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nabru

Heartbeat

Edição Independente / 2020

Texto de Núria R. Pinto

Publicado a: 15/07/2020

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No meio da ansiedade, da saudade, das dúvidas e dos desencontros, há, por norma, um millenial ou um zoomer mais ou menos perdido, uma voz mais ou menos insegura. Não que sejam atributos exclusivos dessas gerações mas poucas como elas viveram fases onde a possibilidade de ser e sentir tudo colide com a esquizofrenia e a paralisia da escolha e o desmoronar de oportunidades. 2020 por si só é já um calendário distópico, aquele futuro cyberpunk é agora e nasce também das mãos e cabeças dos Ys e Zs, cobaias de estudos comparados entre emoções e algoritmos. O tema não é novo nem podia, e quer se escolha fazer dele um statement ou se deixe antever por entre a poesia, chega quase sempre ou como um pedido de ajuda, uma vontade de entendimento ou uma tentativa de encontrar um lugar seguro, tendencialmente profundo e interior. A viagem pode ser bonita e a arte ajuda, quase sempre. 

Em Heartbeat, nabru passeia pelo quarto e pela cidade, lugares onde a música se concretiza em tempos de insatisfação e, mesmo que paradoxalmente, tolerância e empatia, da forma mais orgânica possível, servindo o seu coração numa bandeja. Heartbeat é um disco de amor e vulnerabilidades, acima de qualquer outra coisa, em todas as suas expressões: na ponta da cama, no telefone que não toca ou na chamada que foi devolvida depois da hora, nas playlists quilométricas ou no distanciamento antes mesmo de este se ter tornado mandatório.



Eu escrevo para não esquecer quem sou abre o EP na faixa “Janeiro (Fla x Cru)”, ao lado de cjr beatz, um lo-fi solarengo e luminoso, pontuado pelas segundas vozes apressadas e confusas, como quem sente ou pensa muito mais do que consegue verbalizar. “Tereza Batista Cansada de Guerra”, a produção jazzy de EricBeatz com inspiração em Jorge Amado, entra como uma das mais bonitas canções do segundo trabalho de nabru em 2020 – são quatro EPs e um bootleg de 2019 para cá, para além das várias participações -, a ganhar pontos no reconhecimento fácil, copypaste de vivências amorosas com a sua dose de impaciência e inquietação: “eu jurei que ia respeitar o tempo, mas eu preciso mesmo da minha paz de volta”.

O sossego e a calma vs. a pressa e a necessidade de procurar uma justificação para os actos/sensações são constantes ao longo do trabalho onde a rapper de Belo Horizonte se abre. “Sou egoísta mesmo, quase não te escuto, sempre me esforço, a minha mente é como um loop” canta em “Nem Aí Pró Que Cês Chamam de Arte”, onde à volta do seu próprio eixo procura encontrar lugar entre estilhaços. Há sexo e vontade, promessas de constância e de um amar mais calmo e até um disclaimer em que nabru se desculpa por um certa desadequação (muito difícil de sentir cá deste lado) entre o que se sente e o que se canta.

crj beatz, EricBeatz, Devaneio beatz, Dro e Gvtx entram no quarto registo da rapper de 22 anos, natural de Belo Horizonte. Com um timbre grave e rouco a sustentar a poesia livre carregada de uma maturidade precoce, nabru oferece mais uma pérola ao underground brasileiro. Com ou sem pressa, o futuro é agora e, felizmente, nabru faz parte dele.


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