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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 12/05/2021

Um outro tipo de temperos para tornar o rap português mais picante.

Nameless: “O Nova Deli obrigou-me a exigir um pouco mais de mim próprio”

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 12/05/2021

Não é o seu primeiro trabalho, mas chegou-nos como cartão-de-visita renovado. Nameless editou Nova Deli, um EP que já vinha a ser preparado há mais de dois anos e que soa a estreia discográfica, ainda que em curta-duração, deste MC conhecido pelo seu estilo característico de rimar, seja pelo flow regrado, seja pela entrega agressiva, seja pelas rimas engraçadas. 

Para este projecto, o rapper de Massamá contou com TANB em grande plano na produção, mas também teve contribuições, a nível instrumental, de Facto BSJ, nastyfactor e Sam The Kid, com destaque para o cunho de Dikas – figura principal da Tuff Agency – ao longo de todo o processo. Já nos versos, em “Tikka Masala”, a única faixa do EP em que não se apresenta sozinho nas rimas, Nameless chamou ainda o próprio membro dos GROGNation e ZA para dividirem barras picantes. E o resto das faixas? “Estilo é Nova Deli”, como devem calcular. 



Apesar de este não ser propriamente o teu primeiro projecto, sentes que o Nova Deli é um trabalho de apresentação mais digno do teu valor enquanto rapper, até pelo facto de estar a ser preparado já há algum tempo? 

Sim, eu acho que sim, porque eu sempre fui um rapper com um processo de criação muito rápido. E acho que o Nova Deli obrigou-me a exigir um pouco mais de mim próprio, ou seja, a fazer algo mais bem pensado, especialmente na criação dos videoclipes, porque os videoclipes que estão no projecto são mais elaborados que o normal. Como podes ver no clipe do “Mentira”, apesar de ser um vídeo simples; no “Tikka Masala”, o clipe foi todo pensado de uma ponta a outra; o “Houdini”. Há muitas rimas em que eu faço referência a cenas indianas, tenho várias referências que estão ligadas à minha cultura. Então direccionei o meu EP um pouco para aí, e isso obrigou-me a pensar mais do que nos outros sons que lancei até hoje. Eu tenho outro EP, que lancei para a net, que é o Hasta La Vista, e este está muito mais pensado. O Hasta La Vista foi feito com mais sentimento de raiva na altura em que eu vivia, e o Nova Deli acho que foi um “chip” diferente. E acho que o Hasta La Vista permite dar a conhecer uma parte minha, mas o Nova Deli dá para conhecer outra faceta minha que se calhar é mais transversal à pessoa que eu sou.  

A ideia do Nova Deli era ser todo produzido à base de samples de música indiana. Agora com o produto final já criado, sentes que isso poderia limitar a estética sonora deste EP e torná-lo cansativo, até pela tua maneira muito própria de rimar?  

Concordo a 300% contigo. Além de ter de forçar, ia ser mais cansativo e iria limitar-me também um pouco. Apesar de os sons estarem à volta de um conceito – a maior parte deles; pode haver um ou outro que não esteja bem inserido no EP, mas, mesmo assim, está minimamente –, eu acho que foi bom ter trabalhado desta forma; foi da forma mais naturalmente possível, e o melhor exemplo, para mim, é a faixa “Dobro”. E a “Houdini” também. Foram dois sons que saíram de uma forma natural; a letra saiu de uma forma espontânea – escrevia-a… olha, a letra da “Houdini”, até a escrevi antes de ter o beat do Sam [The Kid], e o “Dobro”, tinha a letra feita, mas fui rescrevendo e cortando sílabas para conseguir prolongar mais as mesmas através de notas e melodias. E foram dois sons que, para mim, estão muito bem construídos e são muito bonitos para fazerem parte de um EP. O “Houdini”, antes de o gravar, já sabia que o ia pôr no EP, mas, na altura, eu sabia que queria fazer um projecto, e o “Dobro” era para ser a primeira faixa. Depois, gravei o “Mentira” e saiu primeiro. E na altura ainda não sabia qual era o conceito, a direcção que queria seguir. Mas, depois, gravei o “Nova Deli”, que já era o terceiro single, e pensei: “já tenho dois sons super ligados à cultura asiática, mas tenho o ‘Dobro’, que já disse que vai sair no EP, e não tem nada a ver com a minha cultura”. Então, resolvi colocar, e depois fiz o “Garra”, que é um som sentido e que segue a mesma linha do “Dobro”. E também senti que é um som muito bem construído e que devia entrar no EP. Acho que assim ficou fixe, para não cansar os ouvintes, para não me limitar a mim próprio. Tenho três ou quatro sons ligados ao conceito, os outros dois ou três podem ser lufadas de ar fresco para os ouvintes e para mim também. 

Chegaste a lançar o desafio ao Sam The Kid para fazer um instrumental com base nesse tipo de samples? 

