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Publicado a: 04/07/2018

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[TEXTO] Moisés Regalado

Kanye West é, ao lado de figuras como Jay-Z, Drake ou Lil Wayne, um dos principais responsáveis pelas metamorfoses que durante os últimos anos redefiniram os padrões estéticos, culturais e comerciais da música e do movimento hip hop. A postura com que chega a 2018 não se afasta muito da figura que todos lhe reconhecem mas o foco parece ser outro, mesmo que a matriz das suas composições se continue a erguer entre samples, auto-tune, versos gravados ao primeiro take e paisagens épicas que se estendem por camadas.

Ainda que o nome e a obra de Kanye sejam cada vez mais universais, parece haver cada vez menos consenso no que toca à real importância do trabalho que tem desenvolvido. A excelência com que se entregou aos cânones clássicos, primeiro, para depois os desconstruir, valeu-lhe tanto respeito quanto possível e assegurou-lhe um lugar cativo no Olimpo. De lá não sai, é garantido, apesar da pergunta que se impõe. A relevância de Mr. West ainda é fruto da discografia que construiu ou funciona como mero espelho desse passado?

Os seus novos projectos parecem inspirados em si mesmo e naquilo que a carreira lhe rendeu, por oposição ao interesse pelo desconhecido que sempre lhe habitou a mente. Aquilo que o diferencia é cada vez menos prático e, claro está, mais teórico, sentimental e proto-filosófico que nunca. A irreverência das acções deu lugar a um inconformismo paradoxalmente preguiçoso e a força das ideias tem-se ficado pelas pobres palavras de ordem com que Kanye sobe ao palanque. E, diga-se de passagem, era escusado arrastar Nasir Jones consigo.

Compreende-se que Kid Cudi e Pusha T, seus protegidos, sejam actores das curtas-metragens realizadas por Kanye West, só que chega a ser embaraçoso ver Nas alinhar num exercício que tem mais de revolta que de revolução, quase tanto de numerologia como de música. Em circunstâncias comuns, o melhor de Nas com o melhor de Kanye, ou lá perto, seria suficientemente impactante — basta ouvir “We Major” ou “Poppa Was a Playa” –, mas Mr. West não manteve a fervura no ponto e a água evaporou-se antes de haver tempo para fazer sopa.

“Not For Radio” é o primeiro tiro no pé. Como boa parte dos temas que já levantaram semelhante bandeira, também este terá, certamente, airplay considerável. O tom monocórdico com que Nas trespassa a orquestração de Kanye faz lembrar os momentos menos conseguidos de Distant Relatives, projecto que juntou Escobar a Damian Marley, e o pior acontece quando a voz de 070 Shake assume o refrão e, em perfeita sintonia com os complexos que caracterizam Kanye, profere “I think they scared of us”. Quem são “eles”? O que temem? Duas questões que ficam sem resposta.

O resto do disco resulta melhor que a faixa introdutória, apesar de igualmente inconsequente. As músicas de Nasir funcionam quase como amostras das capacidades da dupla, sem que haja o mínimo elo de ligação entre temas, e a viagem acaba por reunir paragens tão díspares como “Cops Shot The Kid”, num revivalismo que não faz sentido desde o auge dos The Cool Kids, ou “Everything”, que resume o cenário geral como nenhuma outra — cresce, promete e acaba sem que daí resultem grandes feitos.

As prestações de Nas, pontualmente marcadas por algum desleixo (como em “White Label” ou no segundo verso de “Simple Things”), acabam por ser tão irrepreensíveis como sempre, mas o único oásis de Nasir dá pelo nome de “Adam and Eve”. O instrumental serviu que nem uma luva ao ícone de Nova Iorque, deixando-o fluir na melhor versão de si mesmo, e a gabarolice da letra soa mais sincera que qualquer outro relato presente no disco. O braggadocio, percebe-se, era o ingrediente em falta, e, pelos vistos, não é preciso muito para que a próxima tentativa obtenha melhores resultados. Basta que estes milionários despreocupados se portem como tal.

 


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