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Fotografia: Filipa Aurélio
Publicado a: 13/12/2021

Juntos e misturados.

Musicbox Club Orchestra: ambiente a fervilhar numa panela de pressão musical

Fotografia: Filipa Aurélio
Publicado a: 13/12/2021

Em tempos de contenção financeira, o Musicbox não olhou a meios para celebrar o seu 15º aniversário, que aconteceu no sábado passado ao som de uma inédita “orquestra” de música electrónica formada por Pedro da Linha, Violet, King Kami e DJ Kolt.

Chegados a Lisboa, onde às 18 horas tínhamos encontro marcado com o quarteto para assistir a um dos ensaios, seguido de uma pequena conversa em torno da feitura deste projecto, tudo parecia “normal”. Na rua, as bancas de testagem gratuita para a COVID-19 estavam funcionar a todo o vapor, com filas intermináveis, e deixavam antever uma daquelas noites à antiga, quando a Rua Cor-de-Rosa se transformava num autêntico mar de gente e o calor humano reinava nos clubes. Mas já lá iremos.

Esta ideia de uma orquestra composta exclusivamente por instrumentos electrónicos e/ou digitais não é nova mas também não é algo que nos cruzemos frequentemente. Neste caso específico, da Musicbox Club Orchestra, o que mais nos chamou à atenção foi precisamente a escolha dos seus elementos, todos eles oriundos de diferentes coordenadas sónicas dentro de aquilo que é o grande mapa da música de dança feita no nosso país.

Todos eles falam em “honra” e “entusiasmo” na hora de dissecar este projecto tão especial. Pedro da Linha, uma espécie de porta-voz informal desta equipa de maquinistas, abriu um pouco mais o jogo:

“Acho este conceito uma cena interessante e, ainda por cima, nasce de um convite por parte de um espaço muito emblemático da cidade de Lisboa. Fiquei mega honrado por me terem convidado. E fiquei mega entusiasmado com a ideia de me juntar a três pessoas com as quais eu tenho uma relação de amizade mas com quem nunca tinha trabalhado. Fascinou-me. Ao mesmo tempo, é também um grande desafio. Podes chegar ao final de um dia a sentir que a coisa podia ter corrido melhor, como podes também sentir-te realizado por sentires que fizeste uma cena bonita (…) É verdade que não estamos a utilizar nenhum tipo de instrumento que habitualmente associamos a uma orquestra. Aqui jogamos com a identidade de cada um de nós em função do próximo. Eu estava a comentar isto com a Kamila há uns dias: há uma proximidade entre a minha estética e a dela, que é quase natural, ao contrário do que acontece com a Violet, por exemplo — aí o desafio já é maior. Mas temos de perceber que esse clash de universos não é uma coisa negativa e que dá para encontrar muitas coisas boas lá pelo meio. A grande cena desta iniciativa é essa, de podermos estar a fundir estilos e percebermos que podemos ir buscar tudo e mais alguma coisa, de todo o lado, sem perder a linha condutora das faixas.”

Já sobre a forma como os trabalhos foram conduzidos, em apenas duas semanas, Pedro, novamente, deu-nos mais algumas luzes:

“Quando eu fui convidado, não soube logo quem eram as outras pessoas que iriam participar e, por isso, não consegui ter logo uma ideia daquilo que se podia ou não enquadrar com o projecto. Depois de descobrir que era com eles que eu ia trabalhar, foi uma questão de dois ou três dias até nos juntarmos. Não consegui preparar muitas coisas para lhes apresentar mas levei algumas bases — pequenas ideias, loops ou até mesmo estruturas de músicas inteiras — que tinha comigo, tal como eles também trouxeram as deles. Só quando nos juntámos os quatro é que conseguimos ter realmente a noção do rumo que íamos tomar (…) Não existiu nenhum tipo de hierarquia, do tipo ‘tu ficas ali com aquela máquina, tu com a outra…’ Ao início existiu essa conversa. Mas, de uma forma natural, apercebemo-nos de que destacar apenas uma função para cada um não iria fazer muito sentido. É óbvio que cada um tem o seu perfil. Eu e o Kolt, por exemplo, temos a tendência de ir buscar aquelas tarolas e os ritmos africanos. A Camila vai buscar cenas mais viradas para o baile funk e megatron. Percebemos que mais vale estarmos todos a fazer as coisas ao mesmo tempo, como se fosse uma jam.”