Falámos no Sumol Summer Fest, quando foi a apresentação do Mechelas. Já tínhamos falado em 2018 que ele me ia dar outro beat, porque eu disse que conseguia fazer algo ainda melhor do que o “Narrador” – o “Houdini” está mais forte que o “Narrador”; o “Narrador” é o Namelesse 1.5, e o “Houdini” é o Nameless 2.5. E no próximo EP quero chegar ao nível 3.0. É como se eu fosse um super sayajin, ‘tás a perceber? [Risos]  

E em 2019 tínhamos ido jantar – todo o people que tinha participado no Mechelas – e, lá fora, ele disse-me, “olha, depois temos de combinar qualquer cena. Sempre vamos trabalhar naquele som, não é? Tenho aí alguns beats com samples indianos”. Mas, passado um ano, com isto da pandemia – aliás, antes da pandemia ele já me tinha dado um beat; não tinha nada a ver com a cena indiana, mas ele disse que era a minha cara. Eu curti bastante e levei-o para casa, para escrever durante a primeira vaga, só que não estava a fluir porque os BPMs eram muito lentos. Eu rimo em trap e boom bap (e também noutros tipos de beats), mas num boom bap gosto de ter um beat acelerado porque eu tenho uma métrica curta. Então, senti que não era o beat adequado para mim e pedi ao Sam para trocar, e entretanto comecei a escrever num beat qualquer da net – acho que era do Necro, de um som chamado “Light My Fire” –, escrevi uma letra engraçada, com aquelas vibes de Redman, levei a casa do Sam e ele começou a produzir; fez um beat mais ou menos naquela linha mas estilo Sam. E acho que encaixou mesmo bem. 

E, para mim, essa é a tua canção mais bem conseguida como um todo. 

Eu concordo contigo. Acho que é a letra mais forte em egotrip do EP; é a que tem mais punchlines e, depois, tem um refrão mesmo bem conseguido – está em harmonia com aquela quebra no beat do Sam. E o videoclip também ajuda muito no consumo do som. Se eu pudesse escolher as duas melhores faixas do EP, eram a “Dobro” e a “Houdini”. A “Dobro” porque fiz uma cena totalmente diferente do meu registo – é o que eu tenho dito às pessoas, surpreendi-me a mim próprio; quando eu gravei, não estava à espera de fazer aquilo. E a “Houdini” já estava à espera de fazer aquilo e curti mesmo do resultado. São as minhas duas faixas favoritas e não têm nada a ver com o conceito Nova Deli.  

Já é o segundo beat que o Sam te “empresta”, e no single do EP, o “Houdini”, ficou a sensação de que seria natural um projecto teu todo produzido por ele. Foi uma hipótese que surgiu entretanto, ou nunca falaram sobre essa possibilidade? 

Não, não está nada previsto. Mas se ele me convidasse ficaria mesmo contente e estaria disposto a dar o tudo por tudo. Eu disse que queria chegar ao Nameless 3.0 no próximo EP, mas ali teria de ser o Nameless 10.0, ia ter de ultrapassar todas as transformações do Son Goku. [Risos] Ia ter de estar ao meu melhor nível, porque para mim [o Sam The Kid] é um artista lendário, a nível mundial. Se ele me convidasse, aceitaria com todo o gosto e aplicaria o meu estilo nas batidas do Sam. 



A minha percepção é que, no teu caso específico, o Sam entende realmente o que o teu rap pede. 

Eu, por acaso, notei isso no Mechelas. Acho que todos os beats se adaptam muito bem aos rappers que estão lá. E como ele entende muito bem a ciência que os rappers têm – porque cada rapper tem a sua ciência. Por exemplo, no “Narrador” eu levei a letra para casa dele – mais uma vez levei a letra primeiro –, e só tinha as rimas a bater nos compassos que são pares. Então, ele só meteu a tarola ali, para dar mais evidência à cena. 

Por outro lado, as faixas que não têm essa sonoridade são as que exploras mais em termos de registos diferentes. Sentes que os produtores com quem trabalhas têm um papel determinante na tua versatilidade? 

Sim. Eu acho que a sonoridade de qualquer rapper varia muito com o beat que escolhe. Se eu escolhesse sete beats muito parecidos, os sons iam parecer todos iguais, e eu até sou um gajo que rima de uma forma muito crua e específica. E o facto de os beats serem diferentes – tanto os que têm o conceito ligado a Nova Deli como os que não têm –, acho que cada um deles tem a sua sonoridade. Se fores som a som: o “Dobro” foi cantando; o “Mentira” é um som com um flow mais rápido e o refrão baseia-se da repetição de uma palavra; o “Nova Deli” tem as barras à Nameless e o refrão já tem uma musicalidade diferente; o “Garra” também tem uma sonoridade muito própria, mais melancólico; o “Baza Logo” é o som mais cru – tem só duas sixteens e o scratch do DJ Kronic (também acho que foi importante ter um scratch no EP); no “Tikka Masala”, o que faz a sonoridade daquele som é o beat do nastyfactor – não tem nada a ver com o EP, mas parece aquele bounce à G-Unit ou Timbaland; depois tens o “Houdini”, que parece um som mais de espetáculo e classe, um beat sujo mas ao mesmo tempo clean – mal ouvi aquele beat, pensei que era fixe fazer um videoclip em que eu estava dentro de um show, e, então, escolhemos o teatro.  

