 

Foi já na recta final da conversa que fomos brindados com o engenho do artista: Samuel Mira revelou que este convidado já estava na sua lista há algum tempo e, que quando convidado pela primeira vez, Deau sugeriu que o podcast fosse conduzido em rima e em pleno improviso. O que aconteceu a seguir mostrou que o rapper não estava a brincar quando o disse. As palavras nunca farão jus ao que sucedeu, por isso a única forma de sentir os arrepios será mesmo assistindo à gravação. Para quem respira este movimento, é um episódio obrigatório; para quem não está tão dentro da cena, são minutos que irão certamente falar por todos os que partilham desta loucura saudável. 

Vale a pena salientar como foi encerrada a sessão. “Deau, se tivesses que resumir o que 4400 representa para ti numa palavra, qual seria?” A resposta foi assertiva: “Pessoas.”

Estava oficialmente aberto o Natal da Marginal ’21 e era hora de nos dirigirmos para o Hard Club, que a festa ainda mal tinha começado!

BAMBORA!



A entrada na sala do Hard Club foi acompanhada por uma banda sonora selecionada a rigor por DJ Spot. Entre clássicos de hip hop nacional e internacional e uma exibição excecional de scratch nos pratos, que explicou bem os seus dois títulos de campeão, o público ia já aquecendo as suas cordas vocais e dando os primeiros passos de dança da noite que se avizinhava.

Finalmente, Keso, a cabeça que tornou tudo isto possível, sobe ao palco. “Como é que é, Hard Club!?” Sala cheia e público ao rubro, que comece a celebração. “Quando eu disser três, vocês gritam Alcool Club. Um, dois, três, ALCOOL CLUB!!”

O actual trio constituído por Praso, Montana e SanguiBom, acompanhados por Tommy El Finger (nos instrumentais e nos pratos), foi recebido com o calor que o Porto mima, habitualmente, os artistas que por cá passam. A entrada do grupo deixou a plateia ainda mais eufórica, cantando em uníssono o mote de “Sinceramente”, tema do clássico Artesanacto (2010): “Sinceramente há pessoas que não valem nada!” — e todos os presentes acompanhavam. 

“Honesto”, o single do projeto Rap Proibido (2016) que teve direito a videoclipe, foi o escolhido para dar início à festa. Logo desde o início, o gelo foi quebrado: o à-vontade, o sentido de humor e a postura singular destes três comparsas transformaram um espectáculo musical numa noite entre amigos. Qualquer pessoa presente na sala conseguia sentir-se em casa ou no “tasco” local a beber uns copos com os habituais.

Entre loops de jazz, versos atrevidos, “citações” a nomes como Diana Krall ou Sérgio Godinho, uns quantos improvisos de SanguiBom e muito copo bem recheado, estes senhores mandaram a casa abaixo, sempre com muito charme e uma criatividade que não se encontra em qualquer esquina. 

Como já é habitual, a voz doce de Sara D Francisco trouxe uma vibe ainda mais jazzística, contrastando com os timbres graves dos três intérpretes. Entre refrões e back vocals, a artista mostrou que é um pilar essencial no glamour dos Alcool Club. O público do NdM foi presenteado com a faixa número um do seu recente álbum Sara A Alma (2020), “Inspirar”, que entre melodias singulares e uma letra inspiradora cumpre a louvável tarefa de partir um beat de Praso. 

Directamente da Margem Sul, Tom subiu ao palco para cantar o seu verso em “Atalhos”, canção presente no mais recente projecto do conjunto, Último a Sair, lançado em Março deste ano. O rapper e produtor deixou o público com água na boca para o seu concerto a solo dia 17 (sexta-feira), no Plano B, ao abrigo do Natal da Marginal’21.

Nesta altura, as vibrações estavam no ponto. O grupo encheu o Hard Club com um estado de espírito bem-disposto e de elevação espiritual. Foi um show preenchido para quem pensava que se trataria da mera apresentação do novo longa-duração foi certamente surpreendido. Houve espaço para beatbox, freestyles, acapellas do Montana, clássicos de projectos anteriores e ainda para os temas a solo que marcam o hip hop nacional e que o público tinha na ponta da língua como “Qualquer coisa e um pouco de jazz”, de Praso, e “Passa a Palavra”, de Montana.



Mas, sinceramente, era depois que chegaria o momento mais esperado da noite. 