Fast forward até às 23 horas, dávamos entrada num Musicbox praticamente vazio, tendo o grupo saltado a primeira de duas apresentações. Não se perdeu nada, até porque o segundo concerto seria uma réplica do primeiro, e ainda deu tempo para que a sala se compusesse um pouco mais, para que a celebração fizesse justiça àquilo que o clube do Cais do Sodré representa para o circuito da música em Portugal. Uma hora depois, ainda longe do calor sufocante de outrora, a plateia já apresentava contornos mais dignos e caras como as de Pedro Mafama, Holly Hood ou Ana Moura davam uma outra cor à sala. Lá fora, Lisboa estava carente de toda aquela azáfama à qual estávamos habituados e o volume de pessoas que tínhamos notado ao final da tarde tinha já descido drasticamente.

Entre as conversas e a música — com muita cerveja, shots e cocktails à mistura — no Box fazia-se os possíveis para que aquele evento conseguisse replicar o sentimento de total despreocupação que morava nas nossas cabeças há cerca de dois anos. A julgar pela linguagem corporal dos presentes, cremos que a missão foi levada a cabo com sucesso, principalmente a partir da uma da manhã, hora a que a Musicbox Club Orchestra subia ao palco para fazer a sua primeira apresentação de sempre.

Dispostos à volta de uma mesa bem apetrechada — com computadores portáteis, controladores MIDI e outras tantas ferramentas — Violet, Pedro da Linha, King Kami e DJ Kolt tinham os ouvidos de toda a gente sintonizados para o arraial sonoro que, secretamente, andaram a cozinhar durante os últimos dias. O resultado não é mais do que um espelho daquilo que é esta nossa Lisboa nos tempos que correm: uma cidade que celebra a diversidade como forma de enriquecimento cultural e na qual cabem brancos e negros, betos e gabbers, pobres e ricos, velhos e novos, independentemente dos gostos, orientações sexuais ou posicionamentos políticos. Assim sendo, o quarteto puxou de todas as influências que se conseguiu lembrar para dar corpo a um conjunto de temas que, recordando as palavras de Kamila, “são apenas uma junção real de quatro pessoas que se reuniram para fazer música — sem rótulos.”

Sem querer ir contra a legítima descrição da DJ e produtora — apenas no sentido de conseguir dar uma ideia mais “palpável” a quem nos lê — foram inúmeros os ingredientes que estes quatro maquinistas atiraram para dentro da panela de pressão musical levada à fervura em pleno Musicbox: ao techno, kuduro e baile funk, géneros que à partida vemos como marca de água nos artistas envolvidos, juntaram-se o drum and bass, dubstep e até mesmo o trance, numa mixórdia de sabores rítmicos e melódicos que, em conjunto com um intenso jogo de luzes, não deixou ninguém indiferente e só o betão impediu que algumas fendas se criassem no chão com a marcha dos que dançam sem sair do sítio.

Depois da despedida, fica a sensação de que esta orquestra merece ser muito mais do que um mero espectáculo de apresentação única. Haverá futuro para além do Musicbox? Pedro da Linha responde:

“Ainda não nos colocámos essa questão. Eu acho que pode ter futuro mas, como foi tudo tão rápido, em apenas 15 dias, não existiu ainda a oportunidade de nos sentarmos para perceber se isto é uma cena que pode continuar daqui para a frente ou se pode existir algum lançamento físico daquilo que já fizemos. Mas se olharmos para tudo o que conseguimos fazer em tão pouco tempo e que nos representa tão bem, tanto a nível individual como colectivo… se me convidassem para fazer algo em estúdio, eu diria que sim.”


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