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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/10/2020

Ganhar forma física para fomentar a partilha.

Music and Riots: “Começa tudo nas lojas de discos”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/10/2020

A Music and Riots é uma publicação online que se destaca no panorama nacional. Escrita em inglês, consegue atrair audiências portuguesas e estrangeiras com uma postura pautada por uma “imensa liberdade criativa”. Eles decidem as bandas e assuntos que querem abordar, tendo uma algibeira funda com playlists curadas, uma produção prolífica de críticas de álbuns e entrevistas a Swans ou Bring Me The Horizon, entre outros.

Contudo, esta entrevista foi proporcionada por um motivo diferente, o mais recente passo que este projecto assumiu. A Music and Riots passou a ser uma loja de discos, alojada no Centro Comercial Bombarda, no Porto, focando-se em vinis dos mais variados eixos de música alternativa.

Enquanto recebiam os novos LPs de Idles, conversámos com Fausto Casais e Rui Correia sobre o que significa abrir uma loja no meio de uma pandemia. Se estão a pensar sair de casa este sábado, 24 de Outubro, para ir comprar discos, passem na Music and Riots: é o Record Store Day!



Comecemos pelo nome. O que é a Music and Riots, a publicação que foi descobrir backoffice neste espaço? Vocês têm uma revista impressa ou somente publicam no site?

[Fausto] Temos uma revista em formato digital, para além do site. Não temos edição impressa por várias razões: custos, mercado, a possibilidade de trabalhar o design de uma forma ilimitada. Actualmente somos mais restritivos ao nível dos conteúdos, abordamos muito mais os nichos. Nós só trabalhamos o que queremos e com quem queremos, as bandas. E isso dá-nos uma imensa liberdade criativa.

E com essa postura conseguem chegar, como referiram, a artigos com um milhão de visualizações?

[Fausto] Sim, mas depende muito da edição e da banda em questão. Nesse caso deveu- se aos Bring Me The Horizon. Mas com Swans também conseguimos bons números.

O facto de escreverem em inglês faz com que cheguem a muitas pessoas lá fora. É uma fatia relevante da vossa audiência?

[Fausto] Sim, 25/30% são estrangeiros, dos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Alemanha… 

Voltando ao backoffice. É muito interessante ver escritórios em publicações que não são “tradicionais” como a vossa, que não nascem num contexto de edição formal. De onde veio a vontade de terem um espaço concreto para o pessoal escrever e criar conteúdos?

[Rui] Acho que isso é um complemento à liberdade que o Fausto falava, e da qual nasce a Music and Riots. A partir do momento em que há um espaço, ainda se cria mais liberdade para escrever.

[Fausto] Sem dúvida. Isto era um objectivo de há muitos anos. Agora tenho um espaço onde posso entrevistar bandas, fazer photoshoots, sessões de discos e eventos na loja. Queremos ter um espaço de dinamização total, entre nós, as bandas e a comunidade. Conseguimos fazer apresentações de discos, Q&A, Meet & Greet. É um pequeno open space.

Todas as bandas querem ir às lojas de discos, mexer nos álbuns, mas essas experiências são cada vez mais raras, mesmo em mercados como os Estados Unidos e o Reino Unidos. Seguimos posturas como a da Amoeba ou da Tower Records e queremos esse ambiente, que se está a perder, na nossa loja. Hoje em dia entras numa loja e tens uma pessoa a olhar para baixo que nem fala contigo sobre discos.

O espírito de dinamismo que pretendem imprimir na loja dependerá da vossa relação com a cidade, neste caso com o respectivo underground. Como procuram comunicar com um underground tão forte como o do Porto?

[Fausto] Pessoalmente, não acredito no underground do Porto. Há bandas, promotores e editoras incríveis, mas (o underground) não está em sintonia com a cidade há anos. A divulgação não está a ser bem feita, não há grandes apoios. Por exemplo, o Rui viu o apoio que há em Glasgow às iniciativas locais, tu não tens disso cá.

[Rui] Tens algumas coisas. Por exemplo, tens os apoios da GDA à edição de discos ou à promoção de espectáculos.

[Fausto] Ainda que hajam algumas coisas, elas não se reflectem com força no nosso underground. E o underground do Porto tem que ter uma perspectiva comercial para sobreviver.



Mas se o nosso tecido underground não está unido e vocês precisam dessa união para sobreviver, esperam ser agentes dessa dinamização, tentando unir os diversos players de alguma forma?