Luzes todas em cima de Sinceramente Porto, projecto que não passou despercebido em 2020, conceptualizado na cabeça de Keso mas directamente saído do seu coração. A vontade do artista, que tem movido todo o seu trabalho com a Paga-lhe o Quarto, levou-o a produzir 65 instrumentais, dos quais 25 viram a luz do sol. A visão deste disco, que combina um pouco de todas as artes (música, escrita, fotografia…), é enaltecer a cultura da cidade, servindo-se da união entre os pares para mostrar ao mundo que a chama nortenha continua acesa.

Esta foi a primeira e, possivelmente, a única oportunidade para assistir a esta apresentação. O público estava ansioso, tinha a lição bem estudada e o show dos Alcool Club foi a rampa de descolagem perfeita para atingir o nirvana.

O protagonista da noite voltou a subir ao palco, DJ Spot voltou ao seu posto e a celebração arrancou com “Rooftops” de Ksx2016. Mas que hino para introduzir esta homenagem, e que belo telhado foi pintado para dar abrigo a tanto talento e identidade. “I’m a clássico… fodei-vos” — é exactamente este o respeito que é exigido por todos estes representantes da Invicta. Ouve-se a alto e bom som a voz inconfundível de José Mariño, uma das figuras que mais contribuiu para a visibilidade do rap em Portugal.

Depois, o maestro assumiu o seu papel na mesa do DJ, lado a lado com Spot e, anunciando cada interveniente um a um, manteve sempre a energia do público no seu máximo — foi o verdadeiro hype man durante todo o concerto. O palco foi preenchido por alguns dos nomes mais fortes da cena do Porto: Kapataz, Riça, M’Cirilo, Palhetas, QVXNO, Kaines, Smelio, Lazy, Puro L, Dekor, Auge, Deau, Pibxis, Minus, Enigmacru e Stag One apresentaram os seus argumentos para justificar a aposta.

É difícil descrever por palavras, à semelhança do que aconteceu na conversa com Deau, a emoção vivida naquela sala. Há, no entanto, dois aspectos que nunca nos sairão da cabeça. Referimo-nos à homenagem àqueles que não conseguiram estar presentes, especialmente a Mundo Segundo e a Virtus. Em jeito de improviso, Keso disparou: “infelizmente, o Mundo está doente e não pode estar cá presente com a gente” — até pode não ter estado, mas a sua mente esteve, sinceramente. E a forma como o povo cantou o tema “Mente Sincera” foi uma prova da força do movimento e uma confirmação da ideia de Deau, que o que aqui é bonito são mesmo as pessoas. Presenciámos algo semelhante ao som de “Bai Lá” de Virtus. O segundo ponto que não pode ser esquecido, nem o será certamente, foi a performance de Auge, especialmente as suas palavras entre os temas que interpretou. Sem presenças em palco e em dúvida se esta seria a sua última, o artista disse algo como: “se esta for a minha última vez em palco, quero que saibam que morro feliz, muito feliz, com esta noite comigo.” A sua interpretação do remix de “Esquinas de Ceuta”, instrumental que acabou por não ser incluído no projecto, foi mais um exemplo da carga emocional que esta cidade consegue carregar nos seus locais.

No final, e com todos os intervenientes da noite em palco, Keso fechou a compilação com uma interpretação de “Underground” que deixou o público de mãos ao alto, não como num assalto, como diria Deau, mas como uma admiração que pode ser lida da seguinte forma: missão cumprida, capitão!



O freestyle é um dos traços principais do rap. Dar liberdade aos MCs para se expressarem sobre beats com letras que tragam na cabeça ou até mesmo de improviso são, entre outros, um expoente muito puro e honesto desta cultura. 

A Rádio Milhafre tem vindo a organizar círculos de open mic na Praça Carlos Alberto, no seio da Invicta, que todos sábados reúnem pessoas de todos os sítios. Infelizmente, estas sessões tornaram-se menos frequentes por pressão das autoridades relacionadas com a proibição de ajuntamentos, o que não impediu estes “miúdos” de querer dar a oportunidade aos poetas da cidade para se mostrarem.

Foi uma forma muito bonita de fechar a noite, e não foi preciso muito: uma coluna e dois microfones. Se não houvesse esta hipótese, a vontade sobrepor-se-ia e até acapella se faria a festa, certamente.

O primeiro dia foi assim uma celebração da cultura. E ainda mal começou. Esta sexta-feira, dia 10, a festa continua com a apresentação de SERIES VOL.1 – MADLIB do baterista e produtor Fred e b2b de Ace com Bruma.

Até lá!


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