Olhando para trás, e tendo em conta a tua evolução notória até agora, sentes que, neste momento, a tua forma de rimar mais quadrada continua a ser uma limitação no teu rap, ou já é uma característica que aprendeste a dominar e tirar o melhor partido dela? 

Boa pergunta… Esta personalidade que eu tenho na música, no início, era uma limitação porque, quando eu comecei a fazer rap, tinha zero noções musicais. Não sabia rimar dentro do tempo. Para mim rap sempre foi matemática, ou seja, tu tens que ter um “x” número de sílabas para conseguires fluir. E, na altura, eu não contava as sílabas, metia as palavras mais compridas no primeiro verso e no segundo mais curtas, mas tentava rimar dentro do tempo e tinha de prolongar a sonoridade das palavras mais curtas. Depois, quando fui gravar, em 2009, para a mixtape Egotripping, o Xeg disse: “tu estás a rimar nos tempos, mas vou dar-te um conselho: começa a contar as sílabas que tu metes”. Nas letras a seguir, comecei a fazer esse exercício. Isso acabou por ser, ao mesmo tempo, uma limitação que vinha do início, e uma característica que acabei por desenvolver. Eu acho que evoluí muito, mas que não passei do oito para o oitenta. Eu fui sempre o mesmo Nameless, mas notas uma evolução. E, desde 2017 até hoje, comecei a lançar muitos sons, ou seja, comecei a lançar mais quantidade; e quanto mais tempo passas no estúdio, melhor ficas.  

Pessoalmente, sinto que as faixas em que tens participações são das que te esmeras mais ao nível da escrita, como aconteceu no “Tikka Masala” com o ZA e o nastyfactor, neste álbum, ou no “0-0-11” com o Vlad. Dividir um tema com outro rapper motiva-te a ser ainda mais incisivo? Notas uma diferença de fasquia nesses casos? 

Sim, isso é totalmente verdade. Quando eu faço uma participação, não quero estar melhor que o outro nem nada disso, quero é fazer um grande som, ou seja, bastante equilibrado. E, normalmente, quando gravo com essas pessoas, eu sou inspirado pela energia delas e ficamos a trocar muitas ideias. Às vezes, quando estou a gravar um som sozinho, sinto que estou num vazio e quando estou numa participação já conseguimos ver o que vai sair. Por isso é que nos meus primeiros anos de rap fiz mais participações do que sons a solo. Eu acho que sou mesmo inspirado por forças externas, motivam-me as outras pessoas. Eu tenho mais confiança e sinto que sou melhor a fazer feats do que sons a solo. Mas nos meus sons a solo consegues entender melhor o meu rap. 

Nos vídeos não trazes aqueles elementos mais superficiais que muitas vezes vemos no rap, mas tens, ainda assim, uma postura natural e uma atitude confiante. É algo que te sai com facilidade e nem pensas muito nisso? Sentes-te confortável nessa vertente mais visual da música? 

Eu acho que isso é muito importante. No início, quando eu ia gravar os clipes, treinava os gestos em frente ao espelho. [Risos] Hoje em dia não treino gestos; acho que sai de forma mais natural porque estou mais confiante e nota-se, nos meus primeiros clips, que o meu olhar era mais inseguro, apesar de rimar com presença. Eu sinto sempre aquilo que estou a dizer nas rimas, mas acho que estou cada vez mais à vontade, porque já sei também como funciona a edição de um clipe, sei medir se estou activo de mais ou pouco activo. À medida que gravas mais sons e clipes começas a habituar-te. E tocaste naquele ponto dos poucos elementos, que os meus clipes reflectem a minha pessoa. E também costumo estar mais sozinho nos vídeos porque estou numa fase da minha vida em que sou mais selectivo com as pessoas com quem ando. Antigamente se calhar teria mais disponibilidade para organizar as pessoas, mas hoje em dia não tenho, porque eu tenho é fome e não estou para adiar as cenas um mês para ter este ou aquele ponto. Para mim, é sempre a andar para a frente. Não posso olhar para trás nem para os lados; é sempre de rajada. 

E, com os concertos a voltarem a acontecer, já pensaste numa apresentação ao vivo deste EP? 

Eu gostaria imenso de fazer. Ainda não desconfinámos totalmente, mas assim que desconfinarmos vou começar a pensar em qualquer coisa. Não quer dizer que aconteça, vou ver se faz sentido, e também não sabemos como é que vamos estar neste país daqui a três meses. Por mim, quantos mais concertos, melhor. Independentemente disso, concertos por enquanto não prometo, mas prometo mais sons em breve, que já estou a trabalhar no próximo EP e quero lançar qualquer coisa ainda este ano, uma surpresa. Desta vez, acho que vai aparecer o Nameless super sayajin 3.0. 


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