[Rui] Acho que não é bem essa a questão. Nós queremos envolver as pessoas e alimentar a dinâmica local. Mas, quando penso em undergound, penso em malta que está a fazer muito pela vida para se validar artisticamente, e não sinto que isso seja visível no Porto. Para haver uma dinâmica de apoio mútuo e recíproco, temos que nos levar todos a sério com que o estamos a fazer. Estando nós num país com políticas culturais fracas e com pouca direcção artística e de programação, tem que haver qualidade na produção e comunicação dos projectos de forma a que nos consigamos levar a sério. E acho que isto não é transversal, mesmo que seja um hobbie para as pessoas em questão. Por exemplo, quando eu contacto editoras nacionais para trazer material para a loja, a resposta demora semanas a chegar, e isto quando chega. Mesmo estando nós a demonstrar interesse, com um espaço onde podemos expor esses discos e artistas, não temos respostas.

Isso não varia um pouco de editora para editora?

[Rui] Claro, e posso dar-te exemplos de editoras e projectos que contradizem isto, de universos musicais distintos mas com appeal internacional. Por exemplo, os 10 000 Russos, que ensaiam no Stop e são uma banda da Fuzz Club, uma editora essencial. Tocam em muitos festivais nacionais e europeus. É uma cena de nicho mas muito relevante, com fãs acérrimos.

Outro exemplo é o da Lovers & Lollypops, que teve uma resposta assertiva e muito rápida no sentido de nos ajudar. Acho que compreendem o que estamos a fazer e o benefício recíproco que existe nestas partilhas da comunidade, neste caso editora/loja.

[Fausto] Nós respeitamos imenso a Lovers.

[Rui] A Lovers, como editora e agência de booking em Portugal, é das poucas onde sentes que existe uma estrutura. Onde existe um trabalho superior com os seus artistas, ao nível de imagem, comunicação, etc. Há um cuidado acrescido nessas questões.

[Fausto] E aplicando este discurso às lojas de discos, tem que haver um cuidado extra no que toca à comunicação e gestão de redes. Estamos em 2020. Tenho dito que tem que haver alguma entidade editorial para trabalhar o marketing e o design de todos os projectos desta cena. Não se pode abrir um negócio ou cimentar algo nesta área sem existirem conteúdos editoriais. Era brutal que as lojas de discos fossem mais unidas e abertas nestes pontos, porque é isso que cria uma cena local forte. Começa tudo nas lojas de discos. Quase todos os documentários que existem sobre este tema mostram-te que as cenas começam nas lojas de discos e depois com o pessoal a formar bandas.

Mas isso não é o caso do Porto.

[Fausto] Não é só no Porto. É em Portugal no geral, França, Espanha…

[Rui] Ao mesmo tempo sinto que há um certo saudosismo com esta relação mais física com as cenas locais. As coisas já não são o que eram, evoluíram em termos tecnológicos, e a relação que temos agora com as pessoas e com a vida é inegavelmente diferente. O contacto de proximidade com as lojas de discos e outras estruturas está-se a perder, e isso é outro dos aspectos que gostaríamos de trazer para este espaço. Queremos reconectarmo-nos com as pessoas de forma directa, para complementar a via digital. Há uma falta deste contacto. O pessoal comunica mas não age. E abrir a loja é uma acção.

[Fausto] Especialmente em tempos de COVID.

Não sei se é precoce, mas essa abertura que querem proporcionar já é visível?

[Fausto] Há alguma abertura no circuito das lojas de discos, mais visível nuns sítios do que em outros. Por exemplo com a Matéria Prima. Estamos contentes por estarmos perto deles e sinto que é recíproco. Nós percebemos desde o início do projecto que seria fantástico estar ao lado da Matéria Prima, e que deviam abrir ainda mais lojas de discos nesta zona. Em Soho, perto da Berwick St., tens quatro lojas de discos. Claro que são coisas já estabelecidas e não directamente comparáveis.

[Rui] Mas tocaste num ponto fixe, porque é um bom exemplo do que estávamos a falar. Queremos esse tipo de ramificação, e acho que com a Matéria Prima será assim. Já houve demonstração da parte deles para fazermos coisas em conjunto e dinamizarmos ainda mais esta área. São duas lojas de discos fortes, completamente diferentes, a trabalharem os seus nichos. Podem ocorrer cruzamentos sonoros mas não há mal nisso, porque vai haver um reencaminhamento de uma loja para a outra. Isso é concorrência saudável.

[Fausto] Uma pessoa hoje em dia, quando entra numa loja de discos, para além da oferta, quer aprender alguma coisa. E isso é recíproco para com as pessoas que trabalham nas lojas. Essa partilha é fundamental. Música é uma paixão, ainda que comprar discos seja algo supérfluo. Portanto, temos que acrescentar valor à compra, não pode ser uma simples troca comercial.


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