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A Internet é um sítio porreiro: o sentimento de descoberta constante e o desespero causado pela infinitude de vida que borbulha no espaço cibernético andam de mãos dadas e prontos a deitar qualquer um ao chão. Porém, a vida de um divulgador musical é bem mais feliz. Estar em Portugal e ouvir hip hop alternativo feito na Noruega e cantado em inglês é hoje uma realidade que seria impossível há uma década.
Sem mais jogos, a Mutual Intentions é isto tudo. Editora sediada na capital norueguesa e com ligações a um universo hip hop/r&B/soul que tem uma vida principal num sítio tão distante a nível cultural como os Estados Unidos da América. O seu roster é composto por Ivan Ave, Charlotte Dos Santos, Fredfades, Yogisoul e SRAW a nível musical. Um MC, uma cantora e três produtores, que diversificam o som entre si e criam um híbrido bastante interessante que despertou rapidamente a atenção de pilares da divulgação cultural como o Boiler Room – que lhes deu espaço para uma actuação de conjunto em Novembro passado.
Trocámos algumas palavras com a crew e entendemos o porquê de um crescimento tão sustentado e com qualidade comprovada. Moe Chakiri, responsável pela fotografia da editora, conta: “Começou como um grupo de amigos que trabalhavam juntos e que acharam mais motivante criar uma plataforma em conjunto como uma forma de trabalharem de forma mais exclusiva uns com os outros. Nós temos 360 graus de media. É esse o significado do nome (da editora). Nós somos amigos com intenções mútuas. Design gráfico (Hans Jorgen Warner), vídeo (Erik Treimann) e management (Stian Nicolaysen) para tomar conta da direcção artística da editora. E, como é óbvio, temos os artistas (musicais) Ivan Ave, Fredfades, Charlotte Dos Santos, Yogisoul e SRAW. É um grupo de amigos com diferentes qualidades mas a mesma visão. Esse ímpeto é a união e o apoio que nos damos enquanto família. Nós construímos isto juntos.”
A crew/editora teve o seu primeiro acervo em Mutual Intentions #1, mixtape que juntou todos os seus talentos e mostrou uma apetência pelo universo hip hop mas não só. Charlotte Dos Santos tem dividido o seu tempo entre Oslo e Boston a nível físico e entre a soul, jazz e o r&b a nível musical. Uma voz incrível que faz lembrar Erykah Badu em “Move On (I’ve Tried)” e nos dá uma lição de como tirar proveito de uma canção sem precisar de grandes malabarismos com a voz em “Watching You”.
E é interessante o que ouvimos neste primeiro registo da Mutual Intentions. Se não nos contassem, provavelmente localizaríamos a crew nos Estados Unidos da América colocando-a lado a lado com editoras como a Stones Throw Records ou o Mello Music Group. O sabor das batidas de Fredfades – com uma inclinação mais jazzística – e Yogi Soul – para o género que o seu próprio nome denuncia – tem um flavour clássico e Ivan Ave é o MC que vai aproveitando as criações dos seus colegas, e não só, para criar autênticas malhas de hip hop made in Noruega.
Voltando à mixtape, é interessante reparar que nomes como Frank Nitt ou Illa J apareçam entre os convidados, sendo um claro indicador que a editora conseguiu o seu grande objectivo: ultrapassar fronteiras e fazer chegar a sua música a um espaço muito mais abrangente do que o que seria expectável.
Ivan Ave vai criando buzz à sua volta e começa a ser reconhecido no panorama internacional. “O Ringgo (nome de nascimento de Mndsgn) e eu conhecemo-nos através de uma amiga em comum, que na altura vivia em Los Angeles”, conta o MC sobre o início de uma aventura produtiva. 2016 trouxe um álbum totalmente produzido por Mndsgn, um dos produtores afiliados da Stones Throw. O álbum foi lançado pela Jakarta Records, que anteriormente também tinha lançado Low Jams. A editora alemã tem no seu cardápio álbuns de ilustres como Ta-ku, Kaytranada, Akua Naru, mura masa, L’Orange ou Sango, demonstrando assim uma apetência para talentos prontos a despontar para um universo mais expandido.
Helping Hands é o nome do último projecto do MC norueguês e é um belo exemplar, entrando claramente na disputa pelos melhores registos do início de 2016. Se ele é um rapper com todas as qualidades necessárias – tem skill, flow e metáforas para vos colocar a ouvir em repeat até chegarem ao cerne da questão -, os instrumentais de Mndsgn são fulcrais na construção de um universo onde o produtor e o MC se sentam em nuvens a dialogar sem precisar de abrir a boca. Um projecto bem conseguido onde se juntam dois talentos de sítios muito díspares.
Não é nos Estados Unidos da América que se encontra a base física, mas é daí que vem a inspiração e Ivan Ave revelou à Okayplayer, aquando da saída do seu álbum Low Jams, que as suas referências eram ilustres como MF Doom, Mos Def, Dilla ou Black Thought no universo hip hop, o britânico Robert Wyatt ou o americano Arthur Russell de universos mais alternativos.
Quando questionado sobre a questão de rimar em inglês em vez de norueguês, Ave esclarece: “Eu sempre tive esperança que se conseguisse chegar aos ouvintes fora de portas, eu teria mais liberdade para fazer a música que eu realmente queria fazer e ter uma audiência considerável. Se eu rimasse em norueguês, o número de potenciais ouvintes iria ser naturalmente mais baixo. A acrescentar a isto, eu tenho família nos EUA e passo lá algum tempo. O facto de eu ter aprendido rap através da audição de artistas americanos tornou o processo de me expressar desta forma em cima dos instrumentais muito intuitivo.”
Mas não descuremos a importância da Noruega, local sagrado onde tudo começou. “A cena hip hop norueguesa é muito similar à cena americana. Costumava ser bastante diferente, mas a cultura pop norueguesa no geral começa a estar mais próxima das tendências americanas/internacionais. Sendo assim, o rap norueguês está mais próximo dos vídeos hollywoodescos, evoca-se o estilo de rimar do eixo Migos/Future, e esse tipo de coisas. O nosso material não é muito popular entre os consumidores de hip hop na Noruega. Parece que temos mais reconhecimento de músicos, coleccionadores de música, jazz cats, house heads, etc… O nosso perfil não encaixa com o resto do hip hop norueguês e as estatísticas da nossas editoras e plataformas de streaming mostram-nos que a nossa base de ouvintes vem dos EUA ou do centro da Europa. Isto não é um problema, é onde queremos estar”, revela Fredfades.
Com uma entrada em 2016 em grande, a editora promete grandes novidades para os próximos tempos. A segunda compilação – Mutual Intentions #2 – irá sair este ano e terá edição física – vinil e cassete – pela própria editora e levará à participação em dois festivais noruegueses, Øyafestivalen e Moldejazz.
Quanto a projectos dos artistas, temos grandes novidades para os seguidores da editora. Charlotte Dos Santos está a trabalhar num álbum a solo e vai participar numa compilação da Stones Throw Records; Yogisoul vai lançar o seu álbum de estreia e um EP duplo com Lumi HD, cantora britânica; Fredfades encontra-se a trabalhar no sucessor de Jazz Cats, álbum em colaboração com o trompetista de jazz Kristoffer Ekreim; SRAW está a preparar um trabalho com um rapper de New Jersey chamado East e um single intitulado “The Smog”. Novidades a que todos deveremos estar atentos.
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